Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



quarta-feira, 28 de agosto de 2024

Livros em feira… pessoas e questões

 

No mesmo dia em que fui adquirir novas estantes para organizar os livros comprados, tive a oportunidade de visita a ‘feira do livro’, no Porto. Num determinado momento dei comigo, essencialmente, a observar as pessoas que deambulavam pelos jardins do palácio de cristal. Deixei a quase centena e meia de stands e fixei-me nas pessoas – novos e velhos, crianças e adultos, no masculino e muito mais no feminino – comparando-as com as de outras paragens, sobretudo da região do ‘vale do Tejo’, bem diferentes destas de Ribadouro…

1. Anotei a observação de quem me acompanhava: tanto esforço para fazer um livro e depois é vendido a dois euros… Referia-se às razoáveis três dezenas de stands de vendedores de livros usados, alfarrabistas e exemplares em maré de saldo. De vez em quando passava alguém com sacos de compras, num misto de interesse ou de ritual de visita ao recinto da sua devoção.

2. Detive-me a observar algumas jovens teenagers com largos calhamaços à inglesa com capas luzidias, mas cujo conteúdo, sei de outras partilhas, cheirando a exoterismo, procurado ou induzido. Parecia que já andavam a seguir certos escritores/as e as suas artimanhas, numa convivência que pode ser atrativa, mas perigosa. Com efeito, hoje, como no passado, o que é proibido ou menos recomendado torna-se mais sedutor e, porque não, fascinante. Antes eram coisas de teor sexual, agora parecem ser mais os temas do foro psicológico e nas franjas do espiritual.

3. Houve tempos em que os responsáveis – sociais e religiosos, eclesiais e moralistas – se preocupavam com aquilo que as pessoas viam na televisão e a influência desta sobre os comportamentos das pessoas. Se atendermos aos dados disponibilizados, hoje, uma ínfima minoria de jovens vê televisão – há não muito tempo ouvi uma referência à percentagem de cinco por cento – ou segue os ditames desta. Uma quase totalidade anda pelas redes sociais, mesmo para se sentirem informados. Dá a impressão que muita coisa mudou e demasiado depressa. Será que o percebemos?

4. Recordo a conversa de um governante ao tempo, há cerca de quarenta anos, quando um grupo de alunos de uma escola onde estava quis dele ouvir algumas impressões da sua área da juventude. Ao que ele referia que brevemente (nessa época) iremos ter acesso a milhentos canais de televisão e as pessoas ouvirão o que lhes dissermos, mas verão o que quiserem, mesmo sem a nossa concordância. Ao que ele reportava como importante: têm – dizia-o relativamente à Igreja católica – de saber educar para os valores e critérios. É isso a que hoje somos desafiados sem-apelo-nem-agravo…

5. Deixamos, neste contexto, um excerto da carta do Papa Francisco sobre o papel da literatura na educação: «Ao contrário dos meios audiovisuais, onde o produto é mais completo, e a margem e o tempo para “enriquecer” a narrativa ou para a interpretar são geralmente reduzidos, o leitor é muito mais ativo quando lê um livro. De certo modo, reescreve-o, amplia-o com a sua imaginação, cria um mundo, usa as suas capacidades, a sua memória, os seus sonhos, a sua própria história cheia de dramatismo e simbolismo; e assim surge uma obra muito diferente daquela que o autor pretendia escrever. Uma obra literária é, portanto, um texto vivo e sempre fértil, capaz de falar de novo e de muitas maneiras, capaz de produzir uma síntese original com cada leitor que encontra. Este, enquanto lê, enriquece-se com o que recebe do autor, mas isso permite-lhe, ao mesmo tempo, fazer desabrochar a riqueza da sua própria pessoa, pois cada nova obra que lê renova e expande o seu universo pessoal» (n.º 3).

Urge, por isso, dar passos que cimentem os conhecimentos e façam com que cada um de nós saiba pensar pela própria cabeça, sentir com o seu coração e agir numa vontade educada e forte.



António Sílvio Couto      

terça-feira, 27 de agosto de 2024

‘Demeure’ – fofamente modesto?

 


Os meios digitais vão introduzindo novas palavras, umas vezes de forma rápida, noutros momentos num contexto apelidado de viral e em muitos casos cunhando novas formas de entender o meio em que vivemos ou a forma de nos relacionarmos.

Há dias encontrei uma dessas palavras – um anglicanismo de complexa tradução – ‘demeure’, um termo que significa ser fofo ou contido. A palavra é usada para definir coisas, pessoas, um jeito de ser, agir ou se vestir. Na tradução para o português, a expressão pode ser entendida como “modesto”.

