Nota-se
nos tempos mais recentes que presidente da república e primeiro-ministro têm
visões (quase) diametralmente opostas sobre algumas das questões do país. A
mais incisiva foi a da leitura dos incêndios em Portugal continental, tendo
como base os dois cenários mais dramáticos de Pedrógão Grande, em junho, e de
Oliveira do Hospital, em outubro… aceitando tais localidades como símbolos das
perdas mais significativas em vida humanas, em casas ardidas e em prejuízos
verificados.
Marcelo
mergulhou no seu ser mais rural para se deixar comover pelos episódios e para
levar à emoção o país, que o escutou. Costa ficou-se pela leitura mais urbana
das não-respostas, sem captar o sentido mais marcante… parecendo dar a impressão
que não se tinha deixado tocar pela dor alheia.
Daí
vermos uma figura hierática a debitar desculpas…um tanto toscas e mal
elaboradas, no caso do PM-Costa, enquanto o PR-Marcelo se desfez em explicações
de fragilidades, sob a conjetura dos afetos e na proporção da comunhão com a
dor dos seus concidadãos… Duas visões dum mesmo país!
Fique
claro: votei em Marcelo, mas tenho tido uma apreciação pouco favorável ao seu
desempenho (quase) populista. Certas colagens à governança considero que têm
deixado algo a desejar…até na separação de poderes. Pela primeira vez apreciei
a sua função pedagógica para com a fórmula encontrada para o país ser
governado. Não concordo totalmente com quem manda, mas respeito quem tem a
tarefa de assumir tal papel…
=
Vejamos, então, o que poderá condicionar a ação de interpretar a tragédia dos
incêndios – sobretudo nas duas fases já vividas.
Não
basta dizer os números, é preciso entender o significado das perdas, tendo em
conta o âmbito rural – o do PR-Marcelo – e o do (pretenso) citadino – o do PM-Costa.
Neste o anonimato como que ofusca a ligação afetivo-emocional do ruralista,
que, por seu turno, vê-lhe ser amputado da vida e da memória alguém que fazia
parte da sua convivência mais terna e próxima.
Quem tem
mais razão? Talvez o PM-Costa, pois ele retrata o distanciamento entre as
pessoas e revela a frieza com que os vizinhos se tratam…mesmo vivendo
porta-com-porta. O PR-Marcelo deixa, no entanto, transparecer que as pessoas
têm rosto e que contam as ‘suas’ histórias mais ou menos idênticas às que nós
vivemos quando regressamos às origens… Ele é, no entanto, cidadão com visão
abrangente.
Ora, o
país da capital, que se esvazia na época natalícia para rever a sua ruralidade,
com todos estes incêndios, como que é colocado em crise, gerando processos de
psicanálise dum ‘eu coletivo’ que se entristece quando vê serem-lhe cerceadas
as suas raízes mais profundas ou mesmo adventícias…
= As
várias velocidades a que temos visto o nosso país caminhar como que denuncia
que a litoralização do país fará com que os fenómenos de Pedrogão Grande e de
Oliveira do Hospital – quais símbolos das tragédias recentes – se possam
repetir mais vezes, pois com a desertificação do interior pouco mais resta do
que a mancha florestal para ser consumida pelo fogo, tanto o de origem
climatérica como o de marca um tanto criminosa, sem esquecer a componente de
desleixo com que temos estado a tratar quem ainda resiste a deixar as suas
origens.
É
preciso que se comece de vez a programar como queremos viver, pelo menos, nos
próximos cinquenta anos, lançando as bases para se possa construir um Portugal
mais solidário entre as partes e as sensibilidades, entre os que usufruem da
floresta e os que dela criam riqueza, os que se sentem ligados à terra e os que
um tanto a abjuram, os que têm responsabilidade em criar laços com os
antepassados e os que já se desligaram, os que esperam maior harmonia entre os
elementos florestais e os que não se reveem em tais raízes…
Está na
hora de se desideologizar a sustentabilidade deste setor do nosso valor
patrimonial, pois ninguém pode pretender impor aos outros aquilo que não
consegue praticar…no governo ou fora dele. Se tomarmos por paradigma o desastre
que atingiu o ‘pinhal de Leiria’ podemos e devemos questionar: se esta pérola
da nossa floresta ardeu em mais de dois terços, quem irá recuperar tal fortuna
se não nos unirmos na ação? Basta de palavras, passemos às obras!
António Sílvio Couto
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