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segunda-feira, 4 de outubro de 2021

Há 24 anos na diocese de Setúbal

 




4 de outubro de 1997. Cheguei a Sesimbra.

Era Papa João Paulo II, bispo de Setúbal, D. Manuel da Silva Martins, arcebispo de Braga, D. Eurico Dias Nogueira; Presidente da República, Jorge Sampaio, Primeiro-ministro, António Guterres.

Estava-se em campanha eleitoral para as eleições autárquicas, nesse ano realizadas a 14 de dezembro, mudando de cor – dos comunistas com mais de duas décadas de poder para os socialistas – lá na terra.

Tinha 38 anos, catorze dos quais como padre. Vinha de Braga, embora tenha estado sem qualquer função paroquial entre 1991 e 1997, no intervalo fiz o mestrado (antigo) em teologia, na UCP-Lisboa.

- A chegada temporária a Setúbal era para ser por um ano… e já vai em quase um quarto de século. O ambiente na diocese era de fim-de-ciclo do bispo ainda em pontificado, que durou até junho de 1998.

- Vivíamos nessa época uma forte mobilização para o ‘jubileu do ano 2000’, tanto ao nível da Igreja universal como nas dioceses… com a coincidência de, nessa mesma data, a diocese comemorar os vinte e cinco anos da sua criação. Foi nesta ambiência e contexto religioso que solicitei ao meu bispo, D. Eurico, que me deixasse ficar por mais algum tempo em Sesimbra, até porque seria um tanto desestabilizador que aquela paróquia tivesse quatro párocos diferentes no espaço de um ano…

- Logo na quaresma de 1998 demos início a uma iniciativa que foi pioneira na Igreja em Portugal: as ‘conferências quaresmais’, efetuadas à quarta-feira à noite, entre a quarta-feira de cinzas e a quarta-feira da semana santa… isto durante treze anos – foram dezenas (treze vezes sete) de figuras e personagens da vida eclesial, mas também política, social, universitária…leigos, padres e bispos… e onde acorriam centenas de ouvintes, tanto da paróquia como da diocese.

- Numa captação do ambiente social, religioso e cultural, fui percebendo a necessidade de formação. Tudo isso num contexto de preparação da ‘Expo98’. Neste campo entrei em contato com um trabalho já em marcha de inserção das paróquias marítimas no tema dos oceanos. Foi um abrir de horizontes para um setor que desconhecia e que tivesse a possibilidade de aprender a situar-me. Daqui veio o crescente interesse sobre as simbologias marítimas e piscatórias em particular… Entre 2008 e 2014 fui diretor nacional do Apostolado do mar.

- Numa figuração mais aproximada foi toda descoberta da devoção ao Senhor Jesus das Chagas… que, em situações anteriores, foi o causador dos atritos entre o pároco e uma fatia dos promotores da festa anual, em maio. Percebido o interesse foi preciso conquistar a confiança dos ditos da comissão de festas. Colocar a devoção sob um tema – ilustrado por uma faceta ou apetrecho piscatório – traduzi-lo num cartaz aglutinador, dinamizar a novena à volta dessa temática e organizar os estatutos da Irmandade foram peças de um puzzle em crescendo e sem conflitos… Tinha prometido a mim mesmo que o Senhor das Chagas não me mandaria embora daquela terra…Nunca fui a praia, mas passeava todos os dias à beira-mar!

– Outro foco de dissensão era a discrepância entre a capela da Misericórdia e a Igreja matriz…com os seus reduzidos frequentadores, tanto de um lado como do outro… A isso se acrescentava a colocação do agrupamento dos escuteiros sob a alçada da capela e não da paróquia. A breve trecho – talvez dois ou três anos – todos estavam sob a mesma responsabilidade, a do pároco, até porque o capelão, Padre Júlio, de farta idade (90 anos), pediu a suspensão da capelania… Sempre nos demos bem e escutava-o na sua sabedoria. Não posso esquecer a presença e a atenção também do senhor Padre Agostinho, pároco do Castelo até aos 80 anos.

- Com a chegada de D. Gilberto, em 1998, comecei a fazer parte de alguns dos órgãos diocese mais significativos: vigário, membro do conselho presbiteral e mesmo do colégio de consultores…tendo, todas as semanas, reuniões em Setúbal… Vi serem seminaristas e, posteriormente, serem ordenados padres dezenas dos padres mais novos, isto é, desde o início do milénio… Alguns ainda não tinham nascido sequer, quando fui ordenado em 1983…

– Dado que gostava de escrevinhar umas coisas sobre assuntos vários, cheguei a ter espaço nos três jornais em publicação (raio de luz, o sesimbrense e jornal de Sesimbra) e mesmo na rádio local, com a transmissão da missa dominical… isso para além da colaboração numa publicação regular da câmara municipal… Desse tempo surgiram algumas compilações em livro (uns dez títulos) – entre 1998 e 2010.

- Na fase derradeira da minha presença em Sesimbra aconteceu o ‘curso alpha’ (com treze cursos de dez semanas cada um) e que terá sido participado por mais de seiscentas pessoas, muitas delas estavam fora da vivência da Igreja.