1. Tentando encontrar a origem deste termo conseguimos encontrar a seguinte descrição: uma criadora de conteúdos publicou um vídeo numa rede social explicando como se veste e se maquilha para ir para o trabalho de forma muito ‘demeure’ ou seja, muito modesta e discreta. Essa forma de dizer e de fazer conquistou milhões de visualizações e gerou milhares de comentários, sendo, posteriormente, aplicado este termo ‘demeure’ nas mais díspares situações e ocorrências…

2. Num tempo em que boa parte das pessoas se deixa guiar pelas modas e se tornam quase subalternas de outras personalidades, poderemos encontrar, nesta circunstância, algo que nos possa fazer refletir sobre tantas coisas que vemos, vivemos e sentimos… Efetivamente, hoje, estamos numa sociedade em que rapidamente uma banalidade se pode tornar um assunto muito falado, por vezes, por razões pouco abonatórias ou difundindo-se – dizem que de forma viral, como se fosse um vírus contagiante – com tal velocidade que o criado (coisa ou assunto, tema ou ridículo, caso ou escândalo) ultrapassa o criador (autor sem rosto nem identidade).

3. Estamos, assumidamente, numa encruzilhada cultural senão mesmo civilizacional, pois, aquilo que antes era uma suspeita tornou-se, com facilidade, uma afirmação, onde o visado não consegue defender-se, dado que não sabe quem o ataca ou até difama, na medida em que o recurso à subtileza dos perfis falsos no campo da comunicação gera mais desconfiança do que aceitação, produz mais dúvida do que correção, atiça mais a difusão de inimizades do que de partilha…Mesmo que se pretenda dar boa impressão para com os outros, com normalidade estamos todos na mira da acusação ao menos tácita ou dissimulada.

4. Recorrentemente é possível encontrar pessoas que exibem nas suas redes tentaculares (ditas) sociais dezenas ou centenas de ‘amigos’, mas, de verdade, são episódios de fachada e não dados credíveis. Como se conta de alguém que tinha na lista de ‘amigos’ do facebook centenas de nomes e, na hora de velório, não estava lá ninguém… Deste modo se pode avaliar a credibilidade de certos dados ou ajuizar (sem julgar) dos critérios da (pretensa) amizade. Quem ainda não caiu na realidade de tudo isto e de pior, vive mesmo nesse mundo virtual, onde a mais pequena ofensa se pode tornar motivo de injúria ou de achaque contra quem menosprezou outrem.

5. Vivemos num mundo frágil e onde as fragilidades – expostas, presumidas ou denegridas – valem mais do que as qualidades pessoais ou alheias. Sente-se que, hoje, as pessoas perderam o respeito por si mesmas e para com os outros. Nota-se que o resguardo – em tempos dizia-se pudor – de si e dos outros deixou de contar. Por isso, a vulnerabilidade das pessoas que, ora se lamuriam, ora se enaltecem, quase sempre sem razão para uma ou outra atitude e comportamento. O tal ‘demeure’, entendido como fofo ou modesto, colhe mais do que a verdade de cada para consigo mesmo e no trato com os demais. Parece que andamos a enfeitar-nos com recursos efémeros e usando os outros como servidores de pundonores agravados.

6. O ambiente está montado para que aquilo que conta é mais a boa impressão/imagem – por vezes falsa e falsificada – do que a honestidade para consigo mesmo e a lealdade para com os outros. Verdade a quanto obrigas!



António Sílvio Couto

sábado, 24 de agosto de 2024

‘Poder’ dos influencers

 

É hoje habitual ouvirmos e lermos referências a uns tais influencers, como se fossem uma nova estirpe de figuras – com maior ou menor projeção social e quase moral – que captam a atenção dos outros e sobre eles têm capacidade de influenciar e como que condicionar alguns (ou muitos) à sua volta. A que se deve esta ‘nova profissão’, que, segundo dizem, rende milhões? Como podemos ser manipulados por eles, mesmo sem nos darmos conta? Não andarão a vender um produto fictício – atendendo à área

de intervenção dir-se-á virtual – faturando à custa de ignorantes?
1. Se consultarmos dados para sabermos quem são e o que fazem esses tais influencers, podemos encontrar uma espécie de definição descritiva da sua função/tarefa. Um digital influencer é um (pretenso) profissional que produz conteúdo na internet, sendo capaz de influenciar a sua base de seguidores a partir do seu comportamento e envolvendo o dia-a-dia; os produtos que consome; a sua forma de ver o mundo; os acontecimentos que tenham gerado popularidade para a pessoa. O influencer pode estar presente em uma, duas ou várias redes sociais. Essa escolha quase sempre é pensada após refletir sobre o público-alvo do influenciador.

2. O que faz um influencer? Depois de entender as atribuições gerais do influenciador é hora de saber, na prática, o que faz um digital influencer. De forma geral, nos apoiamos numa espécie de analogia que diz: essas pessoas funcionam como uma espécie de vitrina. Promovem produtos e marcas e despertam o desejo da audiência, que pode fechar negócio instantaneamente ou demorar um pouco mais. Isso vai depender do produto e do conteúdo veiculado.

A criação de conteúdos, na maioria dos casos, é o que faz com que uma pessoa “comum” se possa tornar influenciadora. E o conteúdo pode ser no formato de vídeo, foto ou conteúdo escrito. O tema do conteúdo provavelmente sofrerá variações de acordo com o nicho a que se dirige…

3. Perante estas considerações quanto à personalidade do influencer podemos perceber um pouco melhor que tudo isto é resultado do tempo do digital em vivemos, na medida em que é neste meio que emerge, floresce e viceja quem tenta usar os seus truques para com os outros, por vezes, ludibriando-os e manipulando-os que vinga nos seus intentos. A questão centrar é a de colocarmos nesses ditos influencers uma tal confiança que eles se tornam capciosamente mentores de uma religião sem santos nem dogmas mas com muitos gurus, fabricados à medida das necessidades de cada um.

