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sexta-feira, 16 de agosto de 2024

Celebrações de outras eras e procissões católicas

 

Nos tempos mais recentes temos visto proliferarem propostas de ‘celebrações’ – culturais ou religiosas, sociais e lendárias – de eras pré-cristãs ou pelo menos de confronto com manifestações públicas religiosas como as procissões e outros eventos de índole cristã mais ou menos tradicional.

Certas propostas foram buscá-las aos arcanos mais ancestrais, rebuscando aspetos que alguns julgavam ‘batizados’ pelo verniz cristão. Seria mal avisado se tentássemos meter todos os casos na mesma orientação, mas que há ‘acontecimentos’ que nos devem fazer refletir, inegavelmente.

1. Trazer à liça o cortejo viking ou a ‘braga romana’, misturar feira medieval com anteriores momentos de outros lugares da Europa ou mesmo fazer desses eventos culturais de superior qualidade a tudo quanto cheire a religioso/católico. Podemos – sem qualquer teoria da conspiração ou da perseguição – interrogar-nos pela recetividade, a afluência popular à mistura com largos proventos económicos para as autarquias envolvidas.

2. Diversas festas pagãs têm vindo a ser trazidas à memória coletiva numa orquestrada movimentação de subalternizar celebrações religiosas cristãs, algumas delas recauchutadas com tiques de cristianismo, mas, de verdade, nunca por nunca vividas no sentido das coisas do Evangelho. Não foi isso que sentiu São Martinho de Dume no confronto com a religião dos suevos? Não seria, hoje, pertinente voltar às publicações do arcebispo de Braga, enquadrando e dando compreensão atualizada dos nossos ‘erros e falhas coletivas’? Se ao tempo se questionava a catequese dos rudes, hoje deveremos desconfiar da catequização dos urbanos…

3. Os cultos celtas ou anglo-saxónicos ligados à Terra e aos ciclos solares e lunares, foram sendo aveludados por práticas cristãs mais ou menos cristianizadas, como o Natal (solstício do inverno, no polo norte), o São João (solstício do verão, também no polo norte) ou até aos ritmos de colheitas, numa visão ruralista da vida pessoal e coletiva… emergem, hoje, pela mão e a filosofia de mentores da ‘new age’ e com larga difusão nos meios de comunicação social, mais ávidos desse passado obscuro do que na vivência dos valores cristãos menos esclarecidos.

4. Choca-me sobremaneira que haja tantas pessoas – ditas teoricamente cristãs – que delirem com certos desfiles de ‘romas antigas’ ou de ‘desfiles de vikings’, por entre monumentos cristãos, cujos mentores foram martirizados pelos perseguidores romanos de antanho. O sangue então derramado não clama por coerência desses pretensos católicos, que participam, posteriormente, nas procissões com as suas imagens engalanadas? Não haverá por aí muita ignorância caldeada com oportunismo de autarcas e comissões de festas? Qual é o senhor a quem servem: o da festa neopagã ou o da fé testemunhada e, hoje, celebrada?

5. Por muito que alguns, em certas regiões do país, lhes custe que se lhes diga, há ainda festas e rituais festivos que se enraízam em cultos ancestrais e quase idolátricos: refiro ao que concerne à religião do touro, nas diferentes espécies e intervenções. Culturas como a mesopotâmica, grega, romana ou a egípcia o touro é um animal sagrado, não esquecendo ainda o pensamento celta, onde o touro era extremamente viril e, portanto, simbolizava a fertilidade e o poder de procriar, que era sinónimo de extensão da vida. Decorridos tantos séculos de cristianismo por que resistiram certas ‘culturas’ nesta bolha de ‘endeusamento’ teórico, porque na prática o touro é explorado?

6. Urge que as procissões católicas sejam mais dignas na forma e no conteúdo do que certas manifestações politico-sindicais. Expliquem-se as imagens dos santos e santas, faça-se um plano de renovação das procissões, seguindo uma linha de evangelização e não de mero desfile – como infelizmente se vê – de vaidade em ostentação. Desabituemo-nos do ‘já feito’ ou da mera ‘tradição’ e encontremos modos de renovar estas manifestações públicas de fé com sinceridade e sentido novidade. Se tivéssemos em conta que as procissões são dos poucos momentos de religião de tantas pessoas…saberíamos vivê-las melhor cristamente!



António Sílvio Couto

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