Há cerca
de três ou quatro dias recebi um email intitulado: ‘na santa Missa encontrar
Deus’, onde se fazia a descrição apologética da missa tradicional, diga-se, em
latim. Era escrito:
«Há 10 anos o Papa Bento
XVI deu à Igreja uma grande graça ao tornar a possibilidade de celebração da
Santa Missa Tradicional de uma forma livre e com naturalidade junto com a
celebração da Santa Missa promulgada pelo Beato Papa Paulo VI. Esta graça está
conforme o pedido do Concílio Vaticano II: "O sagrado Concílio, guarda
fiel da tradição, declara que a santa mãe Igreja considera iguais em direito e
honra todos os ritos legitimamente reconhecidos, quer que se mantenham e sejam
por todos os meios promovidos" (SC4).
Aquilo que para as
gerações anteriores era sagrado, permanece sagrado e grande também para nós, e
não pode ser de improviso totalmente proibido ou mesmo prejudicial. Faz-nos bem
a todos conservar as riquezas que foram crescendo na fé e na oração da Igreja,
dando-lhes o justo lugar.
Abri
o vosso coração à Santa Missa Tradicional, enriquecei o vosso ser cristão, o
sabor do sal e o brilho da luz ao conhecerdes e ao celebrar a Santa Missa
Tradicional. Proporcionai aos fiéis a
possibilidade do encontro com Deus e que a partir de vós que na Santa Missa atuais
na pessoa de Cristo possam ver Cristo na vossa humilde e silenciosa oração.
A Santa Missa tradicional
foi construída sobre a rocha que é Cristo e o Seu Sacrifício no Altar oferecido
a Deus, por isso esta Santa Missa não desaparece, não é abandonada e volta a
surgir naturalmente pela vontade daqueles que têm sede da água viva. Em todo o
mundo, jovens e diversas pessoas que nunca tinham crescido com esta forma
encontram nela a expressão da Fé e o lugar onde encontram Deus».
= Perante
tais argumentos – com vídeos dalgumas das celebrações em latim – respondi
secamente:
«A quem interessa
fixar-se no imobilismo? Porque temos de ler coisas
contra o espírito do Concílio Vaticano II? No Céu, a missa será tradicional? Por amor de Deus, gastem as energias da
graça de Deus em coisas mesmo sérias! Bênção e
discernimento».
= Ripostando
quem antes tinha enviado a mensagem escreveu:
«Muito obrigado por
comentar, compreendo o que indica, também gostaria que não fosse necessário
fazer esta reflexão e fosse possível seguir um caminho sempre a direito. Mas
infelizmente os problemas existem, as pessoas estão afastadas da Fé, não veem
importância em ir à missa, não conhecem o que a Igreja ensina e vivem como se
Deus não existisse, são almas afastadas do seu Criador. Estas são coisas
sérias, cuidar das almas dos nossos irmãos e chamá-los para a Fé é uma tarefa
importante.
(…) A Santa Missa no Céu
não sei como será, mas na missa tradicional se nos abrirmos a conhecê-la vemos
que tenta colocar-nos a celebrar em união com a liturgia celeste».
= Dá a
impressão que neste grande areópago de diversidades, que é a Igreja católica,
podemos defender posições que possam ser a contento mais ou menos individual –
raramente uso este termo, pois tem mais sentindo dizer ‘pessoal’, mas aqui
reporta-nos a um certo rito de individualismo – de interesses e mais de
devoções… mesmo que usando o que há de mais sagrado na vida eclesial, que é a
eucaristia.
De
facto, não deixa de soar a oco e de tresandar a irreverência que se use a
autoridade do Papa Bento XVI para alicerçar esta vaga de tradicionalismo em
certos setores da Igreja católica. Os argumentos aduzidos deixam muito a
desejar, a não ser que tenhamos de proporcionar a todos, até aos
pré-cismáticos, as possibilidades de sermos uma Igreja que não se fecha nem aos
rebeldes.
Será com
o recurso à missa tradicional que iremos responder às questões de fé de tantos
dos nossos contemporâneos? A quem se quer impressionar com tais posições
tridentinas – este termo não é ofensivo, mas tem de ser lido no contexto
histórico e eclesial, que não meramente eclesiástico – e de recuos de doutrina
e de prática saídas do II Concilio do Vaticano?
Há tanta
coisa bonita e útil em que nos devíamos empenhar, criando condições para que os
nossos cristãos possam apreciar melhor a eucaristia. Inclusive é redutora a
insistência em designar este sacramento de ‘santa missa’, em vez de usarmos o
termo mais abrangente e comprometido que é o de ‘eucaristia’, pois ‘missa’ é o
ato de envio – ‘ite, missa est’, isto é, ‘ide, sois enviados’, enquanto
‘eucaristia’ abrange a ação de graças, o sacrifício/ofertório (que é muito mais
do que a apresentação dos dons), a oração litúrgica, a comunhão… tendo por
fundamento a escuta da Palavra de Deus, tornada proclamação e vida…
Onde
está e como se exprime a presença dos vários ministérios na eucaristia, se a
reduzirmos à ‘santa missa tradicional’? Voltaremos a essa espécie de cerimónia,
onde o padre é mais o centro, ofuscando os dois altares, o da Palavra e o da
comunhão? Preparemos a eterna liturgia do Céu, vivendo a eucaristia na Terra!
António Sílvio Couto
Sem comentários:
Enviar um comentário