4. Tudo isto não passa de uma religiosidade à la carte, onde cada qual se serve da espiritualidade que lhe convém, desde que não tenha exigências nem crie condicionamentos ao sucesso pessoal. Depois do tempo em que os santos/as eram apresentados como modelos de vida e propostas de seguimento comunitário, agora vemos as mais díspares sugestões de religião, mesmo que tal conceito não apareça nas entrelinhas dos influenciadores. Na grande catedral sem teto nem altares da internet vemos pulular propostas onde cada um se serve como deseja e não paga qualquer tributo nem dá esmola…

5. Estes desafios que são colocados ao cristianismo não nos podem fazer ignorar que a mensagem do Evangelho continua atual, precisando de ser traduzida em linguagem e com ferramentas adequadas às pessoas deste tempo. Depois da comunicação através da imprensa, posteriormente pela rádio e também pela televisão, agora estamos na era do digital, com as redes sociais e a panóplia de meios onde cada um se serve do que lhe interessa ou dá resposta às suas questões. Não adianta transmitirmos – isto é, ligar a dar o que se faz no espaço religioso – pelo facebook ou outra forma de emissão, a missa e outros atos religiosos, senão soubermos enquadrá-los na linguagem e segundo as formas dessa comunicação… Seria como jogarmos uma partida de futebol num campo de ténis ou no green de golpe… A cada conteúdo a forma mais adequada!

Temos, ainda hoje, muito a aprender nos métodos de ensino de Jesus!



António Sílvio Couto



quarta-feira, 21 de agosto de 2024

Oniomania – na sociedade de consumo ou de desperdício?

 


A compulsão por compras, chamada de consumismo compulsivo ou, cientificamente, como oniomania, é um transtorno psicológico que tende a ser sinal de carências e de dificuldade nos relacionamentos interpessoais. Este fenómeno carateriza-se por pessoas que compram muitas coisas, nalguns casos desnecessárias, podendo isso revelar problemas emocionais graves e devendo essas pessoas procurar alguma forma de tratamento.

Segundo os especialistas, esse problema afeta mais as mulheres do que os homens e tende a aparecer por volta dos dezoito anos de idade.

1. Quais os principais sintomas de oniomania? Eis alguns dos aspetos a ter em conta (a nível pessoal e/ou social) como sintomas de oniomania: comprar itens repetidos, esconder as compras da família e amigos, mentir em relação às compras, recorrer a empréstimos bancários ou na família para compras, descontrole financeiro, fazer compras com o objetivo de lidar com as angústias, tristezas e preocupações, sentimento de culpa após compras, mas que não impede de comprar novamente.

Atendendo a esta caraterização poderemos considerar que muitas pessoas que são consumistas compulsivas compram na tentativa de terem sensação de prazer e de bem-estar e, dessa forma, consideram as compras como uma espécie de remédio para as tristezas e frustrações. Por isso, a oniomania pode passar muitas vezes desapercebida, só sendo notada quando a pessoa deixa manifestar graves problemas financeiros…



2. Não será que vivemos, mais ou menos, numa oniomania coletiva não assumida, embora suficientemente praticada? Não andaremos a rotular de consumismo isso que nos faz entrar, inadvertidamente, numa sociedade do desperdício camuflado e quase inconsciente? Até que ponto não vivemos mais na aparência em não-assumirmos os nossos defeitos do que em aceitarmos e corrigirmos a crescente onda de materialismo prático e consentido? Não sofremos todos desta subtil doença?



3. Por diversas vezes no tempo do seu pontificado, o Papa Francisco nos tem advertido para a promoção e a vivência da ‘cultura do descarte’, em muitas situações apresentada como a ‘cultura da indiferença’ para com os outros. Em tempos houve quem caraterizasse esta atitude de quase desprezo pelos outros como a ‘sociedade chiclete’, isto é, do mastiga-e-deita-fora, pois já não tem mais préstimo nem valor, dado o uso senão mesmo abuso. Agora como que vivemos na onda daquilo que antes era exceção, mas se tornou normalidade e do modo de ser e de estar. De facto, empanturramo-nos com coisas materiais, muitas delas sem valor nem qualidade, para vivermos ao ritmo daquilo que todos fazem e assim vivem…



4. Nesta sociedade neocapitalista com laivos de marxismo de Estado, vamos sentindo como normal o excesso de coisas, desde a mais tenra idade: as crianças são educadas no esbanjamento de tudo e de mais que lhe possam dar, mesmo sem pedirem. Com que facilidade se deixa desperdiçar comida, sem fazer olhar para quem – mais perto ou mais longe – não tem o essencial. Quem não terá já visto crianças a jogarem como se fosse uma bola com pão. Quem não fez ou permitiu que fizessem pequenas birras só porque não se gosta de uma comida e se prefere outra, mesmo que seja menos adequada. Com que facilidade se troca de telemóvel só para estar na moda do mais recente e pretensamente melhor…



