De entre as múltiplas declarações, por ocasião da
recente conquista do campeonato nacional de futebol, destacaram-se as que foram
proferidas pelo treinador vencedor, ao afirmar: ‘se vocês se unirem e tiverem a
força e a exigência que têm com o futebol nos outros aspetos do nosso Portugal,
da nossa economia, da nossa saúde, da nossa educação, vamos ser um país
melhor’…
Eis uma altissonante declaração que devia ser
colocada como pensamento nas diferentes intervenções de tantos que falam, mas
não fazem; que verborreiam, mas sem conteúdo; que dizem o que não sabem e que
sabem o que não dizem; que gostam de se (fazer) ouvir, mas não escutam o que
não gostam; que juntam frases sem conteúdo e não dão conteúdo ao que podiam
dizer nas frases… Numa palavra este ‘desconhecido’ do mundo da política pelo
futebol deu lições – profundas, reais e sinceras – de política a propósito de
querer falar de futebol!
= Em tempos mais ou menos recuados – sobretudo na
vigência do regime da segunda república – o futebol era como que um dos
componentes do tripé nacional: Fátima, fado e futebol… Também nos tempos mais
recentes os feitos do mundo do futebol de seleções e de clubes como que se
tornaram tábua de salvação do marasmo nacional. Muito para além das quezílias
com que somos continuamente matraqueados, temos de aproveitar momentos e
declarações como as supra citadas para tentarmos perceber como podemos ser, na
Europa da concorrência, algo mais do que laboratórios para ‘vender’ talentos nas
habilidades da bola e para catalisarmos as energias recebidas em ordem a
fazermos este país/nação mais forte, mais solidário e mais humano.
= Independentemente da coloração clubística – bem
mais profunda e transversal do que qualquer outra na nossa sociedade – pode(re)mos
levar a sério o que foi dito por entre eflúvios de comemoração. É verdade:
temos de ser tanto ou mais exigentes para com os outros setores da vida pública
e social como somos para com o futebol nas suas paixões, gastos e discussões.
Economia, saúde e educação foram os campos que foram
referidos pelo treinador vencedor. Sim, se houvesse um mínimo de intransigência
nestes aspetos como quanto ao futebol, a nossa vida coletiva estaria muito mais
garantida porque não permitiríamos que nos enganassem com promessas nem
deixaríamos que nos fossem atirando desculpas quando as coisas não funcionam
devidamente.
= Diante do futebol-desporto temos de saber viver
com essa dimensão da vida artística como se fosse uma escola de vida. De facto,
o futebol como indústria tem vindo a cavar a sua autodestruição, pois é jogado
mais fora do campo da prática, retirando à arte de bem-tratar a bola a
componente mais lúdica e saudável. Quantos jovens são aliciados para virem a
ser jogadores, como se isso fosse algo que se consegue sem trabalho, disciplina
e dedicação. Talvez ainda vivamos no engano dos sucessos e não tenhamos
aprendido com os erros e, sobretudo, com a aceitação das vitórias alheias.
Estas fazem-nos crescer para que depois tenham respeito pelas nossas próprias
conquistas.
Urge ser difundido todo o processo de construção das
vitórias, particularmente, quando se alicerçam nas derrotas assumidas, honestas
e construtivas. Precisamos de ser ajudados – por quem tem a experiência de
conduzir outros – a sabermos distinguir entre as finalidades e os meios, pois,
muitas vezes, estes subornam aquelas. No futebol como no resto da vida nem tudo
vale para se ser vencedor…
= É verdade: as lições do futebol podem alavancar o
país. Eis breves conceitos que poderão ser transferidos de um para o outro:
espírito de unidade ou de equipa, rumo a um objetivo comum; capacidade de
escutar e de trabalhar com os outros; respeito pelos adversários para ser
respeitado, tanto nas vitórias como nos insucessos; dinâmica de serviço, onde
uns se ajudam aos outros e se deixam ajudar; intercomunhão e espírito de
solidariedade no dia-a-dia, sobretudo quando se passa por dificuldades… Numa
palavra: o país não é só futebol, mas o futebol pode moralizar, nos (seus)
aspetos positivos, os meandros do país!
António Sílvio Couto
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