Na
abordagem teológica dos temas mais específicos da vivência carismática em
dimensão católica vamos refletir sobre este nexo de termos: dons – carismas –
ministérios.
Expliquemos:
* ‘Dons’
ou qualidades são as caraterísticas de cada pessoa, que a distinguem e a
afirmam perante os outros. Há como que a necessidade de cada pessoa descobrir
as suas qualidades, sem medo de as assumir, aceitando-as, agradecendo-as a Deus
e procurando colocá-las ao dispor (ou serviço) dos outros. Os dons foram
concedidos, mas podem não ser reconhecidos e tão pouco desenvolvidos… Quantas
vezes há dons que se podem estiolar por não serem devidamente exercidos.
* ‘Cada
um viva de acordo com a graça recebida e ponde-vos ao serviço dos outros, como
bons administradores da graça que Deus vos concedeu’ (1 Pd 4,10); ‘Cada um
recebe o dom de manifestar o Espírito para a utilidade de todos’ (1 Cor 12, 4).
Esta espécie de ‘definição’ bíblica descritiva de ‘carisma’ – em dois
textos diferentes na dimensão teológica que envolvem – coloca-nos diante de uma
nova instância correlativa de dons pessoais para a edificação dos outros, isto
é, em que os dons deixam de ser de índole pessoal para se tornarem com dimensão
comunitária.
* ‘Ministério’
significa etimologicamente ‘serviço’, isto é, algo que é dado, com
estabilidade, para servir os outros. Por vezes confunde-se ministro com
ministério, parecendo que este se acomoda àquele, quando deveria ser o
contrário, na medida em que o serviço faz o servidor, embora este possa
credibilizar – melhor ou menos bem – aquele. Quando se fala em ministério está
como que subjacente a instituição desse serviço nalguma estrutura mais ou menos
hierarquizada. Embora se possa aduzir alguma faceta de ministério ao sacerdócio
ordenado, há outros ministérios que devem ser aprofundados, refletidos e
discernidos para o bom ordenamento da Igreja católica.
= Conexão entre dons, carismas e
ministérios
Pelo
que podemos referir esta conexão será tanto mais humana quanto teológica, na
medida em que a cadeia de conceitos deverá revelar a consonância de vivências,
sem ultrapassar etapas nem de configurar funções em razão dos intervenientes ou
que estes condicionem a atuação pessoal…comunitária.
Quem
não terá já ouvido (ou dito): ‘aquela pessoa tem o dom da palavra, quando fala
toca-nos’. De facto, ter o dom da palavra é (ou pode ser) muito mais do que
falar bem, de forma convincente ou com ideias bem articuladas. No contexto
eclesial, ter o dom da palavra será acima de tudo deixar que Deus fale através
de quem nos dirige a palavra, seja pela pregação, seja pelo ensino ou pela
designada catequese.
Eis um
exemplo de necessidade de correta articulação entre os diversos vetores
relacionados com a ‘palavra’: ter o dom/qualidade humana e natural, colocá-lo
ao serviço dos outros (em conceito sobrenatural) e ser instituído de forma
estável como ministério (em expressão eclesial)…
Tantos
outros dons podem tornar-se carismas e ainda poderiam ser estabilizados como
ministérios. Assim houvesse clareza de terminologia e de sequência
Será –
tanto quanto é possível – de não tornear a ordem dos conceitos para que não se
ouça-se a desconexão entre carismas antes de dons ou os ministérios colocados
na prevalência antes de carismas e de dons.
= Execução de dons, carismas e
ministérios na Igreja diocesana e paroquial
Por
vezes é aduzida à função do sacerdócio ordenado uma razoável dose de serviços
que nem sempre têm em conta os dons pessoais do ordenado ou exigidos carismas
tão amplos que dificilmente um humano perfazerá as suas capacidades naturais
quanto mais psicológicas, espirituais e sobrenaturais.
Na
reflexão e na práxis os grupos de incidência carismática fizeram pela renovação
teológica e pela dinâmica pastoral algo que deve ser aprofundado e
reconfigurado…ainda hoje. Com efeito, o surgir dos carismas fez com que muitos
dos dons fossem reapreciados mais na sua origem do que na mera prática
simplista. O contexto comunitário fez com que os dons fossem discernidos e
exercidos para o bem comum: cada dom deixou de ser meramente para o bom
desempenho pessoal (e muito menos individualista), mas para edificação dos
irmãos/ãs de caminhada.
Foi
ainda da confirmação – simples, fraterna e comunitária – dos carismas que foram
surgindo, com estabilidade e instituição, alguns dos ministérios, não meramente
por necessidade, mas como serviço à Igreja, na Igreja e para Igreja. Talvez
este processo devesse ser algo a seguir no desenrolar da escolha dos serviços
ministeriais da Igreja, alargando as possibilidades para além do sacerdócio
ordenado. Deste modo se iria renovando a mesma Igreja numa dinâmica comunitária
sequente e participativa.
As
dioceses e as paróquias precisam, com urgência, de ir fazendo esta caminhada de
‘dons – carismas – ministérios’, tanto na descoberta, como no discernimento e
na vivência deste itinerário teológico-pastoral. A graça do renovamento no
Espírito Santo poderá e deverá dar o seu contributo com humildade, verdade e
sinceridade…
António
Sílvio Couto
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