5. Haverá, então, espaço para a mentalidade da poupança e do aferrolhar para o dia de amanhã? Não andaremos mais na vertigem de tudo querer-sem-olhar-a-meios, mesmo que isso possa hipotecar o futuro? Como se concilia a capacidade de compra com a necessidade de poupar das pessoas e das famílias? Certas políticas de ‘estado social’ não serão mais propícias à oniomania do que à sugestão de poupar, pois não se sabe o futuro? A geração de Portugal na União Europeia (desde 1986) não decapitou os que aprenderam a poupar nos tempos da segunda guerra mundial? Será que já esquecemos as lições do ‘bloco de leste’ caído em 1989? A sociedade ocidental e a Europa em particular correm sérios riscos. Ainda não o vimos?



António Sílvio Couto

sexta-feira, 16 de agosto de 2024

Celebrações de outras eras e procissões católicas

 

Nos tempos mais recentes temos visto proliferarem propostas de ‘celebrações’ – culturais ou religiosas, sociais e lendárias – de eras pré-cristãs ou pelo menos de confronto com manifestações públicas religiosas como as procissões e outros eventos de índole cristã mais ou menos tradicional.

Certas propostas foram buscá-las aos arcanos mais ancestrais, rebuscando aspetos que alguns julgavam ‘batizados’ pelo verniz cristão. Seria mal avisado se tentássemos meter todos os casos na mesma orientação, mas que há ‘acontecimentos’ que nos devem fazer refletir, inegavelmente.

1. Trazer à liça o cortejo viking ou a ‘braga romana’, misturar feira medieval com anteriores momentos de outros lugares da Europa ou mesmo fazer desses eventos culturais de superior qualidade a tudo quanto cheire a religioso/católico. Podemos – sem qualquer teoria da conspiração ou da perseguição – interrogar-nos pela recetividade, a afluência popular à mistura com largos proventos económicos para as autarquias envolvidas.

2. Diversas festas pagãs têm vindo a ser trazidas à memória coletiva numa orquestrada movimentação de subalternizar celebrações religiosas cristãs, algumas delas recauchutadas com tiques de cristianismo, mas, de verdade, nunca por nunca vividas no sentido das coisas do Evangelho. Não foi isso que sentiu São Martinho de Dume no confronto com a religião dos suevos? Não seria, hoje, pertinente voltar às publicações do arcebispo de Braga, enquadrando e dando compreensão atualizada dos nossos ‘erros e falhas coletivas’? Se ao tempo se questionava a catequese dos rudes, hoje deveremos desconfiar da catequização dos urbanos…

3. Os cultos celtas ou anglo-saxónicos ligados à Terra e aos ciclos solares e lunares, foram sendo aveludados por práticas cristãs mais ou menos cristianizadas, como o Natal (solstício do inverno, no polo norte), o São João (solstício do verão, também no polo norte) ou até aos ritmos de colheitas, numa visão ruralista da vida pessoal e coletiva… emergem, hoje, pela mão e a filosofia de mentores da ‘new age’ e com larga difusão nos meios de comunicação social, mais ávidos desse passado obscuro do que na vivência dos valores cristãos menos esclarecidos.

4. Choca-me sobremaneira que haja tantas pessoas – ditas teoricamente cristãs – que delirem com certos desfiles de ‘romas antigas’ ou de ‘desfiles de vikings’, por entre monumentos cristãos, cujos mentores foram martirizados pelos perseguidores romanos de antanho. O sangue então derramado não clama por coerência desses pretensos católicos, que participam, posteriormente, nas procissões com as suas imagens engalanadas? Não haverá por aí muita ignorância caldeada com oportunismo de autarcas e comissões de festas? Qual é o senhor a quem servem: o da festa neopagã ou o da fé testemunhada e, hoje, celebrada?

5. Por muito que alguns, em certas regiões do país, lhes custe que se lhes diga, há ainda festas e rituais festivos que se enraízam em cultos ancestrais e quase idolátricos: refiro ao que concerne à religião do touro, nas diferentes espécies e intervenções. Culturas como a mesopotâmica, grega, romana ou a egípcia o touro é um animal sagrado, não esquecendo ainda o pensamento celta, onde o touro era extremamente viril e, portanto, simbolizava a fertilidade e o poder de procriar, que era sinónimo de extensão da vida. Decorridos tantos séculos de cristianismo por que resistiram certas ‘culturas’ nesta bolha de ‘endeusamento’ teórico, porque na prática o touro é explorado?

6. Urge que as procissões católicas sejam mais dignas na forma e no conteúdo do que certas manifestações politico-sindicais. Expliquem-se as imagens dos santos e santas, faça-se um plano de renovação das procissões, seguindo uma linha de evangelização e não de mero desfile – como infelizmente se vê – de vaidade em ostentação. Desabituemo-nos do ‘já feito’ ou da mera ‘tradição’ e encontremos modos de renovar estas manifestações públicas de fé com sinceridade e sentido novidade. Se tivéssemos em conta que as procissões são dos poucos momentos de religião de tantas pessoas…saberíamos vivê-las melhor cristamente!



