Numa das
suas diatribes de circunstância o presidente da república considerou que ‘faz
falta mais esquerda católica’ em Portugal, tendo em conta as variações sociais
– o país metropolitano, no seu entendimento – e os confrontos e ‘determinados
posicionamentos doutrinários, ideológicos e partidários’.
A
provocação – tentaremos explicitar este termo nesta partilha/reflexão – surgiu
no contexto da apresentação dum livro sobre o Papa Francisco e dinamizado por
dois jornalistas que têm conhecimentos na área da religião e do catolicismo em
particular.
O ex-jovem
militante de causas sociais nas décadas de 60 e 70, que foi Marcelo Rebelo de
Sousa, ocupa agora a mais alta instância do poder/autoridade no nosso país. Viu
inclusive, recentemente, elevado ao patamar mais almejado da política
internacional – a ONU – um companheiro de armas desse tempo, António Guterres.
Nunca escondeu a sua condição de crente/praticante. Tem intervindo em matérias
do foro eclesial. Fez comentários sobre leituras dominicais. Benze-se em
público, como nunca vimos outros ocupantes da visibilidade institucional…
governativa, autárquica…como deputado ou figura exposta… Por vezes diz o que
poderia ser melhor acertado, tanto na forma como no conteúdo.
*
Teremos, no entanto, de nos interrogar sobre o significado e o alcance desta
expressão – ‘católico de esquerda’ – para que não entremos numa lógica de
aglutinação de termos em ordem a serem satisfeitas pretensões que cada um pode
dissimular e/ou confundir. Não será que dizer ‘católico’ já deveria conter
facetas que se aninham na conceção de ‘esquerda’? Esta terá de ser sempre – e
só – lida, entendida e proclamada como visão materialista das pessoas, das
sociedades, das culturas e mesmo do estado?
* Efetivamente
só quem desconhecer ou quiser obnubilar os fundamentos do cristianismo poderá
não ver que os ‘primeiros cristãos’ foram e viveram como pessoas que lhes
interessava acima de tudo o bem comum e não a mera satisfação dos seus
interesses pessoais ou de grupo. Consultem-se os ‘sumários’ do livro dos Actos
dos Apóstolos – 2,42-47; 4,32-35; 5,12-15 – e poderemos ver a semente de
novidade que era a força da conversão a Cristo, na condução do Espírito Santo, em
Igreja.
* Será,
apesar de tudo, uma espécie de condicionamento – para não lhe chamar mesmo
manipulação ou leitura preconceituosa – que tenhamos – como fez nas suas
palavras Marcelo – de conotar o ser católico com o ‘ser de direita’, tendo em
conta uma dada leitura sociológica, com algum sabor ruralista, e mesmo com
outros posicionamentos ideológicos e partidários, tentando apensar figuras do
passado à vivência do presente ou ainda dando de barato que ser católico tem de
estar numa posição de direita por ataque e em prejuízo social e cultural…
* De
facto, há uns tantos mentores da configuração da sociedade – ditos ou
apelidados de ‘opinion makers’ ou jornalistas/comentadores – que não conseguem
entender as questões do catolicismo e – numa espécie de sofisma envenenado –
tentam concluir: não compreendo, logo é de direita…porque não ser de esquerda
não rima com justiça social, com os conceitos de
liberdade-igualdade-fraternidade, com pensamento de solidariedade, com fazer
pelos outros…muito para além dos seus objetivos de promoção e de democracia.
*
Conhecemos e sabemos que houve figuras da Igreja católica que foram apelidadas
de ‘esquerda’, só porque defendiam os pobrezinhos e estavam lá, à porta das
empresas em rutura e falência, dizendo-se dum catolicismo social – seriam de
esquerda ou estariam ser evangélicos acima de tudo? – mas que, no trato pessoal
e fora dos holofotes da comunicação social, aceitavam opíparos almoços pagos
por outros católicos que eram rotulados – pela mesma resma de servidores da
informação – de direita!
* A
provocação de Marcelo pode servir para entreter por algum tempo, mas o que
desejamos é que os católicos vivam na força do Evangelho, sem se deixarem
manipular por rótulos ideológicos…esgotados!
António Sílvio Couto
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