«A mundanidade é como
um buraco negro que engole o bem, que apaga o amor, que absorve tudo no próprio
eu. Então só se veem as aparências e não nos damos conta dos outros, porque nos
tornamos indiferentes a tudo. Quem sofre desta grave cegueira, assume muitas
vezes comportamentos estrábicos: olha com reverência as pessoas famosas, de
alto nível, admiradas pelo mundo, e afasta o olhar dos inúmeros Lázaros de
hoje, dos pobres e dos doentes, que são os prediletos do Senhor».
Foi desta forma
incisiva e simples que o Papa Francisco se dirigiu aos milhares de
participantes no ‘jubileu dos catequistas’, que decorreu, no passado domingo,
em Roma, integrado no ano da misericórdia.
= Atendendo às mais
diversas advertências com que o Papa nos vem conduzindo, nestes três ano e meio
de pontificado, poderemos considerar que esta expressão – ‘cegueira da
indiferença’ – pode ser muito mais do que um conceito moral ou religioso, para
se poder tornar uma faceta por onde podemos ler a nossa sociedade e as mais
diferentes situações em que vivemos. Com efeito, tem vindo a crescer uma
indiferença impressionante nos múltiplos campos da atividade humana, podendo
esta como que vir a tornar-se desumana tal é a indiferença com que nos tratamos
e até somos tratados.
Se quiséssemos usar
uma imagem tirada das lides do campo e do trato com alguns animais, poderíamos considerar
que temos vindo (ou têm-nos vindo) a pôr umas certas talas – em certos círculos
diríamos: antolhos – que condicionam a nossa visão do mundo e dos outros,
reduzindo a nossa capacidade de ver, reduzindo-a ao que queremos como que ver…Esta
espécie de cegueira reduz a nossa essência humana, desumanizando-a.
= Com que facilidade
vem sendo desenvolvido um razoável servilismo cultural, onde algumas ‘modas’ de
pensamento são protegidas e outras formas de viver menosprezadas. Normalmente o
que é privilegiado é do âmbito do hedonismo, senão explícito ao menos tácito:
desde o incentivo ao epicurismo até às formas mais bizarras de ‘viver a vida’,
vamos assistindo a uma tentativa de desconstrução dos valores pessoais e
sociais alicerçados no cristianismo... tudo numa programação e execução mais ou
menos concertada com uma comunicação social promotora e servidora desses
ideais.
Quem duvidará que a
onda de telenovelas e de reality shows, de literatura cor-de-rosa ou de
escândalos ‘encomendados’, de regalias e de ofertas... não passam, afinal, de
sinais dessa cegueira da indiferença, pois o que interessa é exaltar o ‘eu’ em
detrimento do ‘tu’, pois a cultura do ‘nós’ não tem espaço nem significado...
Aqui se insere a batalha (sem quartel nem tropas) contra o casamento e,
sobretudo, o matrimónio entre um homem e uma mulher... ao contrário da
exaltação da ideologia de género e da descarada influência do lóbi gay e afins!
= Mesmo quando se
tenta abordar a ajuda – simples, fixada ou institucional – aos mais
desfavorecidos podemos descortinar tentáculos de setores onde a visão
personalista da pessoa humana nem sempre conta ou está claramente presente.
Nota-se uma razoável proliferação dumas certas ‘carraças’ sociais, que vão
desenvolvendo o seu papel à custa da fraqueza alheia. Tais intervenientes
pululam desde a área política (governativa ou autárquica), passando pelo setor
(dito) sócio-caritativo da intervenção das Igrejas, sem esquecer alguns dos
reivindicativos do sindicalismo e mesmo dos partidos políticos. Esta cegueira
da indiferença faz com que as pessoas só pareçam ser números e não rostos e
histórias de vida... sofrida e necessitada de compaixão e de misericórdia.
Porque ainda
acreditamos nalguma réstea de bondade das pessoas, das famílias e das
instituições, gostaríamos de auspiciar que todos sejamos capazes de exorcizar a
indiferença do nosso coração, da nossa mente e, sobretudo, da nossa vida... do
dia-a-dia.
António Sílvio Couto
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