António Sílvio Couto

terça-feira, 13 de agosto de 2024

Qual o significado de certas aligeirezas no luto?

 

Marcante de uma cultura assaz rural, conheci pessoas (de família e não só) que viveram em luto permanente, pesado e quase tortuoso desde que algum familiar morrera…sobretudo as mulheres que vivenciaram o luto para o resto da vida, no caso do defunto ser o marido… Hoje, horas decorridas sobre a morte de um (pretenso) ente querido, tudo roda na mesma, sem qualquer sinal de constrangimento – pelo menos exterior – e surfando a onda da leveza, assim parece, exteriormente.

1. Não pretendo fazer qualquer juízo nem do tempo do luto prolongado nem agora do luto aligeirado, antes tentar entender os tempos e com isso ajudar-me a perceber os seus sinais. Dirão alguns mais conservadores das razões das coisas e, porque não, de uma certa religiosidade da vida: afinal a morte consta da vida, mas é uma rutura com os vivos e isso traz sofrimento, dor e ferida. Certas visões tétricas da existência conseguiam manter algum domínio sobre as consciências, servindo mesmo um Deus triste e de morte, isso poderia ser ainda o ganha-pão dos ministros da Igreja, alicerçada mais no funerário do que no gozo da vida e das suas incidências. Será que isto explica o sacudir do tempo de velório – espaço usado para recordar (rezar também) quem partiu e ajudar os que ficaram a refletir sobre a sua vida – a rapidez das ‘cerimónias’ fúnebres – quando as há – e com a mais recente difusão do recurso à cremação? Em menos de vinte anos ao sul do Tejo dois terços dos funerais – segundo as agências funerárias a operar no terreno – deixaram de ir para o cemitério para seguirem, em muitos casos, do hospital para o crematório… Foi isso que vimos e vivemos na pandemia e deixou fortes implicações nos comportamentos das pessoas no seu dia-a-dia de trato com a morte e o luto.

2. De facto, a privatização e o anonimato da morte está aí introduzida na nossa cultura: hoje quase ninguém morre na sua casa, antes num hospital, sem haver quem aconchegue o moribundo e, em muitas das situações, num quase desprezo de tudo e de todos. A frieza de um papel a comunicar o falecimento de alguém quase se tornou um rito sem marca humana. Por vezes tem mais cobertura e propaganda a perda de um cão ou de um gato, ditos de ‘estimação’ do que uma comunicação do falecimento de uma pessoa! Isto será tanto mais grave quanto as pessoas não se advertiram ainda que estão a semear para elas mesmas o que fazem, por agora, aos outros: alguém gostará de vir a morrer só e abandonado? Se até aos animais se dá o mínimo de conforto nas horas de maior sofrimento – eles sentem-no, bem o sabemos – porque descuidarmo-nos entre os humanos?

3. Nitidamente não teremos feito tudo e o essencial, ao nível da Igreja católica para que este processo não tivesse ganho as proporções que já sentimos. Felizmente se vai despojando do sentido terrífico a referência ao sacramento da Unção dos doentes, em certas épocas visto mais como se fosse o carimbo derradeiro para a viagem final. Despojamos um tanto a carga emocional, mas será que lhe demos a força de sacramento de cura e de vida? Torna-se urgente – e talvez imprescindível – que os próprios padres sejam fiéis recetores e não meramente ministros deste sacramento da Igreja. Muita coisa mudaria, de verdade!

4. Regressando ao tema do luto, ele é necessário, compreensível e humanamente essencial. A capacidade de enquadramento da perda de alguém tem etapas e precisa de tempo. Se soubéssemos entender o itinerário que a Igreja católica propõe para as celebrações ‘rituais’ de defuntos – funeral, sétimo dia e primeiro mês – haveríamos de cuidar daqueles que participam nestas propostas, que nos apontam para um ritmo psicológico e espiritual bem claro e consistente. Deveria ser mais avisado este caminho, podendo ser ainda acompanhado ao nível técnico com a devida regularidade.

5. O processo de luto é integral: envolve a pessoa toda e toda a pessoa…



António Sílvio Couto

sábado, 10 de agosto de 2024

Qual é a pressa?

 

Neste tempo dito de férias como que impressiona a pressa – velocidade, rudeza e mesmo falta de educação – de alguns dos nossos contemporâneos. Alguns são residentes por cá todo o ano, outros deslocam-se em férias ao torrão-natal e tantos ainda aproveitam para por aqui passarem o seu tempo de pretenso descanso. Por vezes a pressa nas intenções esbarra na lentidão dos serviços, tantos são os que estão de férias e não houve diligente atenção em dar continuidade ao essencial e necessário.

