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sexta-feira, 2 de junho de 2017

Em vista dum país de potenciais delatores…


Por estes dias vimos noticiado que a ‘delação’ – termo de contexto brasileiro, com uso em Portugal sob a designação de ‘colaboração’ – premiada começa a ganhar adeptos no meio da justiça, sendo os juízes, os procuradores e funcionários seus defensores, enquanto os advogados são quem mais se-lhe opõe. 

= De que consta, então, a ‘delação/colaboração premiada’?

‘Delação premiada’ é uma expressão usada no âmbito jurídico, que significa uma espécie da troca de favores entre o juiz e o réu. Caso o acusado forneça informações importantes sobre outros criminosos ou dados que ajudem a solucionar um crime, o juiz poderá reduzir a pena do réu quando este for julgado... Na situação brasileira, que tem já experiência em casos destes e com legislação, a redução da pena pode ser dum terço ou de dois terços do delator, caso as informações fornecidas ajudem realmente a solucionar o crime.

Se tivermos em conta as várias vertentes desta discrição de ‘delação/colaboração premiada’ poderemos encontrar aspetos um tanto preocupantes para a justiça no futuro. Desde logo que aquele que se assume como delator é um criminoso que se serve do papel de beneficiado para encobrir os erros de que é acusado, mesmo que com isso vá enterrar quem, anteriormente, de forma tácita ou explícita, foi seu parceiro de delito. Por outro lado, o denunciado pelo delator poderá passar a conhecer quem o irá entalar na delação, que, posteriormente, será atenuada pelo comparsa na prevaricação. Se tivermos ainda em conta a desconfiança que a delação criará entre os criminosos, poderemos ver neste estratagema de compra de penas menores uma espécie de denúncia da falência do sistema de investigação, pois este poderá aliciar algum dos criminosos a serem delatores e com isso não ser feito o trabalho que compete à justiça... 

= Porque sabemos ainda pouco do modo como poderá vir a ser implementado este processo da ‘delação/colaboração premiada’, podemos, no entanto, elencar questões sobre a extrapolação deste modo de estar na vida para além do sistema de justiça. Antes de tudo o associar-se para praticar o crime terá de ser mais arguto para com aqueles a quem se junta, pois, de repente, poderá estar a ser denunciado por alguém que possa antecipar-se à pena com a subtileza de beneficiar por se tornar ‘bufo’ dos outros. Criminoso sim, mas terá de ser de alta confiança com quem se torna parceiro da delinquência.

Se o processo da delação se alarga a outros campos, como será difícil de ter com quem se associar para fazer o mal ou mesmo para construir algo que envolva outros na caminhada, pois quem se sentir prejudicado poderá tornar-se delator desde que com isso continue a flutuar na boa impressão de quem julga, mesmo sem ser só na justiça... Suponhamos que este sistema da ‘delação premiada’ se incrementa na área da comunicação social: quem dirá seja o que for, se isso se vier a voltar-se contra quem disse o que disse... As fontes e, sobretudo, os potenciais denunciadores poderão pensar mais sobre as consequências do que lhes é soprado mesmo sob anonimato, pois algo poderá correr menos bem quando surgirem suspeitas sobre que referiu o quê...

Talvez este método da ‘delação/colaboração premiada’ possa vir a ser uma espécie de caixa de pandora, que, uma vez aberta, mesmo judicialmente, poderá trazer à relação das pessoas algo mais do que uma colaboração justificada com a justiça, mas antes uma complexa e atribulada mescla de interesses, onde cada qual fará pela vida o que antes foi usado para ludibriar quem tinha de ajuizar ou de estar num patamar superior da aplicação da igualdade entre todos. O delator pode tornar-se, deste modo, uma peça da engrenagem que fará emperrar a boa convivência entre todos... 

= Para quem tanto contestou a sociedade pidesca anterior à recuperação da liberdade, não será que esta atitude de ‘delação/colaboração premiada’ poderá trazer à memória certos serviços desse regime? Agora que dizem que estamos em democracia, esta ‘delação/colaboração premiada’ não poderá converter-se num manto de perseguição a adversários...dentro ou fora do partido/associação?

 

António Sílvio Couto



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