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quarta-feira, 6 de outubro de 2021

‘Ética republicana’

 


Meia-volta ouve-se esta expressão: ‘ética republicana’. Que significa tal pretensão? Será algo que atinge e beneficia a todos ou só a alguns? Quem se reclama de tal qualidade da ‘ética’? Teremos todos de respeitar tal desiderato? Será algo que une ou que discrimina?
Segundo alguns entendidos na matéria a tal ‘ética republicana’ repudia compadrios, clientelas e corrupções... e, numa visão mais abrangente e insidiosa, a ética republicana é a lei...
Numa interpretação mais estrita dos conceitos em matéria politica, há quem considere que a república, num estado de direito democrático, proclama o primado da lei e a igualdade de todos os cidadãos perante ela, não aceitando que uns beneficiem de prerrogativas ou de direitos que assentem em razões de hereditariedade familiar ou de títulos nobiliárquicos concedidos pelas mesmas razões.
Numa visão mais restrita ainda os republicanos consideram que acima do mero cumprimento da lei deve prevalecer o interesse público em detrimento do interesse privado, isto é, a dimensão coletiva impõe-se, teoricamente, ao interesse do indivíduo.

1. Decorridos mais de cem anos sobre a implantação da república, em Portugal, não teremos ainda um razoável caminho a fazer diante da tal ‘lei’ igualitária? Com efeito, muitos dos servidores da república quase apresentam tiques de nobreza perante a intocabilidade das suas leis, muitas delas feitas à medida dos seus interesses de grupo, de ideologia ou de associação (quase) secreta. Dá a impressão que há uns mais iguais do que outros, tal o favorecimento na forma e no conteúdo de certas leis da dita república. Isto parece manifestar-se de forma transversal aos partidos do atual espetro parlamentar, pois, certos arranjos e tomadas de posição saltar de campo ideológico, pelo menos na disposição da sala...

2. Com relativa facilidade emergem situações em que a igualdade perante a lei não se configura condizente com o comportamento – ético, moral – dos intervenientes. Quando descobertos tentam atamancar soluções onde o resultado descondiz com os pretensos princípios...democráticos, republicanos e marxistas/socialistas. Por vezes nem olham a meios para atingirem os seus fins, desde que não sejam percebidos ou demasiado manifestos... Os dias mais recentes – após as eleições autárquicas – foram dignos para ilustrar tais intentos, factos e insinuações...

3. Desgraçadamente o exercício do poder – seja qual for a instância – mas com riscos pela longevidade do mesmo, vai criando tiques e comportamentos que atentam contra a tal ‘ética republicana’, pois, na maioria dos casos, os interesses do partido ou da sua fação mais representativa como que se instalam na hora das decisões. Veja-se o estertor das derrotas em certas autarquias: tudo piora quando a surpresa apanhou os derrotados nas teias... Pode não ser totalmente verdade, mas paira no ar a sensação de que há pressa em esconder qualquer coisinha!

4. Embora sejam sinónimos em grego (‘ethos’) e em latim (‘mor, moris’) nota-se uma tentativa de usar os dois termos segundo os sujeitos e dando às palavras conteúdos desconformes. Assim ‘moral’ será um conceito mais conotado com as coisas da religião, particularmente no âmbito cristão/católico, enquanto ‘ética’ teria uma envolvência mais social, cultural e, porque não, política. Deste modo os republicanos como que tentam superiorizar-se nas observações que fazem aos moralismos dos que precisam da vivência religiosa. Parece estar subjacente a este comportamento – ético ou moral – uma certa sobranceria de uns tantos para a referência ao divino – sobretudo à ‘lei de Deus’ – lhes soaria menos cultural. Não será, no entanto, com preconceitos etimológicos ou mesmo culturais que se resolverá o problema se é ‘ética’ ou ‘moral’, mas poderá explicar-se a confusão de certo republicanismo barato para quem a noção de Deus aflige, atormenta ou faz pensar mais em adequar o que se pensa ao que se vive e não em justificar o modo de viver no pensar!


António Sílvio Couto

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