Mais
uma vez – pela enésima possibilidade – vemos incendiarem-se múltiplas
manifestações populares contra aquilo que se vai designando de ‘racismo’. Isto
começou nas terras da América e já foi exportado para outros continentes…mesmo
que desfocando a questão (facto, circunstâncias e consequências) e alterando a
pretensão…mais ou menos subtil.
* O
facto e a narrativa possível – Depois da morte, a 25 de maio passado, de um
cidadão americano de cor negra foi-se espalhando numa nova onda crescente de
protestos, primeiro nos EUA e posteriormente noutras paragens… O pagamento de
um maço de tabaco com aquilo que foi julgado ser uma nota falsa de vinte
dólares desencadeou uma ação policial com detenção algo agressiva e o colapso
total do detido…depois de ter estado a ser sufocado durante – dizem os
relatórios – oito minutos e quarenta e seis segundos.
Bem
depressa foram confundidos violência policial com combate ao crime, mas
sobretudo emergiu a labareda crepitante do racismo, de um modo especial na
sociedade americana e na forma mais explorada da agressividade dos brancos
sobre os negros e de tudo quanto pode parecer ‘supremacia’, ‘perseguição’,
‘escravatura’ e tantos outros mitos desgraçadamente mortíferos nas várias culturas
e/ou quase civilizações.
* Perguntas e outras interrogações – Isto
que nos tem sido dado a conhecer noticiosamente não estará um tanto ideologizado?
Não estaremos a ser explorados por lóbis transnacionais? O que nos é dado saber
não será mais fruto da proliferação de informações? Isto que vemos não será apenas
a ponta de um icebergue mal escondido? Porque não foi ainda resolvido o
problema ‘racista’ nos EUA? O sangue derramado de Luther King não merece mais
respeito por parte de todos? Será à pedrada que se resolverão os problemas? A
quem interessa desautorizar quem estabelece a ordem? Estes da ordem pública não
serão também resultado de circunstâncias históricas e culturais?
* Ponto da situação…lá fora – Há
dez anos atrás, os censos apontavam nos EUA que quarenta por cento da população
se declarava negra (afro-americanos e negros hispânicos) numa composição
delicada, tanto nas origens como na forma de se exprimir. De entre estas
especificidades nota-se alguma crispação no âmbito económico – terreno fértil
para contestações, lutas e conflitos – e nos aspetos culturais. Por isso,
qualquer pequeno rastilho pode incendiar a torcida racista que sempre fumega.
Tal como temos estado a assistir, nestas duas semanas, o tema torna-se
transversal, tanto mais que a maior parte das vítimas do coronavírus, lá como
cá, encontra terreno propício para se propagar e, consequentemente, fazer vítimas
na população mais desfavorecida ao nível económico, social e até cultural.
* Repercussões… por cá – Não deixa
de ser sintomático que boa parte dos combatentes do racismo, cá nas terras
lusas, sejam simpatizantes de ideias sociopolíticas ancoradas nalgum
esquerdismo já abandonado noutras paragens – esse caldo de influências que
mistura marxistas, trotskistas, anarquistas e tantos outros afins – e surjam
como promotores da contestação… de rua e na comunicação social. Ora, o que não
deixa de ser ‘admirável’, é que não vemos essa defesa antirracista verter-se
nos eleitos ao parlamento – com três ténues figuras na última eleição – e tão
pouco nas intervenções visíveis na vida pública. Serão aquelas iniciativas de
reivindicação algo só de diversão e para distrair? Não estarão a ser usadas as
(ditas) vítimas do racismo como instrumentos de arremesso barato e sem
consequências práticas?
* Enfrentar outros racismos…camuflados – Pelo
que se pode perceber há hoje outros racismos bem mais profundos do que o da cor
da pele. O racismo economicista, onde
uns tantos se acham senhores da imensa maioria sem meios de subsistência,
sobrando os problemas para outros que se arvoram em voluntários do próprio
interesse. O racismo da ostentação,
onde uns habilidosos usam os outros para se promoverem sem pejo nem vergonha. O
racismo clubístico, onde alguns se
consideram senhores do fenómeno desportivo (e do futebol em particular),
abusando da paciência de quem não vai na sua cantiga. O racismo partidário, que pulula em maré de crise, favorecendo os que
têm o cartão de quem governa – ao nível geral ou local – e arvorando-se em
benfeitores daquilo que não produziram nem conquistaram… E tantos outros campos
onde se nota desigualdade prática, quando ela deveria ser combatida pela devida
educação, cultura e civilização.
Sou
contra toda a forma de racismo, pois não se pode usar o termo e o conceito só
quando nos convém, mas devemos combatê-lo nas pequenas como nas grandes coisas
e causas…
António Sílvio Couto
Sem comentários:
Enviar um comentário