1. Pode parecer um caso de fulanização, mas é real: uma máquina de lavar roupa avariou; dizem que, no ato de compra, é dada assistência ao produto; no entanto, não foi dito que, se fosse no verão, os prazos de resolver a ocorrência não têm cumprimento…Assim, decorridas hora de tentativa telefónica foi apontada que a solução teria de esperar a possibilidade de um técnico, até porque se está em tempo de férias e houve um problema informático (boa desculpa recorrente para ludibriar quem espera) a agravar a não-possibilidade de assistência. Aqui a pressa anda pelo contraste justificativo…na lentidão e nas desculpas.

2. O que leva tantas pessoas a andarem em registo de pressa? Será esse um movimento interior ou meramente exterior? Não haverá, em certas circunstâncias das pessoas, uma tendência em quererem dar um ar de atarefadas e com isso parecer que tocam muitas tarefas, embora superficialmente? Nalguns setores da vida e da sociedade – dizemo-lo mesmo do campo da Igreja e na expressão da fé – não seria mais convincente menos pressa e mais ponderação? Até onde pode ir a menos boa capacidade de acolhimento numa pessoa que se apresenta como muito atarefada e sob o signo da pressa?

3. Recorrendo a sabedoria popular, encontramos o seguinte adágio: ‘depressa e bem, há pouco quem’. Quererá isto dizer que a pressa é inimiga da qualidade e que esta exige ponderação, bom senso e discernimento. Não será ainda um aviso ao pretenso improviso à portuguesa, onde o desenrascanço faz mais do que a capacidade de saber fazer bem? Todos sabemos – mais ou menos por experiência – que temos uma capacidade (quase) inata para, à última da hora, fazer com que as coisas e mesmo as palavras pareçam fluir, sem que outros sem aperceberam da habilidade…

4. Cada vez mais nada funciona sem programação simples e objetiva, delineando as etapas a percorrer, as ferramentas a utilizar, os objetivos a atingir, prevendo o mais possível as contrariedades pessoais e de grupo. O epíteto que nos é dado, na Europa, de que os ‘portugueses são bons trabalhadores’ vem-nos de nos inserirmos em sociedades organizadas e com pouco recurso ao improviso, de empresas onde todos sabem a sua tarefa e não andam à deriva e fazendo fora das competências de cada um. Este esquema é exatamente lutar contra a pressa no pensar e no agir. A calendarização do que se pretende executar faz parte do combate à pressa, muitas vezes, sem nexo nem da avaliação das consequências.

5. Centro a atenção no setor da Igreja, particularmente na vida das paróquias. Quantas vezes podemos ver (real ou exageradamente) os responsáveis atarefados, correndo de um lado para o outro, julgando dar resposta às questões que lhe são colocadas, nalguns casos fora do lugar devido e em tempo e horas desadequadas. Desde logo deveria haver um princípio: coisas sérias tratam-se de forma séria e sensata, sem discussões nem palavras atropeladas. Deve haver a buscar de soluções, dialogando entre todas as partes. Quem perceber que tem diante de si um interlocutor que não se deixa condicionar pela pressa, aprenderá a ver as questões pelo bem comum do que pela satisfação de alguma das partes intervenientes. Dizer a verdade e só a verdade tornará um apressado nalguém que refreia os seus ímpetos…

6. [Se estiver confuso, pare e ore!] Pois Deus não é Deus de desordem, mas de paz (1 Cor 14,33a).



António Sílvio Couto

quinta-feira, 8 de agosto de 2024

A quem interessa prolongar programas de lixo?

Ao longo do ano vemos que muitos programas televisivos são vazios de conteúdos e de propostas dignas de elevarem a humanidade: são vazios, feitos na base do logro, não passando de lixo na forma e no aproveitamento que deles podemos fazer. São verdadeiramente o que há de mais asqueroso da nossa sociedade e com influência na nossa cultura popular…

1. Há canais que arranjam aliciantes, sob a forma de serem concursos, almejando, no final, prémios fortemente chorudos, mesmo que à custa da intriga, da maledicência, dos jogos entre as pessoas, numa aculturação pelo medíocre de tudo e de todos. Os concorrentes não são mais jovens ou adolescentes como noutras épocas, hoje são homens e mulheres que se expõem ao ridículo e à ridicularização. Teoricamente desempenham papéis que uma organização – dita produção – anónima (mas suficientemente conhecida) usa e abusa para que haja audiências, sobretudo nas horas de maior atenção do público, o dito ‘prime time’. Uns brincam com os sentimentos e os compromissos do casamento, outros desfiam interpretações do mundo do futebolês; uns tantos fazem de conta de vivem uma vida vigiada, embora mais pareça um teatro com atores de má qualidade; nalguns canais passam concursos feitos à medida de raramente atingir o topo da vitória; anos a fio entram-nos pela casa dentro programas com dezenas de anos em exibição, onde a tentativa de ganhar se mistura com a sageza de fazer contas na plateia; boa parte destes programas acontecem em canais (ditos) abertos, embora se esmiúcem as razões noutros que são pagos…

2. Várias questões se podem colocar perante esta panóplia de programas: quem paga e quem ganha? Por que se estende este produto no tempo e no espaço, numa forma quase acrítica? Não estaremos a formatar um povo quase cultura só vê cifrões numa luta sem tréguas nem quartel? Não se nota já que pessoas deixaram de ser atendidas na sua mínima dignidade para que se concretize a pretensão de ficar rico a baixo preço ou insignificante custo? O consumo destes programados não obedecem a um plano propositado de confusão de valores e de critérios ético/morais?

