Nas cartas paulinas
encontramos vários textos que nos fazem refletir na dimensão comunitária para
que possam ser acolhidos, exercidos e vividos os diversos dons carismáticos: 1
Cor 12,4-11; 14,26-40; Ef 4,11-13; Rm 12, 3-8.
Nesta nossa abordagem
à dimensão carismática dos cristãos queremos centrar a nossa atenção na
referência comunitária, pois é desta e nesta que a vivência dos dons
carismáticos têm significado e ganham consistência, dado que é com os irmãos/ãs
que os dons carismáticos são descobertos, confirmados e exercidos. Com efeito,
ninguém vive os dons que Deus lhe concedeu para a edificação da
Igreja-assembleia, se isso não foi vivido em Igreja-comunidade.
Para refletir sobre
este aspeto comunitário dos carismas servimo-nos de Rm 12,3-8. Na primeira parte
deste capítulo (vv.1-2), São Paulo começa por acentuar a necessidade da
conversão da mente – ‘transformai-vos
pela renovação da mente’ (12,2) – para saber discernir a vontade de Deus,
segundo um culto espiritual que não se conforma com os critérios deste mundo.
As orientações que Paulo dá à comunidade de Roma situam-se na linha de corrigir
possíveis erros de conduta no exercício dos dons carismáticos… tal como fizera
para com a comunidade de Corinto.
«3 Em nome da graça que me foi concedida, eu digo a cada um de vós: não
tenhais de vós mesmos conceito maior do que convém, mas um conceito justo, de
acordo com a fé, na medida que Deus concedeu a cada um. 4 Num só corpo há
muitos membros, e esses membros não têm todos a mesma função. 5 O mesmo
acontece connosco: embora sendo muitos, formamos um só corpo em Cristo, e, cada
um por sua vez, é membro dos outros. 6 Mas temos dons diferentes, conforme
a graça concedida a cada um de nós. Quem tem o dom da profecia, deve exercê-lo
de acordo com a fé; 7 se tem o dom do serviço, que o exerça servindo; se
do ensino, que ensine; 8 se é de aconselhar, aconselhe; se é de distribuir
donativos, faça-o com simplicidade; se é de presidir à comunidade, faça-o com
zelo; se é de exercer misericórdia, faça-o com alegria».
S. Paulo escreve à
comunidade dos irmãos em Roma, que ele não conhecia pessoalmente, mas a quem
traça as linhas principais do ser cristão…numa redescoberta comunitária,
alicerçada nos princípios bebidos no primeiro testamento. Paulo realça a
vertente da comunidade como corpo vivo no Espírito Santo. Aquilo que Paulo faz,
realiza-o em razão da graça e da autoridade que lhe foi concedida, referindo
aos seus irmãos que todos sejam humildes – ‘não
tenhais de vós mesmos conceito maior do que convém’ – sentindo-se membros
uns dos outros e que se comportem como ‘um
só corpo em Cristo’ e em cada um é, ‘por
sua vez membro dos outros’.
À semelhança do que
acontece em 1 Cor 12,7 – ‘a cada um é
dada a manifestação do Espírito para proveito comum’ – assim, nesta
passagem aos romanos, S. Paulo traça o critério básico essencial de avaliação
dos dons carismáticos: ‘temos dons
diferentes, conforme a graça concedida a cada um de nós’. As palavras ‘graça’ e ‘carisma’ têm a mesma raiz de ‘Cristo’,
isto e´, são bênçãos divinas recebidas para edificar a comunidade dos irmãos.
Eis os carismas –
diferentes, diversos e conjugados – que Paulo apresenta para análise daquela
comunidade/Igreja, que está em Roma: dom da profecia, dom do serviço, de
ensino, de aconselhar, de caridade, de presidência e de misericórdia.
Basicamente poderemos considerar que havia dons carismáticos a quatro níveis –
da ‘palavra’: profecia e ensino; da ‘presidência’ e de conselho; e da
‘caridade’ ou ao serviço dos mais necessitados: serviço, caridade e
misericórdia… Talvez valha a pena ler em paralelo a esta lista de dons
carismáticos a hierarquia de ministérios apresentada em Ef 4,11: ‘e foi Ele que alguns constituiu como
apóstolos, profetas, evangelistas, pastores e mestres’. Será na comunhão de
um só Espírito pela diversidade dos vários serviços (dons e carismas) que a
comunidade-Igreja se edificará para glória de Deus neste mundo.
Vejamos, então, os
atributos de cada um dos dons carismáticos de Rm 12,6-8…reportando-nos à nossa
vivência atual ou à sua ausência:
* quem tem o dom da profecia deve exercê-lo de acordo com a
fé;
* se tem o dom de serviço, que o exerça servindo;
* se [é o] do ensino, que ensine;
* se é [o dom] de aconselhar, aconselhe;
* se é [o dom] de distribuir donativos, faça-o com
simplicidade;
* se é [o dom] de presidir à comunidade, faça-o com zelo;
* se é [o dom] de exercer misericórdia, faça-o com
alegria.
Atendendo às
caraterísticas apresentadas talvez valha a pena ver as consonâncias entre os
dons carismáticos e as virtudes humanas/cristãs que são consideradas essenciais
para a correta vivência comunitária. Assim, a presidência exige zelo e, como
agora se diz, cuidado pastoral. Por seu turno, a ação profética coloca a quem o
faz um nível superior, porque humilde e verdadeiro, de fé. O ministério de
ensino não pode ser algo que dá lições, mas que faz crescer os irmãos na
maturidade da fé. As três dimensões da caridade aqui referidas – serviço,
partilha e misericórdia – colocam no seu exercício qualidades tão essenciais
como a simplicidade – distribuir donativos não pode ser uma ação social com
tiques de superioridade – e de alegria, pois se dá a quem precisa, como sendo
presença fragilizada de Cristo…
A terminar: diante
deste texto bíblico façamos a nossa avaliação para nos analisarmos sobre as
condições comunitárias que possam fazer surgir, viver e servir a
Igreja-comunidade em que estamos inseridos!
António Sílvio Couto
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