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quarta-feira, 26 de abril de 2017

‘Católico de esquerda’ – porquê e para quê?


Numa das suas diatribes de circunstância o presidente da república considerou que ‘faz falta mais esquerda católica’ em Portugal, tendo em conta as variações sociais – o país metropolitano, no seu entendimento – e os confrontos e ‘determinados posicionamentos doutrinários, ideológicos e partidários’.

A provocação – tentaremos explicitar este termo nesta partilha/reflexão – surgiu no contexto da apresentação dum livro sobre o Papa Francisco e dinamizado por dois jornalistas que têm conhecimentos na área da religião e do catolicismo em particular.

O ex-jovem militante de causas sociais nas décadas de 60 e 70, que foi Marcelo Rebelo de Sousa, ocupa agora a mais alta instância do poder/autoridade no nosso país. Viu inclusive, recentemente, elevado ao patamar mais almejado da política internacional – a ONU – um companheiro de armas desse tempo, António Guterres. Nunca escondeu a sua condição de crente/praticante. Tem intervindo em matérias do foro eclesial. Fez comentários sobre leituras dominicais. Benze-se em público, como nunca vimos outros ocupantes da visibilidade institucional… governativa, autárquica…como deputado ou figura exposta… Por vezes diz o que poderia ser melhor acertado, tanto na forma como no conteúdo.  

* Teremos, no entanto, de nos interrogar sobre o significado e o alcance desta expressão – ‘católico de esquerda’ – para que não entremos numa lógica de aglutinação de termos em ordem a serem satisfeitas pretensões que cada um pode dissimular e/ou confundir. Não será que dizer ‘católico’ já deveria conter facetas que se aninham na conceção de ‘esquerda’? Esta terá de ser sempre – e só – lida, entendida e proclamada como visão materialista das pessoas, das sociedades, das culturas e mesmo do estado? 

* Efetivamente só quem desconhecer ou quiser obnubilar os fundamentos do cristianismo poderá não ver que os ‘primeiros cristãos’ foram e viveram como pessoas que lhes interessava acima de tudo o bem comum e não a mera satisfação dos seus interesses pessoais ou de grupo. Consultem-se os ‘sumários’ do livro dos Actos dos Apóstolos – 2,42-47; 4,32-35; 5,12-15 – e poderemos ver a semente de novidade que era a força da conversão a Cristo, na condução do Espírito Santo, em Igreja. 

* Será, apesar de tudo, uma espécie de condicionamento – para não lhe chamar mesmo manipulação ou leitura preconceituosa – que tenhamos – como fez nas suas palavras Marcelo – de conotar o ser católico com o ‘ser de direita’, tendo em conta uma dada leitura sociológica, com algum sabor ruralista, e mesmo com outros posicionamentos ideológicos e partidários, tentando apensar figuras do passado à vivência do presente ou ainda dando de barato que ser católico tem de estar numa posição de direita por ataque e em prejuízo social e cultural…  

* De facto, há uns tantos mentores da configuração da sociedade – ditos ou apelidados de ‘opinion makers’ ou jornalistas/comentadores – que não conseguem entender as questões do catolicismo e – numa espécie de sofisma envenenado – tentam concluir: não compreendo, logo é de direita…porque não ser de esquerda não rima com justiça social, com os conceitos de liberdade-igualdade-fraternidade, com pensamento de solidariedade, com fazer pelos outros…muito para além dos seus objetivos de promoção e de democracia.   

* Conhecemos e sabemos que houve figuras da Igreja católica que foram apelidadas de ‘esquerda’, só porque defendiam os pobrezinhos e estavam lá, à porta das empresas em rutura e falência, dizendo-se dum catolicismo social – seriam de esquerda ou estariam ser evangélicos acima de tudo? – mas que, no trato pessoal e fora dos holofotes da comunicação social, aceitavam opíparos almoços pagos por outros católicos que eram rotulados – pela mesma resma de servidores da informação – de direita!  

* A provocação de Marcelo pode servir para entreter por algum tempo, mas o que desejamos é que os católicos vivam na força do Evangelho, sem se deixarem manipular por rótulos ideológicos…esgotados!

 

António Sílvio Couto





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