Nas
reações aos vários discursos, mas sobretudo ao que foi preferido pelo
presidente da república, no parlamento, dizem que voltou um certo abrilismo.
Isso mesmo dizem que se refletia no habitual desfile nas ruas de Lisboa… Para
além do dia de sol, que uma boa parte aproveitou para passear, ir até à praia,
descontrair… viver o feriado da liberdade!
Uns
dizem que se notava uma certa descrispação. Outros olharam para trás – quarenta
e dois anos – e tentaram ver o caminho percorrido. Alguns lançaram questões
sobre o presente e vêem-no mais sorridente. Outros tantos tentam descortinar no
futuro algo que, por ser ainda nebuloso, os faz temer o que virá. Uma boa parte
do país viveu o feriado ao ritmo do ‘nada fazer’…para além da exibição do cravo
vermelho, enquanto outros – dizem que é um quinto da população geral –
preferiam o tempo do antes do de 25 A… talvez estes tenham andado a trabalhar
nas lides agrícolas, aproveitando para fazer umas coisas no campo e nas hortas,
mas como não apareceram na televisão não contam para esse dito espírito de
abrilismo!
= Eis
algumas questões que tento elencar, sem preferir ordem, mas tão-somente
apresentar aspetos duma certa complexidade à portuguesa:
- Que é,
então, esse abrilismo de que falam?
- Haverá
donos, senhores e administradores desse espírito?
- A
democracia só funciona se for a minha e não quando é a dos outros?
- Onde
começa a mudança no entendimento do abrilismo: no conteúdo, na forma ou na
prosápia?
- Ainda
viveremos (ou até quando) sob a tutela das forças militares? Eles não terão
contas a prestar pelos desvarios permitidos e fomentados, tanto na Europa como
nos outros continentes?
- Haverá
um 25A de esquerda – e só esse vale – e outro de direita, que tem de se
envergonhar daquilo que pensa e faz?
- 42
anos depois só houve abrilismo quando a (dita) esquerda governou?
- Este
abrilismo que tem de utópico ou pode ser realista com as dificuldades atuais e
futuras do país?
- Foi
pedido, no discurso do PR, realismo ao governo e humildade à oposição… Não
poderão (ou deverão) ser invertidos os pedidos aos mesmos sujeitos?
= Colocadas
estas perguntas não podemos deixar de considerar que a revolução de há quarenta
e dois anos foi importante para a recuperação de valores essenciais de toda a convivência
humana, tais como: liberdade, democracia, saúde, trabalho, educação, segurança,
participação, etc.
Mas será
que estes valores terão ainda lugar neste neo-abrilismo? Com efeito, a
liberdade exige responsabilidade e dessa vemos falar muito pouco e talvez ainda
menos vivenciar no trato das pessoas umas com as outras. Liberdade não é só
fazer o que me apetece, é, sobretudo, assumir aquilo que devo, tanto pessoal
como socialmente. Com que facilidade se condiciona a liberdade dos outros,
bastará que só tenham emprego ou sejam promovidos os que são da mesma cor
partidária, seja no governo em geral, seja nas autarquias. Será que não temos
nada a corrigir? Nota-se uma razoável falta de humildade em quem governa (tenha
a cor que tiver), pois a ditadura do poder tem tentáculos muito subtis… Quem
não os sentiu ainda?
Fala-se
de saúde, de trabalho, de segurança, de educação… como se fossem os pilares do
‘estado social’, mas depois não se dá condições para que não haja subterfúgios
para que os afilhados sejam protegidos e os enteados preteridos! Tentam-se
criar mecanismos de compensação para com os desfavorecidos, mas não vemos a
correspondente aposta na formação para o trabalho… O papel dos sindicatos está
desfasado no tempo, pois nem sempre a reivindicação é só o melhor caminho para
a luta… Enquanto virmos ‘profissionais’ do sindicalismo a reclamar sem não
trabalharem no posto de trabalho que tinham há décadas, será pregar sem
praticar o que se diz aos outros!
= Se o
abrilismo voltou, gostaríamos que regressasse o encanto da fraternidade e o
sonho duma sociedade mais justa, sem discriminações nem protecionismo de grupo
ou de partido. Portugal merece melhor!
António
Sílvio Couto
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