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domingo, 5 de maio de 2019

Democratas de pensamento único


Por vezes as pessoas como que se atraiçoam na desconexão entre o que dizem e aquilo que fazem ou, pior, entre o que pensam e o modo como o executam. Isso é tanto mais palpável e, irremediavelmente, visível, quando se apregoam de ‘democratas’, mas, na prática, só aceitam aquilo que eles mesmos dizem ou o modo como os ‘seus’ pensam, fazem ou se comportam.

Não será preciso ser exaustivo para vermos nas lides do dia-a-dia tanta gente que se autodefine como ‘democrata’ – deveria sê-lo nas pequenas como nas grandes coisas – mas que depois se torna implacável para com quem pense, divirja ou não concorde com a sua visão das coisas, a perspetiva de entendimento ou mesmo a forma de execução de algo, que, sendo diverso, com dificuldade terá unanimidade de ser visto, olhado ou observado. 

= Tudo isto tem vindo a piorar nos diversos campos de intervenção das pessoas, manifestando-se em múltiplos indícios de que algo não foi bem resolvido, quando for preciso saber confrontar-se com opiniões, visões ou perspetivas diferentes, opostas ou divergentes. O nível de crispação com que certas pessoas falam com os outros denuncia que algo está mal, pois não se pode admitir que um confronto de ideias ou de opiniões se transforme numa verborreia tal que ninguém se entende, se ouve e tão pouco se escuta. Por vezes certos programas televisivos transformaram-se em autênticas algazarras e peixeiradas, em que a mais desconexa feira se parecerá, por comparação, um velório em maré de surpresa da morte do defunto… Isto tudo vem fazendo ‘escola’, sobretudo a partir do exemplo confrangedor do parlamento, onde as pessoas se querem fazer ouvir, mas não se sabem escutar; se querem impor aos outros, mas não se permitem sequer discordar com o mínimo de educação; pretendem sobrepor aos outros o que dizem, mas confundem, em muitas das situações, o falar com berrar ou ainda o discursar com ofender…mas quase nunca se conjuga o verbo dialogar em nenhum dos tempos verbais nem nas formas possíveis. 

= A descoberta mais ‘admirável’ tem sido a de que muitas das forças votadas nas eleições – tendo em conta sobretudo as que ascendem ao parlamento – usam estratégias absolutamente inexplicáveis nas lides com os outros e o resto da população: diante do arranjo conseguido para a governança de 2015 até agora, quem está a mandar, isto é, no poder, acha-se no direito de catalogar quem não faça parte do seu arco de influência, gerando reversões de medidas mais ou menos populares – fogem da escaldadiça designação de ‘populistas’, mas é isso que são, de verdade – e gerindo soluções em que tenham o máximo a ganhar e o mínimo a perder… Mas se a coisa não corre de feição escondem o brinquedo ou fazem birra porque o bonequinho lhes pode ser retirado…a curto ou a médio prazo.

Por exemplo: para fabricar a ‘geringonça’ o parlamento foi o palco – mesmo andando pelos subterrâneos – para celebrar a festança, mas se o parlamento se torna agora ringue de combate – sim a luta é de todas as artes e demais agressividades – já não tem a mesma credibilidade… pelo menos enquanto não for tão favorável como tem sido.

Estes democratas de pensamento único não gostam quase nada nem em coisa nenhuma de serem contrariados e tão pouco que usem para com eles alguns dos sortilégios que eles usaram contra os opositores… São democratas de memória curta e de comportamento cívico ainda mais encurtado! 

= Enquadrados pelas competições eleitorais que se avizinham – umas já fixadas e outras em possível antecipação – vamos ter de aprender a lidar com tantos pequenos ditadores que pululam em muitos desses democratas de pensamento único. De entre as caraterísticas menos apreciáveis nesses democratas de pensamento único destaca-se a incapacidade de se colocarem no lugar dos outros, sem perceberem que nada tem uma só visão e se esta exclusividade for acentuada torna-se uma espécie de radicalismo, que tão bem os qualifica. Seja qual for o que o futuro nos reserva, pelos sinais do passado e do presente, podemos, desde já, considerar que o nosso país está prenhe de ditadores, onde a valor da ideologia se sobrepõe ao respeito pelas pessoas. Assim, não, obrigado!  

 

António Sílvio Couto

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