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segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

Dons – carismas – ministérios: conexão e execução em Igreja…católica


Na abordagem teológica dos temas mais específicos da vivência carismática em dimensão católica vamos refletir sobre este nexo de termos: dons – carismas – ministérios.

Expliquemos:

* ‘Dons’ ou qualidades são as caraterísticas de cada pessoa, que a distinguem e a afirmam perante os outros. Há como que a necessidade de cada pessoa descobrir as suas qualidades, sem medo de as assumir, aceitando-as, agradecendo-as a Deus e procurando colocá-las ao dispor (ou serviço) dos outros. Os dons foram concedidos, mas podem não ser reconhecidos e tão pouco desenvolvidos… Quantas vezes há dons que se podem estiolar por não serem devidamente exercidos. 

* ‘Cada um viva de acordo com a graça recebida e ponde-vos ao serviço dos outros, como bons administradores da graça que Deus vos concedeu’ (1 Pd 4,10); ‘Cada um recebe o dom de manifestar o Espírito para a utilidade de todos’ (1 Cor 12, 4). Esta espécie de ‘definição’ bíblica descritiva de ‘carisma’ – em dois textos diferentes na dimensão teológica que envolvem – coloca-nos diante de uma nova instância correlativa de dons pessoais para a edificação dos outros, isto é, em que os dons deixam de ser de índole pessoal para se tornarem com dimensão comunitária.

* ‘Ministério’ significa etimologicamente ‘serviço’, isto é, algo que é dado, com estabilidade, para servir os outros. Por vezes confunde-se ministro com ministério, parecendo que este se acomoda àquele, quando deveria ser o contrário, na medida em que o serviço faz o servidor, embora este possa credibilizar – melhor ou menos bem – aquele. Quando se fala em ministério está como que subjacente a instituição desse serviço nalguma estrutura mais ou menos hierarquizada. Embora se possa aduzir alguma faceta de ministério ao sacerdócio ordenado, há outros ministérios que devem ser aprofundados, refletidos e discernidos para o bom ordenamento da Igreja católica. 

= Conexão entre dons, carismas e ministérios

Pelo que podemos referir esta conexão será tanto mais humana quanto teológica, na medida em que a cadeia de conceitos deverá revelar a consonância de vivências, sem ultrapassar etapas nem de configurar funções em razão dos intervenientes ou que estes condicionem a atuação pessoal…comunitária.

Quem não terá já ouvido (ou dito): ‘aquela pessoa tem o dom da palavra, quando fala toca-nos’. De facto, ter o dom da palavra é (ou pode ser) muito mais do que falar bem, de forma convincente ou com ideias bem articuladas. No contexto eclesial, ter o dom da palavra será acima de tudo deixar que Deus fale através de quem nos dirige a palavra, seja pela pregação, seja pelo ensino ou pela designada catequese.

Eis um exemplo de necessidade de correta articulação entre os diversos vetores relacionados com a ‘palavra’: ter o dom/qualidade humana e natural, colocá-lo ao serviço dos outros (em conceito sobrenatural) e ser instituído de forma estável como ministério (em expressão eclesial)…

Tantos outros dons podem tornar-se carismas e ainda poderiam ser estabilizados como ministérios. Assim houvesse clareza de terminologia e de sequência

Será – tanto quanto é possível – de não tornear a ordem dos conceitos para que não se ouça-se a desconexão entre carismas antes de dons ou os ministérios colocados na prevalência antes de carismas e de dons.  

= Execução de dons, carismas e ministérios na Igreja diocesana e paroquial

Por vezes é aduzida à função do sacerdócio ordenado uma razoável dose de serviços que nem sempre têm em conta os dons pessoais do ordenado ou exigidos carismas tão amplos que dificilmente um humano perfazerá as suas capacidades naturais quanto mais psicológicas, espirituais e sobrenaturais.

Na reflexão e na práxis os grupos de incidência carismática fizeram pela renovação teológica e pela dinâmica pastoral algo que deve ser aprofundado e reconfigurado…ainda hoje. Com efeito, o surgir dos carismas fez com que muitos dos dons fossem reapreciados mais na sua origem do que na mera prática simplista. O contexto comunitário fez com que os dons fossem discernidos e exercidos para o bem comum: cada dom deixou de ser meramente para o bom desempenho pessoal (e muito menos individualista), mas para edificação dos irmãos/ãs de caminhada. 

Foi ainda da confirmação – simples, fraterna e comunitária – dos carismas que foram surgindo, com estabilidade e instituição, alguns dos ministérios, não meramente por necessidade, mas como serviço à Igreja, na Igreja e para Igreja. Talvez este processo devesse ser algo a seguir no desenrolar da escolha dos serviços ministeriais da Igreja, alargando as possibilidades para além do sacerdócio ordenado. Deste modo se iria renovando a mesma Igreja numa dinâmica comunitária sequente e participativa.

As dioceses e as paróquias precisam, com urgência, de ir fazendo esta caminhada de ‘dons – carismas – ministérios’, tanto na descoberta, como no discernimento e na vivência deste itinerário teológico-pastoral. A graça do renovamento no Espírito Santo poderá e deverá dar o seu contributo com humildade, verdade e sinceridade… 

 

António Sílvio Couto

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