Com o
início do ‘novo ano’ vão aparecendo sugestões – umas mais clássicas, outras
mais ousadas e algumas um tanto bizarras – sobre o modo como enfrentar o tempo
deste ano. Neste contexto deu-me na observação aquelas que pretendem lançar
referências aos penteados, sobretudo na qualificativa de darem a entender algo
que possa rejuvenescer quem queira alinhar, tanto no âmbito feminino como na
vertente masculina.
As
sugestões apresentadas são algo ‘tentadoras’, na medida em que, a partir de uma
certa forma de cortar o cabelo, poderão ser retirados anos na aparência de quem
é observado. Isso poderá ser aliciante tanto quanto somos, hoje, confrontados
com essa eterna sedução de querermos parecer mais novos, mesmo que à custa do
disfarce, do engano ou mesmo da aliciação.
Dada a
complexidade da terminologia bem como da arte que envolve a possibilidade de
recorrer aos cortes de cabelo para que possam deixar o sujeito mais jovem,
ficamo-nos pela abrangência com que se pretende fazer desta arte uma nova
imagem a dar aos outros. Por vezes dá a impressão que se pretende retocar por
fora – na cabeleira ou sua ausência – a falta de conteúdo daquilo que ela
envolve…pretensamente!
= Efetivamente
vivemos numa acentuada ‘era da imagem’: a temos de nós mesmos e a que queremos
que os outros tenham de nós; essa que desejamos que tenham de nós, com todos os
artefactos que usamos para a produzir, sustentar e/ou manifestar; essa outra que
desejaríamos que tivessem, embora nem sempre se coadune entre o pretendido e o
realizado; essa que gostaríamos de modificar, mesmo que à custa de artimanhas
(lícitas ou menos boas) de retoque e/ou de camuflagem; essa imagem de imitação
– veja-se a produção de cortes de cabelo ou de recurso às vestimentas em moda –
em que mais fazemos de conta do que somos aquilo que revelamos, de verdade.
Com
razoável regularidade encontramos pessoas que conseguem ‘enganar’ a idade real,
seja pela forma mais ou menos arejada como se apresentam, seja pelo modo como
se cuidam, arregimentando alguns adereços de moda, de adorno ou de disfarce…de
modo a parecerem mais juvenis. Nalgumas circunstâncias podemos até encontrar
mães que quase parecem ter a idade das filhas – isto acontece mais no feminino
do que no masculino – e com tal observação sentirem-se lisonjeadas, mais do que
ofendidas.
De
facto, é preciso aprender a saber ligar com a idade que se tem, mais do que com
aquela que se desejava ter. Nalguns casos seria útil haurir o mínimo de memória
sobre aquilo que se observava e que talvez se criticava naqueles/as que tinham
a idade que nós agora temos. Isso far-nos-ia ser mais ponderados, tanto nas
críticas, quanto nas possíveis considerações menos favoráveis para com os
outros…que agora podem (ou devem) ter para connosco.
= Mesmo
que de forma sucinta vamos tentar abordar as diversas abordagens que citamos
supra:
* a imagem que temos de nós mesmos – algo
que se vai delineando ao longo da nossa existência, tendo em conta aquilo que
fomos apreendendo da vida e das situações boas/agradáveis ou
difíceis/negativas… Tudo isso é mais do que aquilo que vemos, cada manhã, narcisisticamente,
ao espelho, aferindo-nos ao desenvolvimento das experiências pessoais e/ou
confronto com os outros;
* a imagem que os outros têm de nós – por
vezes podemos não ser corretamente entendidos ou talvez julgados…isso nos fará
aprender com a lidar com o menos bom apreço daquilo que somos, sem nos
deixarmos vencer pelas críticas alheias…mais ou menos aceitáveis;
* a imagem que podemos querer que tenham de nós
mesmos – tendo em conta as influências dos outros sobre nós, podemos desejar
algo que nos pode condicionar no nosso comportamento, dando mais ouvidos àquilo
que dizem de nós do que àquilo que somos de verdade;
* a imagem de imitação dos outros – com
que facilidade podemos ser forçados a viver à maneira de outros, mas não somos
eles, e isso poderá colocar-nos em conflito connosco mesmos e com os outros.
É
essencial refletirmos nesta frase do pensamento grego: ‘conhece-te a ti mesmo’
(Platão), num misto de descoberta e de contínuo caminho de humildade, cada um
para consigo mesmo e para com os outros…
António Sílvio Couto
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