Segundo dados da entidade promotora dos jogos de
apostas, os portugueses gastaram três mil milhões de euros em jogos, em 2018, o
que se traduz em 8,5 milhões de euros por dia.
As vendas totais dos ‘jogos santa casa’ conferem que
houve 1.880 milhões de euros em prémios, ou seja, que os portugueses gastaram
36 milhões de euros por semana.
O jogo mais popular é o da raspadinha com 51% das
preferências, seguindo-se as propostas de apostas mútuas (euromilhões, m1lhão,
totoloto e totobola), se bem que o ‘placard’ tenha vindo a crescer… Se
acrescentarmos a estes jogos as lotarias (nacional, clássica e popular) somos
como que induzidos a considerar que vivemos sobretudo à condição do jogo, tanto
de fortuna como de azar…dentro ou fora dos locais de jogo autorizado. Surgem já
no horizonte as apostas nas corridas de cavalos… Ambição a quanto obrigas!
= Como sempre este clima social em que vivemos deve levar
a questionar-nos: qual a origem desta fome de dinheiro? Quais as consequências
atuais e futuras na economia familiar e social? O que leva tanta gente a
preferir viver da ‘fortuna-e-azar’ do que do trabalho?
Sabendo que o jogo é um vício, que se entranha na
vida das pessoas, torna-se essencial não ficarmos pela mera constatação dos
números envolvidos ou pelos resultados (mais ou menos) rapidamente obtidos, mas
antes irmos ao fundo da questão e encontrarmos as razões mais fundas deste
fenómeno que tem vindo a crescer e a popularizar-se no nosso país.
É um facto que, só no dicionário, é que ‘sorte’
aparece antes de ‘trabalho’, bem como o dinheiro se ganha sem esforço.
Efetivamente foi-se criando a mentalidade de que quem mais preguiça é quem mais
sucesso apresenta, deixando à mistura com isto uma sensação de que o dinheiro
que não custa a ganhar também não custa a gastar. É bom de ver, nas casas de
venda de jogos, que muitos dos reformados investem centenas de euros por semana
– há dias alguém me referiu que determinada pessoa gastava, só num local,
quarenta euros semanais na raspadinha – na ânsia de ganhar mais e, quando isso
acontece, logo é investido, isto é jogado, para aproveitar a onda da sorte…
Quantas e quantas pessoas estragaram a sua vida e da
sua família com o vício do jogo. Quantas empresas entraram em falência em razão
do fascínio do jogo. Quantas fortunas foram esbanjadas com o recurso à ilusão
do jogo. De quantas e tantas formas se foram engendrando artimanhas para fazer
cair quem quer ser rico pela opção do jogo rápido, imediato e que, afinal, sai
caro…fazendo perder tudo, até o que há de mais sublime que é a dignidade
humana.
= Qual a doutrina da Igreja católica sobre este tema
do jogo?
Diz o Catecismo da Igreja católica: «Os jogos de azar (jogo de cartas, etc.) e as apostas
não são, em si mesmos, contrários à justiça. Mas tornam-se moralmente
inaceitáveis, quando privam a pessoa do que lhe é necessário para as suas
necessidades e as de outrem. A paixão do jogo pode tornar-se uma grave
servidão. Apostar injustamente ou fazer batota nos jogos constitui matéria
grave, a menos que o prejuízo causado seja tão leve que quem o sofre não possa
razoavelmente considerá-lo significativo» (n.º 2413).
Certamente que, para muitas pessoas, esta doutrina
soa a orquestra desafinada, pois os valores materialistas se sobrepõem aos
conceitos humanos de respeito por si mesmo e pelos outros. A crescente
materialização da vida, aliada ao viver sem Deus – ou como se Ele não existisse
– vai semeando frutos de mal-estar, tanto nas pessoas, como nas famílias e na
sociedade em geral…
Talvez seja urgente incluir na educação dos mais
novos – na idade e/ou na mentalidade – que não será pelo dinheiro fácil que a
vida recompensa quem se quer valorizar humana, profissional, social e
culturalmente. Não se pode continuar a querer vender a imagem de que o sucesso
é tarefa sem esforço, pois aquilo que se conquista tem mais sabor e melhor
significado. É preciso combater o regime de futilidades em que tantas vezes se
labora, na medida em que se for acreditando que a melhor fortuna não está nos bens
materiais, mas nas armas pessoais de valorização, que se adquirem pelas
ferramentas recebidas no esforço e conquistadas no apetrechamento de pensar
pela própria cabeça, com critérios mais espirituais do que materiais…
António Sílvio Couto
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