No contexto das recentes cheias, que assolaram a
bacia do rio Mondego, o ministro do ambiente teve a patética ousadia de
considerar a deslocalização, a médio prazo, das povoações. Por seu turno, o
edil local – por sinal da mesma cor partidária, mas mais conhecedor das
populações – considerou algo ideal e necessário, embora difícil de executar.
Disse o governante da sua visão palaciana: ‘vamos ter de nos adaptar aos recursos que temos. As aldeias têm de saber
que estão numa zona de risco. Paulatinamente, as aldeias vão ter que ir
pensando em mudar de sítio porque não esperamos que esta capacidade que temos
possa vir a crescer. Isso é o contrário da adaptação’.
O autarca com os pés encharcados, mas com uma
perceção do terreno, considerava que ‘essa era uma
solução ideal, mas eu tenho muita dificuldade em tirar as pessoas de casa,
mesmo em vias de acontecer uma catástrofe. Essa é daquelas soluções que, muito
dificilmente, poderão ter uma implementação prática no imediato. Aquilo que
hoje podemos resolver são medidas de prevenção contra este tipo de alterações
climáticas e só mesmo em ultima ratio deslocalizar essas aldeias ou essas zonas’.
= O assunto por ser suficientemente grave merece de
todos a atenção mais do que necessária. As cheias provocadas pelas duas
tempestades consecutivas – em menos de uma semana – derrubou diques de suporte
do ‘bazófias’ e lançou o medo nas povoações a jusante da lusa Atenas.
Deixando aos técnicos os pronunciamentos sobre o
caso, com as razões, as consequências e as possíveis correções na mentalidade e
no terreno, considero que podemos trazer à reflexão outros aspetos bem mais humanos,
isto é, que envolvem causas de índole sociocultural e mesmo de vivência do
relacionamento com os ancestrais.
Será que o senhor governante sabe, verdadeiramente,
o significado da ligação das pessoas à terra, em certos setores da nossa
sociedade? Até que ponto ele já percecionou os profundos laços que ligam as
pessoas ao seu ‘torrão natal’, mesmo que seja o mais inóspito e quase
sem-sentido? Não será que, nas palavras que disse o governante, baila uma certa
sobranceria citadina para com os rurais e os seus afetos?
De facto, mudar as pessoas, sobretudo no meio rural,
não é como trocar de apartamento numa certa vivência urbana. Pelo contrário, os
profundos laços de ligação à terra faz com que cada pessoa se sinta irmanada
com ela e que considere que as suas raízes correm perigo se dela tentarem
subtraí-lo.
Atente-se aos pequenos grandes problemas com que as
pessoas do mundo rural se confrontam quando alguém – vizinho ou familiar –
ultrapassa os limites daquilo que consideram os seus direitos. Bastará ver as
quezílias ou questões que se arrastam nos tribunais ou em que chegam nos
momentos mais extremos e dramáticos…
= Mutatis mutandis poderemos considerar que muitas
das posições dos ambientalistas/ecologistas dos nossos dias são uma espécie de
urbanos a teorizar sobre algo que não conhecem e tão pouco amam. Com efeito,
dizem-se defensores da Terra – a grande ‘gaia’ mitológica – embora recusem a
visão judaico-cristã desta ser criada por Deus. Em certas atitudes como que
transparece algo de panteísmo não totalmente assumido, embora tácito.
Efetivamente, os fenómenos da natureza como que nos fazem refletir sobre a
influência desta nos humanos e algo de pernicioso destes sobre aquela. Em
muitos dos posicionamentos dos ditos ‘ecologistas’ perpassa algo que faz mais
entender as coisas num materialismo de vida e de dialética do que na visão
teísta desta casa-comum em que habitamos, cuidando e deixando-a habitável para
os vindouros.
Dentro de dias o clero das quatro dioceses do sul do
país vão reunir-se em Albufeira para refletirem sobre esta temática, sob o
título – ‘ecologia integral: o homem no centro da criação’. A ver pelo programa
será algo um tanto diferente do folclore com que nos vemos confrontados nas
notícias e mesmo nas intenções de alguns dos intelectuais de serviço…
Temos, como cristãos, algo a dizer. Assim o saibamos
aprender como humildade e a partilhar com verdade.
António Sílvio Couto
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