‘Tu és ainda militante? Pago-te as cotas e tu votas
num determinado candidato’!
Esta breve conversa era feita por um dirigente
concelhio, que não foi escolhido pelas chefias para integrar a lista às últimas
eleições… Agora passou-se para as hostes de um outro candidato, que,
certamente, lhe terá prometido o tal posto desejado…sobretudo se estiver em
final de tempo de serviço autárquico!
Na noite de rescaldo das votações internas de um
certo partido ouvimos, por diversas vezes – umas de forma explícita e outras de
modo mais insinuado – um dos dois que vão disputar a liderança a proclamar que
nele ninguém votara com a promessa de vir a ter um qualquer lugar que o votante/eleitor
almejasse…Por ele e para ele todos devem estar ao serviço do país, através do
partido, e nunca querendo servir-se dos postos para conseguirem outros
objetivos…
Daquilo que vemos e pelos resultados obtidos, será
mesmo assim tão grande o despojamento em quem anda nas lides partidárias? Não
se sentirá, na maioria das agremiações partidárias, uma espécie de antecâmara
para outros voos e melhores lugares? Não será tão habitual assim não vermos
jovens a entrarem nas formações juvenis dos partidos para conseguirem, num
futuro mais ou menos próximo, um melhor lugar de trabalho (ou de emprego),
desde as autarquias até às fimbrias do poder nacional? Alguém acredita mesmo
que, pelos tiques manifestados, não temos tantos/as na profissão, sem nunca
exercerem outra de forma clara, correta e capacitada? Ao vermos a corrida aos
partidos de acesso ao poder, não seremos tentados a considerar que as
iniciativas se podem confundir com projetos de candidatura a empregos melhor
remunerados? Não se confundirão, por vezes, os desempenhos com os princípios e
valores que deveriam informar os projetos?
= A partir de uma perspetiva cristã podemos e
devemos questionar-nos sobre a presença e participação dos cristãos –
particularmente os leigos – na vida social e política. Desde logo é fundamental
esclarecer que a presença/participação dos cristãos na política é muito mais do
que a mera envolvência partidária, pois esta, pela própria configuração
terminológica de ‘parte’, poderá significar uma das partes e não a totalidade…
Atendendo aos desafios dos evangelhos – ‘vós sois o
sal da terra; vós sois a luz do mundo’ – e às proclamações do magistério da
Igreja católica, podemos considerar que a participação dos cristãos na vida do
mundo sempre foi não só incentivada como feita a marca dos cristãos na
intervenção no seu meio, isto é, reduzir a vivência religiosa ao culto nem
sempre se faz cultura.
Quem conhecer as múltiplas referências do magistério
na vida política recordará o celebre texto da ‘epístola a Diogneto’ (século II)
onde se faz o elogio da presença dos cristãos no mundo, como sua alma e mesmo
salvaguarda, até aos momentos mais significativos dos últimos papas (João Paulo
II, Bento XVI e Francisco) sem nunca esquecermos a visão prospetiva do Concílio
Vaticano II, especialmente na constituição pastoral ‘Gaudim et spes’.
Eis um breve excerto deste documento conciliar: «todos
os cristãos tenham consciência da sua vocação especial e própria na comunidade
política; por ela são obrigados a dar exemplo de sentida responsabilidade e
dedicação pelo bem comum, de maneira a mostrarem também com factos como se
harmonizam a autoridade e a liberdade, a iniciativa pessoal e a solidariedade
do inteiro corpo social, a oportuna unidade com a proveitosa diversidade.
Reconheçam as legítimas opiniões, divergentes entre si, acerca da organização
da ordem temporal, e respeitem os cidadãos e grupos que as defendem
honestamente. Os partidos políticos devem promover o que julgam ser exigido
pelo bem comum, sem que jamais seja lícito antepor o próprio interesse ao bem
comum» (n.º 75).
Se todos soubéssemos ocupar o nosso lugar nos vários
círculos de presença, de intervenção e de compromisso conseguiríamos construir
uma sociedade mais participativa tanto no serviço quanto na diversidade, onde
cada um respeita os outros e coloca ao seu dispor as qualidades/dons que
possui.
Continuar a fazer a figura dos ‘marretas’ – série
televisiva com mais de quatro décadas – onde dois velhos rezingões tudo
criticavam e contestavam, desde o seu camarote, vendo, preferencialmente, os
defeitos alheios…não deixará rasto de mudança. Queira Deus que sejamos mais
interventivos do que intervencionistas, cada qual no seu âmbito mais simples e
sincero…
António Sílvio Couto
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