Os dados foram publicitados recentemente: em 2018,
os portugueses gastaram 35,5 milhões de euros, por dia, a comer fora de casa. As
contas totais, segundo as estatísticas da UE, perfizeram cerca de 13 mil
milhões de euros que as famílias portuguesas gastaram a fazer refeições em
restaurantes, cafés, cantinas e similares.
Atendendo à média europeia de sete por cento, os
gastos dos portugueses colocam-nos em sexto lugar do índice com mais de nove
por cento das despesas mensais das famílias.
Se compararmos os dados de vários países europeus: a
Irlanda é quem mais gasta em comer fora com 14% do orçamento familiar, enquanto
na escala dos que gastam menos nesta matéria encontramos a Roménia, a Polónia e
a Lituânia, que ocupam os últimos lugares.
Se fizermos uma leitura comparada em dez anos – 2008
(início da ‘dita’ crise) a 2018 – sobre este facto de ‘comer fora de casa’ os
dados revelam-nos que os portugueses subiram um ponto percentual – de 8,2 para
9,2 – tendo ainda em conta a descida do IVA na restauração de 23 para 13%,
desde meados de 2016…
Estas contas dão para interpretar que estamos a
viver melhor, indo com regularidade comer fora de casa? Será isto um indício de
qualidade de vida ou uma extensão de algum novo-riquismo encapotado? O recurso
à refeição fora pode ser revelador de bom ou de mau ambiente familiar? Estar
exposto à refeição fora de casa ajuda a ser ou a parecer mais família?
Eis um pequeno excerto sobre este assunto do
não-comer em casa, como família, do livro ‘Utopia’ de Tomás Moro (século XVI):
«Às horas fixadas
para o almoço e para o jantar a sifogrância [termo que pode significar
‘comunidade’ no contexto da obra] inteira
dirige-se ao seu refeitório, alertada por um clarim. Só não respondem à chamada
aqueles que estiverem acamados nos hospitais ou em suas casas. Contudo, não é
proibido a ninguém ir-se aprovisionar diretamente no mercado, depois de os
refeitórios estarem abastecidos. Sabem que ninguém o fará sem razão. Com
efeito, se bem que todos estejam autorizados a comer em suas casas, não o fazem
de bom grado, porque isso é bastante mal visto. E acha-se absurdo ter o
trabalho de preparar uma refeição pior do que aquela, excelente e abundante,
que está à disposição de todos num refeitório próximo» (livro 2).
- Perante este texto com mais de quinhentos anos
como que poderemos entender certas tentativas mais ou menos ‘coletivistas’ de
sonegarem a importância do ambiente familiar, onde as refeições se deveriam
tornar momentos de confraternização, de convivialidade e, sobretudo, de
partilha em comunhão de vida, de história e em família…
- O incremento de tantos refeitórios em empresas
dá-nos a impressão de parecer uma espécie de reminiscência à luz deste texto da
‘Utopia’, fazendo crer que as empresas/locais de trabalho se poderiam vir a
tornar as substitutas da verdadeira família. Repare-se mesmo na avidez e no
frenesi com que se fazem certos ‘jantares de natal’, nessa outra tentativa de
reconverter o que na família possa acontecer, tornando tais façanhas algo de
jocoso e de menos bom apreço, de espaço de substituição ou, sabe-se lá, se não seria
ainda uma espécie de fazer humor contra a própria família.
- Efetivamente
os ataques à família são mais do meramente ideológicos, mas, em pequenas
coisas, fazem com que os gestos mais simples e marcantes da vida familiar
tenham de ser vigiados sempre. Com efeito, o não-cozinhar em casa faz esmorecer
a lareira, enquanto esta é fonte de irradiação do calor físico, psicológico, espiritual
e moral. Veja-se como as casas se vão esfriando, enquanto os sentimentos se vão
esboroando. Repare-se como o comer fora de casa se tem convertido num ato de
mera ação de alimentação em vez de ser um espaço de enraizamento de todos na
história comum e não meramente num sobreposição de indivíduos e não de pessoas…com
afetos, sentimentos e laços de carinho.
- Não
sei se é da idade ou se funciona como tentativa de fuga, mas cada vez menos me
apetece ir a restaurantes, pois em casa podemos ser mais nós mesmos, conhecendo
e dando-nos a conhecer… Até o paladar da comida é outro, quando cozinhada com
tempo e em jeito de intimidade…para quem se cuida.
- A
proliferação de tantos lugares de comer fora de casa não estará a matar a vida
da família, ao menos no sentido cristão da mesma? Parafraseando um certo
ditado, digo: família que se alimenta (come) unida, permanecerá unida!
António Sílvio Couto
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