«O
senhor deputado utiliza com demasiada facilidade as palavras vergonha e
vergonhoso, o que ofende muitas vezes este parlamento e ofende-o a si também».
Foi
desta forma ríspida que o presidente do parlamento português passou um ralhete
– com a retirada da palavra no hemiciclo – a um deputado que, ao que parece,
usa, excessivamente, estes termos nas suas intervenções…por sinal poucas, dado
que é sozinho na sua representação partidária. Desta vez falava sobre a questão
do amianto nas escolas…em comparação com as verbas usadas para os subsídios
vitalícios…
Segundo
uma contagem já realizada, o tal deputado usou mais de vinte vezes, desde o
início da legislatura (nove sessões), o termo pelo qual foi repreendido… Será
que já chega ou não?
Ora –
pasme-se – uma outra deputada (de esquerda, em sintonia com o presidente da AR,
embora de partido diferente) utilizou, de seguida, a mesma palavra ‘vergonha’ e
não recebeu qualquer corretivo da ‘ínclita’ figura que conduz os trabalhos
parlamentares… colocando, em seu entendimento, termos aceitáveis e expressões
mais ou menos consideradas democráticas no léxico político a frasear nos
trabalhos. Isto ainda não chega!
= Em
tempos mais ou menos recuados era costume referir-se: ‘há quem core de
vergonha, enquanto outros têm vergonha de corar’!
Deste
modo se associava à vergonha algo que poderia ser um tanto ofensivo para a própria
pessoa e no seu relacionamento com os outros. Ao servirmo-nos da palavra
‘vergonha’ para falarmos sobre os outros como que estamos a censurar algo neles
ou sobre quem nos queremos pronunciar em juízo. A essa vergonha associamos algo
de indecoroso ou de coisa mal feita, criando em nós e talvez nos outros um
sentimento desagradável com o receio de desonra ou de ridículo…
Se
assim é ou pode ser interpretado, poderemos considerar que há por aí escondidas
muitas vergonhas. Aliás, o termo ‘vergonhas’ exprime em linguagem popular
aquilo que devemos esconder e não mostrar de forma indecorosa ou sem respeito.
=
Atendendo ao contexto do parlamento luso não será de considerar que muito
daquilo que lá se passa é, de facto, um fenómeno de pouca vergonha nacional?
Muitos/as dos que ocupam aqueles assentos não deveriam refletir sobre a
vergonha pelo modo como se tratam nas discussões e tomadas de posição? Não
haverá um pingo de vergonha que seja sobre a atitude malcriada com que se dão a
conhecer nas intervenções uns dos outros? Sem pretensão de nenhum juízo de
valor, não será uma vergonha o modo como vemos os parlamentares a contestarem
as posições alheias, sem decoro nem respeito?
= Urge,
por isso, introduzir no léxico de tantos dos momentos de relacionamento das
pessoas umas com as outras a referência à vergonha, na medida em que nem tudo
vale, quando se trata de discordar, seja qual for o alcance da divergência. Na
convivência cívica em que nos encontramos faltam muito as regras de educação e
de civilidade, pois, a continuarmos a trilhar o caminho em que vamos,
tornar-se-á impossível não entrarmos em conflito mais indecoroso e indesejável…
e, então, vergonhoso.
Chega
ou não chega de falar de vergonha?
António Sílvio Couto
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