A ‘luminosa,
arguta e ousada’ solução encontrada por alguns partidos políticos do arco do
governo em funções – o alargamento do prazo para pagamento da dívida às
instituições europeias de quinze para mais quarenta e cinco anos – tem tanto de
simbólico, quanto de perigoso: simbólico porque ao tentarem estender os prazos
se pretende fazer diminuir os juros anuais, perigoso porque não se tem a noção
dos gastos e dos encargos que irão suportar as gerações vindouras… até depois de
2060!
Vejamos
algumas incidências a curto, médio e longo prazo desta pretensão tão
‘progressista’:
– Com
que autoridade – embora seja um ato de poder – pode além prorrogar uma dívida
para governos que podem não ter a mesma orientação política e económica? Quer
isto dizer que teremos de suportar os mesmos – isto é, os de agora – durante
tanto tempo, dado que foram eles que nos meteram neste colete-de-forças? Onde
estará, então, a alternância democrática?
– Uma
opção desta natureza não pode ser tomada de forma unilateral, sem o acordo bem
concertado dos outros partidos e forças sociais? O perfil democrático –
apelidado por forças apoiantes desta forma de governação – do ‘posso, quero e
mando’ – só é contestado quando se está fora do arco do poder? Não andarão por
aí uns laivos de ditadura encapotada?
– Há
crianças cujos pais ainda nem nasceram e já estão endividadas com encargos para
os quais não contribuíram minimamente. Teremos direito de lhes deixarmos tal
herança ainda não herdada?
=
Deixemos, por momentos, estas conjeturas e fixemo-nos nos dados do dia-a-dia:
Ainda esta manhã vi dezenas de pessoas à porta duma repartição de finanças…
hoje é o último dia útil para pagar alguns impostos, talvez o IMI ou sobre
veículos com matrícula deste mês… Porque deixou esta gente para o último dia o
acerto de contas com as finanças? Será defeito ou feitio, isto de deixar para a
última hora as obrigações, sobretudo, de pagamentos? Não será preciso uma nova
educação social e coletiva, quando toca a honrar os compromissos? Por que temos
de andar na aflição e à pressa, quando sabemos o que temos de fazer e a pagar?
Atendendo
às vicissitudes da nossa conjetura económico-financeira custa a crer que já
tenhamos adquirido a consciencialização de que ninguém dá nada a ninguém sem
cobrar os seus direitos. Assim tem sido com as ajudas da UE e as largas
benesses em dinheiro a rodos lançado para este país. Em certas épocas chegou a
ser de nove milhões de euros por dia… entre 1986 e 2011. Que fizemos disso?
Gastamo-lo em coisas essenciais ou andamos a ostentar de rico sem consistência
de finanças…públicas e privadas? Depois das estradas e dos estádios de futebol o
que é que ficou na nossa mentalidade de ajudados, menos bons trabalhadores e
(quase) incapazes de gerirmos o que nos foi subsidiado?
Antes
davam-nos dinheiro e gastávamos, prestando contas mais tarde. Agora, no
‘projeto 20/20’ temos de apresentar contas (com tudo registado e regularizado)
e só depois recebemos a comparticipação já decidida, mas em definitivo
desbloqueada…Com efeito, foram ‘estes marroquinos do norte’ que fizeram com que
a Europa rica nos tivesse de colocar sob alçada de rigoroso controlo, nalguns
casos desconfiando das nossas capacidades e arbitrados por regras mais
exigentes do que para com outros…
= Não deixa
de ser um tanto patético que uns pretensos ‘sábios’ dum apelidado ‘grupo de
trabalho para a negociação da dívida’ venham trazer um novo alento aos
caloteiros nacionais, pois se nos aceitarem tal projeto, lá fora, estaremos a
salvo de termos de cumprir os mais mínimos compromissos, cá dentro, na medida
em que os mais novos terão de assegurar as dívidas para as quais não foram
tidos nem achados, empurrando para quem vier atrás e seja capaz de ter vergonha
por si e pelos seus antepassados. Não foi de entre os atuais governantes (secundários)
que veio a proposta em não pagar a dívida? Não são parceiros de conluios outros
que propagam o resgate sem honra nem face? Não foram do tal ‘grupo de trabalho’
economistas dialéticos e diletantes?
Como
cidadão tenho vergonha de deixar aos meus descendentes indiretos
responsabilidades a que eles não estão obrigados moralmente. Não nos tentem
enganar mais, pois a verdade vencerá!
António
Sílvio Couto
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