Fique claro: estou desiludido com os meus
contemporâneos e, consequentemente, comigo mesmo: os mais recentes episódios de
reação ao coronavírus deixam muito a desejar – parecemos uma espécie de massa acrítica,
tangida por uns tantos sabichões que nada sabem, mas que parece que mandam,
embora não se saiba se governam.
Tal como noutros momentos da nossa história recente
estamos a ser tratados mais uma vez como mentecaptos, senão ao nível pessoal
pelo menos na impressão geral. Certas questões soam tanto a infantis, que a
mais inocente criança troçará da forma como são apresentados os temas, soletradas
as questões ou até desenvolvidas as soluções.
Quando o destaque dos problemas humanos se
configuram à estética física, mal vai a nossa cultura. Quando vemos tanto tempo
dedicado a cuidar do corpo, como fachada de fascínio subtil, muito mal iremos
na promoção cultural. Quando se tenta disfarçar a ‘sabedoria’ da vida na idade
pelos retoques que mais desarranjam do que corrigem. Quando se troca o conteúdo
do ser pelo papel de embrulho do parecer. Quando se quer dar nota do que reluz,
retirando a essencial que conduz… Diremos: estamos num colapso não meramente
cultural, mas por certo civilizacional.
= Perdoarão a denúncia de vermos tanto da crise
profunda em áreas e setores de quem esperávamos maior atenção à nivelação pelo
intelecto do que pela mera emoção, com que tantas vezes parecemos querer
enganar as questões mais significativas de hoje como de ontem. Muitos dos
responsáveis eclesiais dão a impressão que deviam cuidar mais da formação –
cristã, católica e eclesial – daqueles que lhes foram colocados como
espaços/campos de missão do que em andarem a derramar-se por temas sociais, que
são mais da influência do Estado e de quem tem a competência de governar,
autarquias e outras instâncias políticas. Muito mal irá uma paróquia ou uma associação
se é considerada pelo que faz socialmente, em vez de o ser pelo semear
cuidadoso da Palavra de Deus, que, a seu tempo, frutificará. É triste que se
possa continuar a ver o trabalho de um padre, de um religioso/a ou mesmo leigo mais
pela intervenção dialética e do que pela configuração evangélica… algo estará
podre ou a apodrecer rapidamente.
A comunicação social – mesmo a de âmbito eclesial –
não poderá continuar a insistir na superficialidade de temáticas que fazem da
pessoa humana um fantoche sem cabeça, criando subsistemas de lóbi. Apesar de
parecer haver alguma diversidade informativa ainda vivemos excessivamente
manipulados por temas de interesse mais rocambolesco do que humanitário,
gerando-se uma saturação noticiosa que bem depressa esgota a paciência ou até a
capacidade de equilíbrio emocional. Já deu para perceber que aqueles que emitem
opinião são mais seguidores de quem lhes paga – canal, ideologia ou lóbi – do
que servidores da verdade, que, essa sim, liberta, edifica e alimenta.
= No contexto dos factos e dos episódios, das
informações e das manipulações do recente vírus o tema da máscara é o sinal
mais representativo do tipo de sociedade que somos e nem sempre assumimos.
Usada como artefacto sanitário, a máscara não pode servir para expor ao
ridículo momentos significativos da nossa convivialidade… então nas missas é o
cúmulo da versão patética. Desculpando-me a associação do uso do artefacto, a
máscara pode servir de açaime ou de cofo, usado noutras situações humanas e
culturais: açaime faz-nos cuidar de quem possa ser perigoso, de cofo como
objeto redutor dos apetites alimentares…
Todos os trejeitos sanitários que lhe foram, por
ocasião desta crise viral, apensados podem-nos fazer cair nalgum exagero, isto
para não nos analisarmos ainda na linha de uma certa ridicularização a que nos
estamos todos a submeter. Tal como noutras ocasiões espera-se, de quem tem bom
senso e sentido da figura que faz, que não caiamos em fundamentalismo….como
temos visto em certas figuras (pretensamente) respeitáveis.
Num tempo cheio de contradições ainda não percebemos
se as pessoas se têm avaliado ao espelho de uso pessoal ou, como se diz
popularmente, diante do espelho vivo que são os outros… Há imagens que falam e
as legendas podem servir tão somente para não fazermos outras interpretações.
Até quando?
António Sílvio
Couto
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