«A pessoa humana é fundamento e fim da
convivência política. Dotada de racionalidade, é responsável pelas próprias
escolhas e capaz de perseguir projetos que dão sentido à sua vida, tanto no
plano individual como no plano social (...). A comunidade política procede, portanto, da natureza das pessoas, cuja
consciência «manifesta e obriga peremptoriamente a observar» a ordem esculpida
por Deus em todas as Suas criaturas (...). A comunidade política, realidade conatural aos homens, existe para
obter um fim comum, inatingível de outra forma: o crescimento em plenitude de
cada um de seus membros, chamados a colaborar de modo estável para a realização
do bem comum, sob o impulso da sua tensão natural para a verdade e para o bem».
Esta citação do ‘Compêndio da doutrina social da Igreja (n.º 384), editado em
2005, sob a tutela do Conselho Pontifício Justiça e Paz, traça-nos algumas das
linhas de orientação para a vida política, na sua mais genuína atividade, nisso
que Aristóteles (século V a. C.) chamava de ‘arte’…
Ao
vermos os acontecimentos mais recentes da nossa vida política -- agora mais
como engenho de intervenção de interesses do que sublime atividade em favor de
todos -- como que ficamos envergonhados por reproduzirmos tais espécimes, onde parece
que ninguém tem nada a ensinar, pois todos, de uma forma ou de outra, já
fizeram o que pretendem, por agora, acusar nos demais.
1. Haverá (alguma) ética na
política? Poderemos confiar em pessoas que mais defendem a sua ‘bolha’ do que
atendem ao bem comum? A tão propalada ‘ética republicana’ não será mais uma
bitola dessa tal república das bananas ou de luta orwelliana de porcos do que
segundo valores de respeito, de dignidade ou de compreensão? Até onde irá a
baixeza dos interesses, ao vermos lutas fratricidas e quase imorais dentro e
fora dos partidos? As ideologias confundem-se, em função das estratégias, sejam
as ditas explícitas ou as mais tenebrosas e até obscuras?
2. Por seu turno, não deixa de ser
algo questionável que certas figuras tentem introduzir a política na ética,
isto é, misturando os valores de conveniência – e são tantos e à la carte – nem
que para tal se aliem aos adversários ideológicos, económicos ou sociais. Com
efeito, ainda antes do sarrabulho parlamentar para o qual caminhamos, era bom
de ver e de ouvir, tendências ideológico-éticas – em programas televisivos e
não só – a defenderem concorrentes em partidos fora do seu espetro de
preferência, mais por eles terem feito a saída do armário do que pelas ‘suas’
ideias benéficas para o país! Por aqui se pode ver que a intromissão da
política na ética é servida sem pejo nem agravo…nesse princípio subliminar do
‘quanto pior melhor’, desde que sejamos nós a colher os frutos!
3. Cada vez mais precisamos de
estar esclarecidos, de modo a que sejamos capazes de perceber pela própria
cabeça quem deseja estar na vida política com sinceridade, por serviço e pelo
bem comum… e não por interesse, para se servir ou favorecer os seus
apaniguados… Conceitos como povo, trabalhador, democracia, participação,
desenvolvimento, dignidade e tantos outros podem ser lidos, estudados ou
vividos conforme cada um tenha sido educado. Um marxista (leninista, socialista
comunista ou trotsksista) ou um cristão podem usar os mesmos termos e dar-lhes
conteúdos e significados diversos. O pior será quando uns tantos, que se dizem
cristãos, mas atuam à semelhança e segundo os critérios desses outros que
pretendem chegar aos seus fins manipulando os mais incautos e/ou simplórios.
Neste sentido vem-me à lembrança essa anedota de um indivíduo que ia em
contramão na autoestrada e a mulher lhe liga, avisando-o de que havia alguém em
sentido contrário do trânsito, para que ele tivesse cuidado, ao que ele
respondeu: e são tantos!
4. Nestes tempos conturbados que
estamos a viver torna-se essencial perceber para onde caminhamos, não aconteça
de nos sentirmos acomodados, mas desfasados da realidade, desde a mais simples
até à mais complexa… O vírus estará de volta? Com que meios vamos sobreviver?
António Sílvio Couto
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