Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



terça-feira, 26 de outubro de 2021

Ética na política versus política na ética?

 


«A pessoa humana é fundamento e fim da convivência política. Dotada de racionalidade, é responsável pelas próprias escolhas e capaz de perseguir projetos que dão sentido à sua vida, tanto no plano individual como no plano social (...). A comunidade política procede, portanto, da natureza das pessoas, cuja consciência «manifesta e obriga peremptoriamente a observar» a ordem esculpida por Deus em todas as Suas criaturas (...). A comunidade política, realidade conatural aos homens, existe para obter um fim comum, inatingível de outra forma: o crescimento em plenitude de cada um de seus membros, chamados a colaborar de modo estável para a realização do bem comum, sob o impulso da sua tensão natural para a verdade e para o bem».

Esta citação do ‘Compêndio da doutrina social da Igreja (n.º 384), editado em 2005, sob a tutela do Conselho Pontifício Justiça e Paz, traça-nos algumas das linhas de orientação para a vida política, na sua mais genuína atividade, nisso que Aristóteles (século V a. C.) chamava de ‘arte’…

Ao vermos os acontecimentos mais recentes da nossa vida política -- agora mais como engenho de intervenção de interesses do que sublime atividade em favor de todos -- como que ficamos envergonhados por reproduzirmos tais espécimes, onde parece que ninguém tem nada a ensinar, pois todos, de uma forma ou de outra, já fizeram o que pretendem, por agora, acusar nos demais.

 1. Haverá (alguma) ética na política? Poderemos confiar em pessoas que mais defendem a sua ‘bolha’ do que atendem ao bem comum? A tão propalada ‘ética republicana’ não será mais uma bitola dessa tal república das bananas ou de luta orwelliana de porcos do que segundo valores de respeito, de dignidade ou de compreensão? Até onde irá a baixeza dos interesses, ao vermos lutas fratricidas e quase imorais dentro e fora dos partidos? As ideologias confundem-se, em função das estratégias, sejam as ditas explícitas ou as mais tenebrosas e até obscuras?  

 2. Por seu turno, não deixa de ser algo questionável que certas figuras tentem introduzir a política na ética, isto é, misturando os valores de conveniência – e são tantos e à la carte – nem que para tal se aliem aos adversários ideológicos, económicos ou sociais. Com efeito, ainda antes do sarrabulho parlamentar para o qual caminhamos, era bom de ver e de ouvir, tendências ideológico-éticas – em programas televisivos e não só – a defenderem concorrentes em partidos fora do seu espetro de preferência, mais por eles terem feito a saída do armário do que pelas ‘suas’ ideias benéficas para o país! Por aqui se pode ver que a intromissão da política na ética é servida sem pejo nem agravo…nesse princípio subliminar do ‘quanto pior melhor’, desde que sejamos nós a colher os frutos!

 3. Cada vez mais precisamos de estar esclarecidos, de modo a que sejamos capazes de perceber pela própria cabeça quem deseja estar na vida política com sinceridade, por serviço e pelo bem comum… e não por interesse, para se servir ou favorecer os seus apaniguados… Conceitos como povo, trabalhador, democracia, participação, desenvolvimento, dignidade e tantos outros podem ser lidos, estudados ou vividos conforme cada um tenha sido educado. Um marxista (leninista, socialista comunista ou trotsksista) ou um cristão podem usar os mesmos termos e dar-lhes conteúdos e significados diversos. O pior será quando uns tantos, que se dizem cristãos, mas atuam à semelhança e segundo os critérios desses outros que pretendem chegar aos seus fins manipulando os mais incautos e/ou simplórios. Neste sentido vem-me à lembrança essa anedota de um indivíduo que ia em contramão na autoestrada e a mulher lhe liga, avisando-o de que havia alguém em sentido contrário do trânsito, para que ele tivesse cuidado, ao que ele respondeu: e são tantos!

 4. Nestes tempos conturbados que estamos a viver torna-se essencial perceber para onde caminhamos, não aconteça de nos sentirmos acomodados, mas desfasados da realidade, desde a mais simples até à mais complexa… O vírus estará de volta? Com que meios vamos sobreviver?

 

António Sílvio Couto    

Sem comentários:

Enviar um comentário