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sábado, 13 de julho de 2019

Dimensão comunitária no tempo carismático


Nas cartas paulinas encontramos vários textos que nos fazem refletir na dimensão comunitária para que possam ser acolhidos, exercidos e vividos os diversos dons carismáticos: 1 Cor 12,4-11; 14,26-40; Ef 4,11-13; Rm 12, 3-8.

Nesta nossa abordagem à dimensão carismática dos cristãos queremos centrar a nossa atenção na referência comunitária, pois é desta e nesta que a vivência dos dons carismáticos têm significado e ganham consistência, dado que é com os irmãos/ãs que os dons carismáticos são descobertos, confirmados e exercidos. Com efeito, ninguém vive os dons que Deus lhe concedeu para a edificação da Igreja-assembleia, se isso não foi vivido em Igreja-comunidade.

Para refletir sobre este aspeto comunitário dos carismas servimo-nos de Rm 12,3-8. Na primeira parte deste capítulo (vv.1-2), São Paulo começa por acentuar a necessidade da conversão da mente – ‘transformai-vos pela renovação da mente’ (12,2) – para saber discernir a vontade de Deus, segundo um culto espiritual que não se conforma com os critérios deste mundo. As orientações que Paulo dá à comunidade de Roma situam-se na linha de corrigir possíveis erros de conduta no exercício dos dons carismáticos… tal como fizera para com a comunidade de Corinto. 

«3 Em nome da graça que me foi concedida, eu digo a cada um de vós: não tenhais de vós mesmos conceito maior do que convém, mas um conceito justo, de acordo com a fé, na medida que Deus concedeu a cada um. 4 Num só corpo há muitos membros, e esses membros não têm todos a mesma função. 5 O mesmo acontece connosco: embora sendo muitos, formamos um só corpo em Cristo, e, cada um por sua vez, é membro dos outros. 6 Mas temos dons diferentes, conforme a graça concedida a cada um de nós. Quem tem o dom da profecia, deve exercê-lo de acordo com a fé; 7 se tem o dom do serviço, que o exerça servindo; se do ensino, que ensine; 8 se é de aconselhar, aconselhe; se é de distribuir donativos, faça-o com simplicidade; se é de presidir à comunidade, faça-o com zelo; se é de exercer misericórdia, faça-o com alegria».

S. Paulo escreve à comunidade dos irmãos em Roma, que ele não conhecia pessoalmente, mas a quem traça as linhas principais do ser cristão…numa redescoberta comunitária, alicerçada nos princípios bebidos no primeiro testamento. Paulo realça a vertente da comunidade como corpo vivo no Espírito Santo. Aquilo que Paulo faz, realiza-o em razão da graça e da autoridade que lhe foi concedida, referindo aos seus irmãos que todos sejam humildes – ‘não tenhais de vós mesmos conceito maior do que convém’ – sentindo-se membros uns dos outros e que se comportem como ‘um só corpo em Cristo’ e em cada um é, ‘por sua vez membro dos outros’.

À semelhança do que acontece em 1 Cor 12,7 – ‘a cada um é dada a manifestação do Espírito para proveito comum’ – assim, nesta passagem aos romanos, S. Paulo traça o critério básico essencial de avaliação dos dons carismáticos: ‘temos dons diferentes, conforme a graça concedida a cada um de nós’. As palavras ‘graça’ e ‘carisma’ têm a mesma raiz de ‘Cristo’, isto e´, são bênçãos divinas recebidas para edificar a comunidade dos irmãos.

Eis os carismas – diferentes, diversos e conjugados – que Paulo apresenta para análise daquela comunidade/Igreja, que está em Roma: dom da profecia, dom do serviço, de ensino, de aconselhar, de caridade, de presidência e de misericórdia. Basicamente poderemos considerar que havia dons carismáticos a quatro níveis – da ‘palavra’: profecia e ensino; da ‘presidência’ e de conselho; e da ‘caridade’ ou ao serviço dos mais necessitados: serviço, caridade e misericórdia… Talvez valha a pena ler em paralelo a esta lista de dons carismáticos a hierarquia de ministérios apresentada em Ef 4,11: ‘e foi Ele que alguns constituiu como apóstolos, profetas, evangelistas, pastores e mestres’. Será na comunhão de um só Espírito pela diversidade dos vários serviços (dons e carismas) que a comunidade-Igreja se edificará para glória de Deus neste mundo. 

Vejamos, então, os atributos de cada um dos dons carismáticos de Rm 12,6-8…reportando-nos à nossa vivência atual ou à sua ausência:

* quem tem o dom da profecia deve exercê-lo de acordo com a fé;

* se tem o dom de serviço, que o exerça servindo;

* se [é o] do ensino, que ensine;

* se é [o dom] de aconselhar, aconselhe;

* se é [o dom] de distribuir donativos, faça-o com simplicidade;

* se é [o dom] de presidir à comunidade, faça-o com zelo;

* se é [o dom] de exercer misericórdia, faça-o com alegria.

Atendendo às caraterísticas apresentadas talvez valha a pena ver as consonâncias entre os dons carismáticos e as virtudes humanas/cristãs que são consideradas essenciais para a correta vivência comunitária. Assim, a presidência exige zelo e, como agora se diz, cuidado pastoral. Por seu turno, a ação profética coloca a quem o faz um nível superior, porque humilde e verdadeiro, de fé. O ministério de ensino não pode ser algo que dá lições, mas que faz crescer os irmãos na maturidade da fé. As três dimensões da caridade aqui referidas – serviço, partilha e misericórdia – colocam no seu exercício qualidades tão essenciais como a simplicidade – distribuir donativos não pode ser uma ação social com tiques de superioridade – e de alegria, pois se dá a quem precisa, como sendo presença fragilizada de Cristo…

A terminar: diante deste texto bíblico façamos a nossa avaliação para nos analisarmos sobre as condições comunitárias que possam fazer surgir, viver e servir a Igreja-comunidade em que estamos inseridos!

 

 

António Sílvio Couto

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