De
repente o país parou estupefato com as imagens e os números de mortos pelos
incêndios. Talvez o silêncio deve-se ser o melhor tributo a quem morreu, perdeu
tudo e ficou marcado para o resto da vida.
Como
explicar e compreender o que nos dias 17 a 20 de junho vimos na zona centro de
Portugal? Mais do que episódios de sobrevivência fomos fustigados com imagens
de acusação à incapacidade de conseguir ajudar dezenas de pessoas anónimas, que
vieram para a ribalta noticiosa pelas piores razões…
Os mais
altos responsáveis do país político surgiram a fazer o seu papel, mas ninguém
assume culpas nem consequências, dando a entender que o ‘destino’ lançou um
manto de razoabilidade sobre o que – quando se está em lugares de
responsabilidade – devia ser a assunção das tarefas públicas… Até foi decretado
luto nacional por três dias!
O modo
como foi dada a conhecer esta tragédia foi mais ou menos reservada no direito
de privacidade… à exceção duma imagem em que uma pretensa jornalista de tarimba
cometeu o grave erro de falar com um morto coberto em fundo na imagem…
Espera-se que este ou qualquer outro deslize fora da boa ética jornalística sejam
castigados sem medo nem pudor!
= Não
levarão a mal que possa trazer para aqui um episódio pessoal desta vaga de
calor vivida por estes dias. Com efeito, mais do que um acontecimento restrito
gostaria, desde logo de salientar a notável forma como profissionais da saúde
se dedicam aos que deles se aproximam. Estava a poucos minutos da apresentação
dum livro na feira do livro de Lisboa, no passado domingo, quando me senti
acometido duma indisposição geral, sem quadro específico de sintomas.
Solicitados os serviços de emergência fui encaminhado para o hospital de São
José… enquanto a editora tentou resolver a situação com a apresentação – como
estava previsto – do livro pelo professor Jacinto Farias. Não será difícil de
imaginar o quadro, tal era o calor àquela hora e o que estava a acontecer duma
forma um tanto inesperada. Pelo que percebi o acontecimento decorreu de forma
breve e simples.
Gostaria,
então, de salientar o modo como, das dezasseis às vinte e duas horas, vivi,
entre tantos outros doentes, submetido a exames, a cuidados vários por
enfermeiras e médicas muito jovens, mas duma dedicação sacerdotal. Dava para
perceber a delicadeza para cada pessoa, fosse qual fosse o quadro ou a
necessidade: era uma urgência, mas com grande serenidade e competência.
Isso
mesmo referiu a irmã responsável da editora, que quando lhe foi possível também
se deslocou ao hospital, salientando mesmo que estes episódios nos fazem bem
para vermos o que se passa no mundo sem nos darmos conta e talvez sem
valorizarmos quando as coisas não correm tão bem.
=
Excetuada esta deriva de ordem mais pessoal, não me esqueci de a ver inserida
na vaga de calor geral e da situação dos fogos em particular. Tirando o
agravamento climático – o que deve ser bem estudado no terreno e não sob a
influência do ar condicionado dos gabinetes… da capital – por breve momentos
passamos a ver que há pessoas neste país que não têm voz para se fazer ouvir e
que estão confinadas à sua sorte. Era agora preciso que os sindicatos e
trabalhadores da cintura da capital deviam dar de si um pouco mais para não
fazermos de conta que há igualdade de direitos, mas estamos muito longe da sua
prossecução. Não basta enfatizar o papel dos bombeiros e de outras forças de
socorro em maré de crise, mas precisamos de criar uma consciência coletiva de
atenção aos outros mais desfavorecidos ou quase marginalizados num país que se diz
democrático e progressista…
Muitas e
significativas iniciativas foram já lançadas em ajuda aos que perderam os seus
bens: desde campanhas de alimentos, passando por um concerto solidário (com
mais de vinte músicos, a realizar a 27 de junho) e incluindo chamadas de valor
acrescentado em ajuda das vítimas desta tragédia…no entanto, o fisco neste caso
cobra na mesma o Iva como a outra qualquer chamada de entretenimento ou
concurso!
Que
somos um povo solidário ninguém duvide, mas é preciso criar uma mentalidade
mais conforme às lacunas da nossa cultura e civilização: ainda somos muito
rurais nas ideias e no comportamento, que nem o verniz da cidade consegue
encobrir ou disfarçar. Que não seja só nas horas de desgraça: o silêncio fala!
António Sílvio Couto
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