3. Algo seria aceitável se não víssemos que, ainda não terminou um programa, já se lançam os desafios para outras experiências, em bastantes casos com as mesmas figuras e mais uns pozinhos de novo: os mais polémicos, que dão audiências, tornam-se as personagens benquistas. Esta onda banalidades percorre a maioria dos países da cultura ocidental, deixando-nos a sensação de que algo é suficientemente perigoso para que nos mantenhamos calados, pois o silêncio pode significar concordância e aceitação de todo este projeto melindroso, embora efetivo.

4. Outros fatores contribuem para que coisas de somenos se tornem ‘factos’ de grande projeção nas redes sociais. Às vezes custa a acreditar como certas futilidades se tornam comentadas nos mais díspares espaços, onde o disparate não tem rédeas nem a inconsequência mental é assumida. Os ditos ‘influencers’ pagos por bastas quantias, são os que fazem ser ou desaparecer por inutilidades ditas ou escritas. Noutras épocas chamava-se a estas figuras, comentadores, agora urdiram uma palavra estrangeira para recorrer à capacidade de lançar uma apreciações e com isso querem dar a entender que outros seguem os que eles/elas pretensamente dizem… Pobre sociedade que se deixa manipular por tais mentores!

5. Cada vez mais é urgente saber escolher os programas de entretenimento. Embora muitas pessoas já recorram aos serviços da internet, as televisões ainda são quem mais é democrático, porque de acesso a todos e com condições não muito dispendiosas. Seria útil e necessário que a Igreja consiga dar formação para os critérios de escolha e de seguimento dos programas televisivos (e não só): sem teor moralista, mas com ética; sem paternalismo, mas com sabedoria; sem querem vender o seu produto, mas ajudando a escolher…



António Sílvio Couto

segunda-feira, 5 de agosto de 2024

Autoestima – qualidade ou desafio?


O tema da autoestima tem vindo a aparecer na linguagem e no comportamento pessoal e social dos nossos dias. Se bem que possa ser entendido como uma espécie de exagero do conceito que cada tem de si mesmo, envolve uma visão da pessoa na linha da afirmação (ou depreciação) do eu perante os outros, correndo o risco de efabular o ego, por entre melindres e até pundonores… Que há de relevante no tema da autoestima para a fé cristã? Como conciliar autoestima e pecado?

1. O que é a autoestima? Autoestima é a qualidade que pertence ao indivíduo satisfeito com a sua identidade, ou seja, uma pessoa dotada de confiança e que se valoriza a si mesmo: cada pessoa faz uma avaliação subjetiva de si mesma, enumerando as suas qualidades e os seus defeitos. A autoestima é a qualidade de quem se valoriza e aprecia o seu modo de ser, expressar e viver, transmitindo confiança nas suas ações e decisões… Algumas correntes de pensamento e de comportamento consideram que a autoestima é algo fundamental para o bem-estar emocional e a qualidade de vida…

2. Segundo uma psicóloga haverá seis sinais de baixa autoestima que podem passar desapercebidos: autocrítica constante, várias inseguranças, evitar desafios, dependência emocional, comparação excessiva, isolamneto social... Esta meia dúzia de sinais poderia, desde logo, levar-nos a refletir, mesmo que sejam vertentes menos positivas da autoestima. Com efeito, este tema da autoestima pode ser visto por diferentes perspetivas, desde que possam ajudar na maturidade psicológica de cada um. Ao longo da nossa vida temos diversas etapas que nos fazem (ou podem fazer) crescer humana, psicológica e espiritualmente.

Não será difícil de entender que a autoestima, correta e salutarmente vivida, é um elemento constituinte da nossa maturidade e mesmo maturação. Com efeito, à medida que crescemos, construímos uma ideia de quem somos. A autoestima é a maneira como nos vemos e como nos sentimos em relação a essa imagem. . Se nossa autoestima é positiva, nos sentimos bem connosco mesmos. Se nossa autoestima é desvalorizada, sentimo-nos mal connosco mesmos.

3. Uma questão prática e sensível: como pode e deve um cristão lidar com este tema da autoestima? De facto, mesmo as publicações de índole católica como que nos têm invadido com múltiplos títulos de autores mais conhecidos ou em fase de afirmação. Haverá compatibilidade ou não com a doutrina católica – sobretudo no tema do pecado, da graça e da salvação? Será a autoestima uma espécie de resquício subtil da ‘nova era’, como visão holística da pessoa e do mundo? Falar ou ignorar o tema da autoestima ajuda, faz refletir ou aliena? Como temos, cristamente falando, tratado e cuidado deste tema da autoestima nas questões pessoais, familiares, sociais e eclesiais?

