Parecem
ser cada vez mais os sinais de que algo anda confuso no reino da portugalândia (*).
Podemos ver o sucesso e questionar os seus efeitos. Podemos descobrir as
consequências sem termos de identificar as causas. Podemos sacudir a
responsabilidade e culpar os outros, que, embora possam ser companheiros na
desgraça, se diluirão como a mensagem do agente secreto em poucos segundos…
É nessa
terra imaginária em que se tornou o nosso país que vamos centrar a nossa
reflexão sobre aspetos que podem parecer reais, mas que não passam de virtuais
e onde uma boa maioria vive em perfeita alienação… até um dia acordar da
letargia geral.
= Vivemos
numa Europa onde há paz – isto é, sem guerras entre os países na totalidade,
embora tenhamos tido a guerra dos Balcãs ou mais recentemente os conflitos
entre a Rússia e a Ucrânia – desde o final da ‘segunda guerra mundial’. Os
portugueses ainda tiveram as guerras ultramarinas, terminadas em 1974. No geral
a Europa tem vivido numa espécie de paz social, embora podre, mas minimamente
aceitável. Com a queda do ‘muro de Berlim’, em 1989, distendeu-se a todo o
continente a pretensa paz com os tentáculos do progresso, do consumo, da
qualidade de vida e de tantas outras proclamações mais ou menos efabuladas dos
regimes políticos e ideológicos. Até a construção da União Europeia tem
contribuído para o sucesso da maior parte dos países e nações. A inclusão de
certos povos procedentes da ex-cortina de ferro fez com que o sucesso
ultrapassasse fronteiras e barreiras alfandegárias. A livre circulação – sem
necessidade de passaporte – de pessoas e bens foi construindo a utopia de que
teremos sucesso com mérito ou sem ele.
= Uma
espécie de interregno eclodiu entre 2008 e 2015, tanto na Europa e no mundo
ocidental, quanto em Portugal em particular. É dessa época o termo que usamos
supra – ‘portugalândia’ – e com isso os seus autores quiseram alertar para a
possibilidade de não ser aproveitada a circunstância de ‘crise, mas antes para
nos continuarmos a iludir, usando os velhos truques de recurso a técnicas menos
claras ou de pretendermos ser melhores jogadores do que os outros, numa palavra:
acabe-se com o chico-espertismo e o desenrascanço, que tão simplesmente nos
tipifica…como portugueses.
= Agora
que atingimos o sucesso de superavit orçamental – ainda não consegui
compreender com que artimanha – poderá ser útil reparar nalguns sinais de que a
ditadura do sucesso talvez possa trazer à luz um certo colapso de valores
considerados fundamentais. Cingimo-nos tão simplesmente ao setor da família.
Esta deveria ser o reduto mais sagrado para cada pessoa, mas tem-se tornado uma
espécie de campo de batalha entre os vários elementos, sem respeito nem
consideração. Os tempos de presença de uns aos outros vão sendo encurtados ou
mesmo suprimidos, de entre eles destaco as refeições. Estas, feitas em espaços
exteriores à casa de família, esfriam o ambiente de partilha, de encontro e de
comunhão. Como alguém referia em jeito de piada: antigamente as filhas
cozinhavam como as mães, agora bebem como os pais. Com alguma mágoa e tristeza
vemos que a família deixou de ser um espaço de convívio para se tornar mais um
espaço de conflito. A desconstrução da família é hoje mais propagandeada do que
a estabilidade afetivo-emocional. Com que velocidade foram cortados os laços de
relacionamentos alicerçados no compromisso entre os mais velhos – avós, pais e
outros – para viverem mais ao ritmo da oscilação e, quantas vezes, dos
interesses pessoais e não familiares.
Não
deixa de ser sintomático que, geralmente, a causa para que possa ser anulado um
matrimónio seja aduzida a ‘imaturidade dos noivos’…ao tempo. Estamos até a
falar de pessoas com mais de vinte anos e que se revelaram imaturas para
assumir tal compromisso. Nota-se uma catadupa de razões para que se tente
explicar o insucesso. Efetiva e afetivamente custa a perceber por onde caminha
o presente e com apreensão olhamos o futuro, se a família for a principal
vítima da ditadura do sucesso. Com efeito, construir a família (com tantas
coisas) em consonância fará com que todos se sintam participantes do mesmo
projeto…sempre.
(*) Portugalândia é o nome do local onde a ação
toma lugar, num jogo criado por quatro especialistas do Instituto Superior
Técnico (IST), da Universidade Técnica de Lisboa, uma editora nascida em 2012,
com o objetivo de criar jogos inteligentes e que promovam o convívio e o
espírito entre os participantes. Este é um jogo de cartas que satiriza a
realidade vivida nas sociedades democráticas, dos jogos de poder às pressões e
influências obscuras. O nome é sugestivo - «Vem aí a Troika» -, num jogo que
desafia os concorrentes a levar um país à bancarrota. Esta é uma nação em queda
livre. Qualquer semelhança com factos, entidades ou pessoas, dizem eles, “é
pura coincidência”.
António Sílvio Couto
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