Quem não
se lembra ainda dos acontecimentos da queda da ponte de Entre-os-Rios –
ocorrida a 4 de março de 2001 – e não recordará também que, poucas horas
depois, o titular da pasta do equipamento social pediu a demissão. Ao tempo
pereceram 59 pessoas, muitas delas da mesma família, não esquecendo a longa e
tortuosa procura dalguns dos falecidos durante dias e semanas… O espetáculo
mediático foi então montado, escalpelizando as razões e as consequências a
tirar de tudo aquilo!
Agora,
por ocasião dos incêndios de 17 a 20 de junho do passado recente, na área do
Pinhal Interior norte, porque não se colhem idênticas lições, antes parece que
um longo e tenebroso manto cobre muitas mentes, condiciona tantas vontades
aferradas à ideologia e alguns se vão entretendo com esse ‘osso do poder’,
silenciando protestos, contestações e até reivindicações.
Até
agora ninguém se demitiu nem foi demitido. Até agora vemos que uns tantos vão
deambulando por entre fagulhas crepitantes como se fossem pingos de chuva de
não-punição!
* Por
onde andam tantas vozes outrora tão protestantes em situações idênticas, mas que
por agora se mantêm tão silenciadas?
* Será
que – como se dizia eufemisticamente – os beijos sobre o ‘dói-dói’ infetaram em
narcotização geral e generalizada o tecido social e político?
* A quem
serve a ofuscação de factos e de acontecimentos com que alguma comunicação
social – escrita, televisiva ou em internet – vai andando a flutuar numa
espécie de informação-espetáculo, onde os atores são elevados à categoria de
mentores de opinião?
* Na
medida em que a fratura entre visões do país deixa mais clivagens do que a
promoção do todo nacional, até onde irá tanto amorfismo encapotado sobre muitas
das desgraças alheias?
* Na
medida em que a diluição da maioria das ideologias veio trazer maior confusão e
criar alguns rácios de populismo, não estaremos a agravar o (não) diálogo
cultural por entre clichés de forças transversais e subterrâneas
= As
iniciativas desenvolvidas para atenuar perdas dos incêndios na zona do Pinhal
interior norte foram surgindo e ganhando significado até económico. Assim o
concerto solidário ‘Juntos por todos’ – no dia 27 de junho e com mais de vinte
artistas participantes – rendeu 1,153 milhões de euros… sendo uma ação conjunta
de todas as televisões em canal aberto e de mais de cem rádios nacionais.
Dá, no
entanto, a impressão que muitas das pessoas, que vemos a reagir a tudo isto,
vão tentando criar desculpas – umas nota-se logo de forma mais assumida, outras
de modo mais presumido – para o significado mais profundo que esta tragédia,
com tantas perdas emocionais, materiais e afetivas bem como outros aspetos
sócio/culturais, podem envolver.
Há de
verdade questões que necessitam de algum distanciamento para conseguirmos pronunciar-nos
sobre isso, mas tantos outros aspetos revelam o que de mais genuíno há no povo
português: a capacidade de sofrimento com a dor alheia, chamem-lhe
solidariedade ou continuemos a considera-la na sua essência como caridade
cristã. Com que abnegação vemos as pessoas despojarem-se de tantas coisas para
que os outros recomecem com um mínimo de dignidade… Com que espírito fraterno
vemos emergirem sinais de que temos um lado humano muito cristão, mesmo que,
por vezes, se envergonhe das suas raízes e dos sinais exteriores de expressão
dessa comunhão…
Por
entre tantas e tão benéficas manifestações da grandeza de alma do povo
português continuo a interrogar-me sobre a ausência clara e distinta da leitura
cristã dos sinais, pois raramente Deus é metido em tudo isto, como se fossemos
boas pessoas por natureza, quando temos visto logo surgirem oportunistas e
larápios a aproveitarem-se da desgraça alheia.
Em
tantos destes momentos publicitados não temos visto a Igreja católica de forma
assumida e sem medo. Por onde andam os responsáveis cimeiros das dioceses nas
notícias? Será que bastará uma nota de rodapé para dignificar o trabalho
desenvolvido? É preciso que brilhe a luz diante dos homens para que glorifiquem
o Pai dos Céus. Que essa luz apareça…bem acesa!
António Sílvio Couto
Sem comentários:
Enviar um comentário