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quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Critérios para a paz…


Por entre a turbulência de transição de ano (civil) vamo-nos preparando para acolher o novo ano. Através da mensagem do Papa Francisco para o dia mundial da paz – intitulado: ‘a boa política ao serviço da paz’ – podemos (e devemos) rececionar os desafios ao nosso compromisso de participação nesta tarefa de fazer e de viver a paz.

«A paz é fruto dum grande projeto político, que se baseia na responsabilidade mútua e na interdependência dos seres humanos. Mas é também um desafio que requer ser abraçado dia após dia. A paz é uma conversão do coração e da alma, sendo fácil reconhecer três dimensões indissociáveis desta paz interior e comunitária:

– a paz consigo mesmo, rejeitando a intransigência, a ira e a impaciência e cultivando «um pouco de doçura para consigo mesmo», a fim de oferecer «um pouco de doçura aos outros»;

– a paz com o outro: o familiar, o amigo, o estrangeiro, o pobre, o atribulado…, tendo a ousadia do encontro, para ouvir a mensagem que traz consigo;

– a paz com a criação, descobrindo a grandeza do dom de Deus e a parte de responsabilidade que compete a cada um de nós, como habitante deste mundo, cidadão e ator do futuro».

Este excerto da mensagem papal coloca-nos (ou deve colocar-nos) questões mais profundas do que as ramificações mais ou menos ideologizadas de entender e de viver os problemas.

Tentemos questionar-nos sobre o nosso itinerário para a paz, nessa linguagem de interdependência em que estamos continuamente envolvidos, mesmo sem nos darmos conta:

* A paz consigo mesmo – de facto será quase impossível fazer ou viver a paz se esta não estiver adquirida e não meramente pressuposta. Efetivamente não será com recursos exotéricos – reikis ou yogas, espiritualidades ou sessões de terapia duvidosa – que as pessoas irão conquistar a paz e tão pouco a imporão aos outros como placebo anódino. A paz consigo mesmo vem (ou virá) dum coração perdoado e curado pela graça divina e não por trejeitos duns tantos sobre outros mais fragilizados. Há muitas pessoas que não se amam a si mesmas nem se perdoam, mesmo que os seus erros – na linguagem católica, pecados – possam ter deixado consequências sobre a própria pessoa e os outros, particularmente, os mais próximos…O perdão a si mesmo recupera e dá nova força de vida no presente, sobre o passado e para o futuro!  

* A paz com o outro – esta outra vertente do dom da paz não se esgota em atos de mera cosmética, mas tem de ir ao fundo das questões, vendo o outro como irmão e não como adversário e tão-pouco como inimigo. Há situações em que a não-paz com o outro decorre de mal-entendidos, de interpretações abusivas, de feridas não-resolvidas…nalguns casos na memória do relacionamento entre as famílias. A purificação da memória para viver em paz com o outro exige mais do que boas intenções ou meras palavras de intencionalidade para que outros façam o que nos compete. A paz com o outro pressupõe humildade em que não quer continuar a ser vencedor, mas a aprender a perder para que valores mais significativos se imponham…Enquanto a paz não for prioridade da nossa vida corremos o risco de continuar a enganar-nos com religião e não com vida sincera e aprendida no perdão de mãos dadas a todos, sobretudo a quem nos possa ter ofendido!  

* A paz com a criação – para além duma qualquer cosmogonia panteísta precisamos de ver, sentir e atuar no entendimento da criação como rosto da beleza de Deus…muito para além o que vemos e daquilo que sabemos ou pensamos saber. Muito para além da ‘mãe-terra’ necessitamos de considerar-nos incluídos na obra da criação de Deus, onde todos e cada um dos seus elementos nos falam de Deus e através deles nos configuramos com simplicidade e gratidão. Como cidadãos da cidade terrestre temos de cuidar da ‘casa-comum’ que Deus nos concedeu habitar, estando atentos às circunstâncias que fazem perigar – a curto e/ou a médio prazo – o ambiente de todos e para todos.

Diz-se com alguma razão: Deus perdoa sempre, o homem perdoa às vezes, a natureza nunca perdoa, isto é, as interferências na natureza pagar-se-ão muito caras, sobretudo quando abusamos no seu usufruto e na ultrapassagem da sua exploração.

A paz tem critérios. Será que os queremos seguir?

 

António Sílvio Couto

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