Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Duas visões do país…a partir das raízes de vida


 
Nota-se nos tempos mais recentes que presidente da república e primeiro-ministro têm visões (quase) diametralmente opostas sobre algumas das questões do país. A mais incisiva foi a da leitura dos incêndios em Portugal continental, tendo como base os dois cenários mais dramáticos de Pedrógão Grande, em junho, e de Oliveira do Hospital, em outubro… aceitando tais localidades como símbolos das perdas mais significativas em vida humanas, em casas ardidas e em prejuízos verificados.

Marcelo mergulhou no seu ser mais rural para se deixar comover pelos episódios e para levar à emoção o país, que o escutou. Costa ficou-se pela leitura mais urbana das não-respostas, sem captar o sentido mais marcante… parecendo dar a impressão que não se tinha deixado tocar pela dor alheia.

Daí vermos uma figura hierática a debitar desculpas…um tanto toscas e mal elaboradas, no caso do PM-Costa, enquanto o PR-Marcelo se desfez em explicações de fragilidades, sob a conjetura dos afetos e na proporção da comunhão com a dor dos seus concidadãos… Duas visões dum mesmo país!

Fique claro: votei em Marcelo, mas tenho tido uma apreciação pouco favorável ao seu desempenho (quase) populista. Certas colagens à governança considero que têm deixado algo a desejar…até na separação de poderes. Pela primeira vez apreciei a sua função pedagógica para com a fórmula encontrada para o país ser governado. Não concordo totalmente com quem manda, mas respeito quem tem a tarefa de assumir tal papel…

 = Vejamos, então, o que poderá condicionar a ação de interpretar a tragédia dos incêndios – sobretudo nas duas fases já vividas.

Não basta dizer os números, é preciso entender o significado das perdas, tendo em conta o âmbito rural – o do PR-Marcelo – e o do (pretenso) citadino – o do PM-Costa. Neste o anonimato como que ofusca a ligação afetivo-emocional do ruralista, que, por seu turno, vê-lhe ser amputado da vida e da memória alguém que fazia parte da sua convivência mais terna e próxima.

Quem tem mais razão? Talvez o PM-Costa, pois ele retrata o distanciamento entre as pessoas e revela a frieza com que os vizinhos se tratam…mesmo vivendo porta-com-porta. O PR-Marcelo deixa, no entanto, transparecer que as pessoas têm rosto e que contam as ‘suas’ histórias mais ou menos idênticas às que nós vivemos quando regressamos às origens… Ele é, no entanto, cidadão com visão abrangente.

Ora, o país da capital, que se esvazia na época natalícia para rever a sua ruralidade, com todos estes incêndios, como que é colocado em crise, gerando processos de psicanálise dum ‘eu coletivo’ que se entristece quando vê serem-lhe cerceadas as suas raízes mais profundas ou mesmo adventícias…
 

= As várias velocidades a que temos visto o nosso país caminhar como que denuncia que a litoralização do país fará com que os fenómenos de Pedrogão Grande e de Oliveira do Hospital – quais símbolos das tragédias recentes – se possam repetir mais vezes, pois com a desertificação do interior pouco mais resta do que a mancha florestal para ser consumida pelo fogo, tanto o de origem climatérica como o de marca um tanto criminosa, sem esquecer a componente de desleixo com que temos estado a tratar quem ainda resiste a deixar as suas origens.

É preciso que se comece de vez a programar como queremos viver, pelo menos, nos próximos cinquenta anos, lançando as bases para se possa construir um Portugal mais solidário entre as partes e as sensibilidades, entre os que usufruem da floresta e os que dela criam riqueza, os que se sentem ligados à terra e os que um tanto a abjuram, os que têm responsabilidade em criar laços com os antepassados e os que já se desligaram, os que esperam maior harmonia entre os elementos florestais e os que não se reveem em tais raízes…

Está na hora de se desideologizar a sustentabilidade deste setor do nosso valor patrimonial, pois ninguém pode pretender impor aos outros aquilo que não consegue praticar…no governo ou fora dele. Se tomarmos por paradigma o desastre que atingiu o ‘pinhal de Leiria’ podemos e devemos questionar: se esta pérola da nossa floresta ardeu em mais de dois terços, quem irá recuperar tal fortuna se não nos unirmos na ação? Basta de palavras, passemos às obras!      

 


António Sílvio Couto



Sem comentários:

Enviar um comentário