4. Olhemos agora para a consonância – possível e/ou necessária – da autoestima com a dimensão do pecado, colhendo nos textos sagrados citações que nos podem ajudar a aprofundar esta relação. Desde logo o tema aparece-nos difuso. Nas palavras de Jesus nos evangelhos, encontramos a seguinte recomendação: «Não se vendem cinco pássaros por duas pequeninas moedas? Contudo, nenhum deles passa despercebido diante de Deus. Mais ainda, até os cabelos da vossa cabeça estão contados. Não temais: valeis mais do que muitos pássaros» (Lc 12, 6-7). São Paulo deixa-nos também algumas propostas de vida: «Em virtude da graça que me foi dada, digo a todos e a cada um de vós que não se sinta acima do que deve sentir-se; mas sinta-se preocupado em ser sensato, de acordo com a medida de fé que Deus distribuiu a cada um» (Rm 12,3)… E para o relacionamento com Cristo, Salvador e Senhor: «Se alguém está em Cristo, é uma nova criação. O que era antigo passou; eis que surgiram coisas novas. Tudo isto vem de Deus, que nos reconciliou consigo por meio de Cristo e nos confiou o ministério da reconciliação. Pois foi Deus quem reconciliou o mundo consigo, em Cristo, não imputando aos homens os seus pecados, e pondo em nós a palavra da reconciliação». (2 Cor 5,17-19). O tema da autoestima é vasto e exigente…



António Sílvio Couto

sexta-feira, 2 de agosto de 2024

Num país de migrantes e de turistas

 



Neste jardim à beira-mar plantado nota-se que há duas vertentes humanas e sociais, económicas e culturais que polarizam a nossa vida coletiva: somos um país de migrantes – milhões que saíram e outros milhões que vieram – numa dose atropelada de tantos outros que nos procuram como turistas, reais ou em trânsito para outras paragens bem mais apelativas, ricas e modernizadas.

1. Desde a aventura das descobertas no século quinze que temos sido uma nação em movimento endógeno (dentro do próprio país) e exógeno (para outros continentes e acentuadamente para a Europa): temos a saga de partir e o condão de ir à procura de condições mais favoráveis de vida. Sejam quais forem os dados ditos e credíveis andaremos por mais de cinco milhões fora da fronteiras, disseminados onde menos possa ser previsível. A força de sair conseguiu trazer novos conhecimentos, rasgar horizontes, gerar nova economia e quase fazer dos emigrantes alguém que fez movimentar o país com recursos sempre novos e quase sempre aproveitados por forças políticas que tinham a visão fora da ditadura das coisas estatais.

2. Desde o início do milénio que fomos sendo atrativos para outros povos e culturas, desde a África à América Latina e passando mais recentemente pela Europa do norte e de leste, sem esquecer (nos últimos dez anos) o extremo Oriente…ultrapassando a fasquia de um milhão de pessoas. Não fossem essas novas forças de trabalho e o país estaria em crise de matéria-prima para laborar senão mesmo num mais acentuado inverno demográfico e de quase colapso dos serviços de segurança social.

3. A escapatória mais significativa para não cairmos num fosso de défice económico-cultural tem sido a vaga de turistas que nos invade com a exceção dos anos da pandemia: muitos dos proventos das nossas parcas empresas têm vindo do turismo nas suas mais diversificadas componentes, onde o sol e a simpatia já não vendem o produto…

O turismo é uma atividade económica fundamental para a geração de riqueza e emprego em Portugal e os dados turísticos de 2023 reafirmam essa importância. Em 2023, o setor do turismo ultrapassou os níveis pré-pandemia nos principais indicadores da procura (+10,0% nas dormidas; +10,7% nos hóspedes; +18,9% nas receitas turísticas), batendo novos recordes. Foram registados 30 milhões de hóspedes dos quais 18,3 milhões estrangeiros, o que representa um aumento de 13,3 % e 19,1%, respetivamente, em relação a 2022.

4. Nesta fase da nossa história coletiva é essencial, para além de um diagnóstico sério, sereno e sensato, uma boa capacidade de vermos quais são os investimentos culturais dos migrantes (os que partem e os que chegam) e dos turistas, pois, podemos, de forma fácil e inconsequente, deitar tudo a perder, se fizermos de conta que estas forças de vida produzem frutos sem cuidarmos das razões e se só nos ativermos às consequências. Num mundo aberto e interrelacionado um pequeno descuido poderá deixar marcas irreversíveis. Temas como a segurança ou a proteção na saúde, referências aos valores sociais e à necessária capacidade de acolhimento, propostas diversificadas para além do mero lazer e da gastronomia, correção no trato e verdade nas políticas de habitação… poderão ser itens de boa promoção daquilo que somos e de quanto queremos ‘vender’…lealmente.

5. Mais do que produtos de índole material temos de saber apresentar outras facetas da nossa cultura, rica em temas ligados à natureza, às iniciativas de caráter espiritual, sem reduzir ao religioso tradicional de ‘festas e romarias’, mas também à descoberta de vivências de idiossincrasia multifacetada e sem rebusco de matérias cristãs. Temos um largo e longo leque de propostas que precisam de serem trabalhadas em sincronia com todos os intervenientes. Certamente que migrantes e turistas terão muito a ganhar, se todos forem atores e não meros consumidores. Queira Deus que todos remem para o mesmo lado!



António Sílvio Couto