Na sua sábia e apurada vivência da vida, os adágios populares podem
servir-nos de alavanca de reflexão sobre aquilo que somos, o que desejamos ser
ou aquilo que poderemos vir a ser.
Assim o ditado popular – ‘os outros são o nosso espelho’ ou ‘os outros são
o espelho do que somos’ – como que nos poderá servir de motivo de análise para
algumas das questões mais sensíveis…coletivas e pessoais. Com efeito, têm sido
muitas e díspares (nalguns casos disparatadas) as reações degeneradas em
catadupa sobre o modo como um tal ‘self-made man’ madeirense, que fez fortuna
na África do Sul e encantou com os seus sucessos os governantes, os banqueiros
e uma onda da moda nos espaços ligados à compra/venda de obras de arte de
grande valor.
Uma boa parte dos reacionários – os que reagiram – ao tal senhor não
conseguiram perceber que ele tipifica um tempo/época, um país/nação, um
estilo/modo de estar de tantos/as portugueses/as. De facto, a forma (quase)
meteórica como ele venceu cá pelas terras do continente tornou-se um caso de
estudo, pois à sua sombra e à sua volta muitos subiram também… esses mesmos que
se sentem incomodados por constarem das fotografias e dos vídeos com ele,
atacando certos trejeitos do seu feitio como se fossem arrepios por se verem denunciados
em idênticas lacunas…
Alguma comunicação social promove, incentiva e ataca o tal senhor, mas foi
a mesma que o engrandeceu, beneficiou e se regalou com festas e vernissages de
uma sociedade do faz-de-conta à mistura com resultados de outra dimensão
não-assumida. Como é recorrente também aqui se passou de ‘bestial a besta’ num
ápice, bastando, agora, que se arvorem em moralistas da chafurdice não lavada.
Efetivamente, muita da comunicação social apadrinhada pelas redes sociais
desempenha visivelmente a sua função de abutre banqueteando-se com os destroços
ainda não incinerados…
Numa leitura ética/moral – pelo menos o que se sabe e/ou se vai dizendo – o
que tem aparecido, esta figura tão malquista põe-nos a todos à radiografia do
que somos ou que vamos disfarçando enquanto é possível. Eis alguns aspetos que
considero poderem ser lidos e analisados:
- Sucesso antes de
trabalho – esta leitura algo recorrente nos tempos mais próximos (para trás e para
a frente) parece que cada português está fadado para ser uma reprodução do tal
senhor de sucesso, sem grande esforço e, se possível, sem trabalho. Ora só no dicionário
é que ‘sucesso’ aparece antes de ‘trabalho’…
- Reinar quanto baste – nos anseios de
muitos de nós, portugueses, é preferível aproveitar o que dá enquanto dura,
antes que se esgote a fonte do que prevenir, poupando, para quando possa vir a
faltar. O consumismo tornou-se a nova e mais seguida religião…popular.
- Chama-lhe antes de
que te chamem – como em certas discussões de bairro é preferível colocar em causa a
honorabilidade dos outros, antes que reparem na nossa desfaçatez. O anátema
lançado sobre o tal senhor como que parece exorcizar muitos dos nossos
fantasmas de incongruência e de mentira encoberta…
= Este senhor é uma espécie de bode expiatório de tantos dos erros de
políticos, de jornalistas, de autarcas, de governantes, de fazedores de
opinião, de homens/mulheres da rua, pois enquanto olham para ele e invetivam o
seu comportamento poderão corrigir as manhas de tantas situações graves e
gravosas. Não basta exigir justiça sobre um caso, quando tantos outros – mais
culposos e culpáveis – parecem continuar impunes, senão no juízo ao menos no
julgamento no lugar correto.
Ao espelho daquilo que podemos ver, exige-se-nos que aprendamos as lições
daquilo em que podemos ter prevaricado. Quantos ‘berardos’ se pavoneiam nos
carros de alta-cilindrada, se banqueteiam nos restaurantes caros, fazem compras
nos espaços mais exotéricos, emitem comentários pelos posts mais efusivos ou se
escondem até que os descubram envergonhados das façanhas menos
recomendáveis!...
Deixamos um pensamento do Evangelho: cuidai de conseguir amigos com o vil
dinheiro para que eles vos acolham na hora da dificuldade… Todos temos telhados
de vidro bem mais quebráveis e esburacados…do que pensamos.
António Sílvio Couto
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