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quarta-feira, 28 de junho de 2017

Sob um manto de impunidade



Quem não se lembra ainda dos acontecimentos da queda da ponte de Entre-os-Rios – ocorrida a 4 de março de 2001 – e não recordará também que, poucas horas depois, o titular da pasta do equipamento social pediu a demissão. Ao tempo pereceram 59 pessoas, muitas delas da mesma família, não esquecendo a longa e tortuosa procura dalguns dos falecidos durante dias e semanas… O espetáculo mediático foi então montado, escalpelizando as razões e as consequências a tirar de tudo aquilo!



Agora, por ocasião dos incêndios de 17 a 20 de junho do passado recente, na área do Pinhal Interior norte, porque não se colhem idênticas lições, antes parece que um longo e tenebroso manto cobre muitas mentes, condiciona tantas vontades aferradas à ideologia e alguns se vão entretendo com esse ‘osso do poder’, silenciando protestos, contestações e até reivindicações.

Até agora ninguém se demitiu nem foi demitido. Até agora vemos que uns tantos vão deambulando por entre fagulhas crepitantes como se fossem pingos de chuva de não-punição!

* Por onde andam tantas vozes outrora tão protestantes em situações idênticas, mas que por agora se mantêm tão silenciadas?

* Será que – como se dizia eufemisticamente – os beijos sobre o ‘dói-dói’ infetaram em narcotização geral e generalizada o tecido social e político?

* A quem serve a ofuscação de factos e de acontecimentos com que alguma comunicação social – escrita, televisiva ou em internet – vai andando a flutuar numa espécie de informação-espetáculo, onde os atores são elevados à categoria de mentores de opinião?

* Na medida em que a fratura entre visões do país deixa mais clivagens do que a promoção do todo nacional, até onde irá tanto amorfismo encapotado sobre muitas das desgraças alheias?

* Na medida em que a diluição da maioria das ideologias veio trazer maior confusão e criar alguns rácios de populismo, não estaremos a agravar o (não) diálogo cultural por entre clichés de forças transversais e subterrâneas 

= As iniciativas desenvolvidas para atenuar perdas dos incêndios na zona do Pinhal interior norte foram surgindo e ganhando significado até económico. Assim o concerto solidário ‘Juntos por todos’ – no dia 27 de junho e com mais de vinte artistas participantes – rendeu 1,153 milhões de euros… sendo uma ação conjunta de todas as televisões em canal aberto e de mais de cem rádios nacionais.

Dá, no entanto, a impressão que muitas das pessoas, que vemos a reagir a tudo isto, vão tentando criar desculpas – umas nota-se logo de forma mais assumida, outras de modo mais presumido – para o significado mais profundo que esta tragédia, com tantas perdas emocionais, materiais e afetivas bem como outros aspetos sócio/culturais, podem envolver.

Há de verdade questões que necessitam de algum distanciamento para conseguirmos pronunciar-nos sobre isso, mas tantos outros aspetos revelam o que de mais genuíno há no povo português: a capacidade de sofrimento com a dor alheia, chamem-lhe solidariedade ou continuemos a considera-la na sua essência como caridade cristã. Com que abnegação vemos as pessoas despojarem-se de tantas coisas para que os outros recomecem com um mínimo de dignidade… Com que espírito fraterno vemos emergirem sinais de que temos um lado humano muito cristão, mesmo que, por vezes, se envergonhe das suas raízes e dos sinais exteriores de expressão dessa comunhão…

Por entre tantas e tão benéficas manifestações da grandeza de alma do povo português continuo a interrogar-me sobre a ausência clara e distinta da leitura cristã dos sinais, pois raramente Deus é metido em tudo isto, como se fossemos boas pessoas por natureza, quando temos visto logo surgirem oportunistas e larápios a aproveitarem-se da desgraça alheia.

Em tantos destes momentos publicitados não temos visto a Igreja católica de forma assumida e sem medo. Por onde andam os responsáveis cimeiros das dioceses nas notícias? Será que bastará uma nota de rodapé para dignificar o trabalho desenvolvido? É preciso que brilhe a luz diante dos homens para que glorifiquem o Pai dos Céus. Que essa luz apareça…bem acesa!  

 

António Sílvio Couto



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