- Dada alguma distância no tempo foi um tanto fácil referir-me àquilo que vivi em Sesimbra e nesse tempo noutros espaços da diocese, onde colaborei, desde a primeira hora, na ‘escola da fé’ ou em manifestações de religiosidade (procissões), onde fui solicitado… Escrevinhei no jornal da diocese – notícias de Setúbal – enquanto existiu e lamento a sua suspensão algo apressada e talvez temerária…

 

* Cheguei à Moita em 29 de agosto de 2010. Tinha pedido para que a paróquia para onde pudesse ir não tivesse centro paroquial e caiu-me em sorte (ou azar) exatamente um local onde isso não se cumpria… Achei estranha a solução do senhor Bispo, mas, só há dias (no verão passado), ele teve a ousadia de explicar publicamente a razão… di-la-emos mais tarde.

* Faltavam poucos dias para a ‘festa da Moita’, coisa que desconhecia no alcance e no significado. Menos de uma semana decorrida foi a vez de participar numa pretensa ‘apresentação das festas’, por coincidência diante da Igreja matriz. Contei a estória dos sapos… que perdurou por bastante tempo nas mentes dos ouvintes, sobretudo políticos. Disse na hora que vinha para aprender… talvez seja essa razão de bastante poucos quererem ser ensinados?

* Como primeira tarefa estava-me acometido fazer regressar os escuteiros ao seio da paróquia. Prometi, na missa de 8 de setembro desse ano, que no ano seguinte já estariam de regresso… e estavam! Soube, pela explicação do senhor D. Gilberto que a razão da minha escolha para ser enviado para a Moita era essa mesma: dado que tinha pacificado as relações sociais e religiosas em Sesimbra, no trato com o Senhor das Chagas, seria expetável que tal viesse a acontecer na Moita… Até agora tem sido possível. Espero que todos contribuam na mesma linha…sempre!

* Dando cumprimento a um desejo popular efervescente, foi inaugurado em 2013, com transmissão da missa pela televisão, o monumento público a Nossa Senhora da Boa Viagem, numa expressão de fé e de amor à padroeira da sede da paróquia… Já, no ano anterior, tinha sido posta a disposição do público em geral uma reprodução em porcelana da imagem de Nossa Senhora da Boa Viagem, com boa aceitação e mesmo como forma de angariação de fundos para o projeto do monumento…

* Tendo por patronas nas três igrejas da paróquia evocações a Nossa Senhora – da Boa Viagem, na Moita, do Rosário, no Rosário e da Graça, em Sarilhos Pequenos – tive de fazer um aprofundamento mais cuidado e cuidadoso ao nível teológico, espiritual e eclesial… Assim, no espaço de poucos anos surgiram pequenas publicações, editadas pela Paulinas Editora, sobre a ladainha, a Ave-Maria e a Salve rainha…

* Prossegui, na Moita, a saga de querer escrever, mas com uma nova tonalidade: desde 6 de outubro de 2011 através do blogue: ‘aquieagoraeu.blogspot.com’… onde já foram publicados 1078 artigos e com mais de 187 mil visitas…à mistura com catorze títulos na Paulinas Editora… Semanalmente sai a folha paroquial ‘No dia Senhor’, que já atingiu 579 números.

* A tarefa de ser, por inerência da função de pároco, presidente do ‘centro paroquial de acção social da Moita’ foi, desde logo, algo para o qual não estava minimamente preparado. Isto de passar a ser ‘patrão’ – com oito dezenas de funcionários, mais de duzentas crianças e cinquenta velhos em lar – só tem sido possível pela dedicação, competência e atenção de tantos dos membros das direções que já tive nestes mais de onze anos… Continua no horizonte próximo o desejo de construir um novo lar…assim nos deixem e ajudem…

* O ritmo de propostas de formação e de adesão às iniciativas, em Sesimbra, esbarrou com bastante indiferença nas gentes da Moita. Assim, as ‘conferências quaresmais’, que tão bem eram aceites lá, aqui não conseguiam cativar mais do que umas parcas dezenas… e só houve três anos de proposta. As reuniões semanais de preparação da liturgia, que lá enchiam a sala, aqui contavam-se por poucos. Até as reuniões do ‘conselho pastoral paroquial’, que lá eram motivo de forte vivência, aqui, dá a impressão, que nunca foi entendido o significado de tal meio de dinamização pastoral da paróquia.

* O ano e meio de pandemia – março de 2020 a outubro de 2021 – pôs a nu muito daquilo que nem imaginávamos ser possível viver: os dias longos e as tenebrosas noites foram contados quase em ritmo de medo, de suspeita e até de apreensão. Não se sabe o que virá, mas o que foi deixou marcas em tudo e em todos.

* Por estes dias, no final do verão, foi dado início a um grupo do ‘apostolado do mar (stella maris)’ na paróquia, sediado no Gaio. São Pedro Gonçalves Telmo é o patrono.

Numa palavra: foram vinte e quatro anos de intenso trabalho, reflexão e vivência numa diocese que aprendi a conhecer, tenho-a como minha e onde – creio – tentei ajudar com as qualidades e defeitos que tenho. Assim Deus me perdoe e todos sejam compreensivos para com o padre que devia ser…

 

António Sílvio Couto    

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