Os dados são incríveis e despudoradamente tristes:
em 2018 morreram nas estradas portuguesas 513 pessoas, em 132.378
acidentes…verificando-se um crescendo contínuo desde 2016 com 445 vítimas
mortais e em 2017 verificou-se um total de 510. De referir ainda o crescimento
progressivo de peões atropelados de forma fatal: 105 em 2018 num aumento de 4%
em relação ao ano transato.
Com estradas melhores e com uma pretensa maior
segurança rodoviária como se podem entender estes números? Atendendo à
significativa melhoria das viaturas, onde está, então, o maior risco? Como de
pode explicar que, tendo regredido nos anos anteriores, esta ‘batalha’ nas
estradas esteja novamente a ceifar mais vidas? Os fatores humanos não serão
mais importantes do que as condições materiais? Cada utente das estradas –
condutor, peão ou noutra circunstância – já terá interiorizado que a possível
desgraça não está dependente dos outros mas de si mesmo? Apesar de todas as
regras, códigos ou sanções, já teremos conseguido transpor para a estrada a
mais elementar educação cívica, social e ética?
= Sem qualquer pretensão de apresentar ‘lições’
deixo a citação do decálogo dos condutores, num documento da Santa Sé, de 20 de
junho de 2007:
«1. Não matarás;
3. Cortesia, correção e prudência
ajudar-te-ão;
4. Sê caridoso e ajuda o próximo
em necessidade, especialmente se for vítima de um acidente;
5. O automóvel não seja para ti
expressão de poder, de domínio e ocasião de pecado;
6. Convence os jovens e os menos
jovens a não conduzirem quando não estão em condições de o fazer;
7. Apoia as famílias das vítimas
dos acidentes;
8. Procura conciliar a vítima e o
automobilista agressor, para que possam viver a experiência libertadora do
perdão;
9. Na estrada, tutela a parte
mais fraca;
10. Sente-te responsável pelos
outros».
Em qual destes ‘pecados’ mais incorro em infração? Em
que é que tenho de corrigir-me, quando ando na estrada, tanto como condutor ou
como peão? Como poderemos, na estrada, manifestar-nos mais do que bons
cumpridores do código respetivo? Já nos apercebemos que é na estrada que
manifestamos muito daquilo que somos, mesmo sem nos darmos conta?
= Efetivamente no nosso país conduz-se mais ou menos
mal e até admira que não haja mais acidentes. Muitas das vezes o carro não
passa do prolongamento de algum complexo ou de algum trauma mal resolvido ou
até revela a pessoa que está em conflito no/a condutor/a. Certas atitudes na
estrada revelam que há muitos/as condutores/as que se acham no dever de impor
aos demais as lutas interiores em diversos âmbitos, desde os mais facilmente
detetáveis até à complexa dimensão fálico-psicanalítica. O poder de ter um
volante nas mãos como que se torna uma conquista sobre os seus medos ou
recalcamentos. À agressividade tantas vezes manifestada deve reportar-se a
condução defensiva, isto é, em que antes de provocar algum acidente devemos
preveni-lo ou evitá-lo…com sabedoria, arte e engenho.
Ainda recentemente percorri mais de mil e seiscentos
quilómetros em estrada e não vi nenhum acidente. Considero uma sorte nem sempre
fácil de vivenciar, pois, noutras situações, bastará sair à rua para vermos a
amálgama de erros, de infrações e mesmo de transgressões graves… de condutores
e mesmo de peões.
Neste tempo que alguns reputam em termos conseguido
um maior ou menor sucesso económico é bom de ver quantas máquinas poderosas em
mãos nem sempre bem preparadas para as conduzirem. A velocidade é, na maior
parte dos casos, inimiga da segurança, assim como a falta de destreza pode ser
um engulho para quem se cruza com algum inepto na arte de guiar.
Será que me conheço ou dou a conhecer quando ando na
estrada? Um pouco mais de atenção não faz mal!
António Sílvio Couto
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