Por estes dias vimos
noticiado que a ‘delação’ – termo de contexto brasileiro, com uso em Portugal
sob a designação de ‘colaboração’ – premiada começa a ganhar adeptos no meio da
justiça, sendo os juízes, os procuradores e funcionários seus defensores,
enquanto os advogados são quem mais se-lhe opõe.
= De que consta,
então, a ‘delação/colaboração premiada’?
‘Delação premiada’ é
uma expressão usada no âmbito jurídico, que significa uma espécie da troca de
favores entre o juiz e o réu. Caso o acusado forneça informações importantes
sobre outros criminosos ou dados que ajudem a solucionar um crime, o juiz
poderá reduzir a pena do réu quando este for julgado... Na situação brasileira,
que tem já experiência em casos destes e com legislação, a redução da pena pode
ser dum terço ou de dois terços do delator, caso as informações fornecidas
ajudem realmente a solucionar o crime.
Se tivermos em conta
as várias vertentes desta discrição de ‘delação/colaboração premiada’ poderemos
encontrar aspetos um tanto preocupantes para a justiça no futuro. Desde logo
que aquele que se assume como delator é um criminoso que se serve do papel de
beneficiado para encobrir os erros de que é acusado, mesmo que com isso vá
enterrar quem, anteriormente, de forma tácita ou explícita, foi seu parceiro de
delito. Por outro lado, o denunciado pelo delator poderá passar a conhecer quem
o irá entalar na delação, que, posteriormente, será atenuada pelo comparsa na
prevaricação. Se tivermos ainda em conta a desconfiança que a delação criará
entre os criminosos, poderemos ver neste estratagema de compra de penas menores
uma espécie de denúncia da falência do sistema de investigação, pois este
poderá aliciar algum dos criminosos a serem delatores e com isso não ser feito
o trabalho que compete à justiça...
= Porque sabemos
ainda pouco do modo como poderá vir a ser implementado este processo da
‘delação/colaboração premiada’, podemos, no entanto, elencar questões sobre a
extrapolação deste modo de estar na vida para além do sistema de justiça. Antes
de tudo o associar-se para praticar o crime terá de ser mais arguto para com
aqueles a quem se junta, pois, de repente, poderá estar a ser denunciado por
alguém que possa antecipar-se à pena com a subtileza de beneficiar por se
tornar ‘bufo’ dos outros. Criminoso sim, mas terá de ser de alta confiança com
quem se torna parceiro da delinquência.
Se o processo da
delação se alarga a outros campos, como será difícil de ter com quem se
associar para fazer o mal ou mesmo para construir algo que envolva outros na
caminhada, pois quem se sentir prejudicado poderá tornar-se delator desde que
com isso continue a flutuar na boa impressão de quem julga, mesmo sem ser só na
justiça... Suponhamos que este sistema da ‘delação premiada’ se incrementa na
área da comunicação social: quem dirá seja o que for, se isso se vier a voltar-se
contra quem disse o que disse... As fontes e, sobretudo, os potenciais
denunciadores poderão pensar mais sobre as consequências do que lhes é soprado
mesmo sob anonimato, pois algo poderá correr menos bem quando surgirem suspeitas
sobre que referiu o quê...
Talvez este método da
‘delação/colaboração premiada’ possa vir a ser uma espécie de caixa de pandora,
que, uma vez aberta, mesmo judicialmente, poderá trazer à relação das pessoas
algo mais do que uma colaboração justificada com a justiça, mas antes uma
complexa e atribulada mescla de interesses, onde cada qual fará pela vida o que
antes foi usado para ludibriar quem tinha de ajuizar ou de estar num patamar
superior da aplicação da igualdade entre todos. O delator pode tornar-se, deste
modo, uma peça da engrenagem que fará emperrar a boa convivência entre todos...
= Para quem tanto
contestou a sociedade pidesca anterior à recuperação da liberdade, não será que
esta atitude de ‘delação/colaboração premiada’ poderá trazer à memória certos
serviços desse regime? Agora que dizem que estamos em democracia, esta
‘delação/colaboração premiada’ não poderá converter-se num manto de perseguição
a adversários...dentro ou fora do partido/associação?
António
Sílvio Couto
Sem comentários:
Enviar um comentário