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terça-feira, 31 de outubro de 2023

Sê quem tu quiseres’ – qual o significado?

 


Quando li esta frase – ‘sê quem tu quiseres’ – andei a cogitar por várias horas. Ela pode proporcionar aspetos positivos, mas também criar confusões ou suscitar dimensões menos boas, senão mesmos negativas. Ela pode ser um slogan, mas também poderá comportar desafios e envolver mistérios pessoais e sociais. Ela pode referir-nos coisas de bem e, porque não, insinuar comportamentos desviantes...

1. Fui em busca da origem mais recente desta frase – ‘sê quem tu quiseres’ – e encontrei a referência à nova insígnia com o lema do triénio 2023-2026 do corpo nacional de escutas em Portugal, onde cada escuteiro é desafiado a definir o que quer ser, para onde quer seguir e que caminho quer percorrer. Aqui se acentua, em sumário, a componente do ‘querer’, certamente essencial, mas que pode não ser o mais importante numa etapa pedagógica e em fases de crescimento e maturidade da pessoa.

2. Coloquemos (hipotéticas ou reais) situações em que esta frase – ‘sê quem tu quiseres’ – pode conter, em primeiro plano, aspetos positivos na vida das pessoas, isto é, casos em que o querer pode e deve ser alicerce e força de conduta na hora da afirmação da vontade: quando alguém deseja atingir um objetivo de melhorar a sua vida (seja em que nível for); quando se tenta ultrapassar questões de limitação humana e social; quando para atingir os fins se procura desenvolver os meios adequados, corretos e proporcionais; quando mais do que tropeçar nas dificuldades (interiores ou exteriores) se procura construir algo de benéfico e salutar...

3. Ao nível religioso (e de algum modo filosófico) podemos encontrar uma expressão que, de certa maneira, consubstancia a ideia subjacente àquela frase – ‘sê quem tu quiseres’ – que se designa de ‘livre-arbítrio’. Este consiste na capacidade que cada pessoa tem de escolher as ações e qual o caminho que quer seguir, na liberdade de opção de cada um.

Diz-nos o Catecismo da Igreja Católica: «A liberdade é o poder, radicado na razão e na vontade, de agir ou não agir, de fazer isto ou aquilo, praticando assim, por si mesmo, acções deliberadas. Pelo livre arbítrio, cada qual dispõe de si. A liberdade é, no homem, uma força de crescimento e de maturação na verdade e na bondade. E atinge a sua perfeição quando está ordenada para Deus, nossa bem-aventurança» (n.º 1731). Será que agimos de forma livre, segundo Deus? Será que de Deus acolhemos a sua liberdade para sermos livres n’Ele? Não será que, na maior parte das vezes, não somos livres na linguagem de Deus e do seu Espírito santo em nós?

4. No entanto, esta frase – ‘sê quem tu quiseres’ – não poderá induzir em erro quem pretenda ‘impingir’ a pretensa ideia de que a dimensão afetivo-sexual teria uma possibilidade de cada querer ser o que lhe convenha? Isso não afetaria a linguagem e os comportamentos a contento do freguês ou à la carte? Não teremos neste âmbito ético/moral algo que está a resvalar para uma certa libertinagem, que terá, em breve, consequências mais graves do que as que advertimos? Não seria avisado que tais propostas devessem ser escrutinadas, atendendo às mais díspares insinuações, com boa-fé?

5. Ñum tempo de razoável relativismo ético como que se torna urgente ser sagaz – outra forma de dizer prudente – para que frases como a que temos vindo a analisar não tenham (nem possam ter) interpretações menos adequadas ou até subliminares. Mesmo que tentando uma explicação e um enquadramento mais ou menos aceitável, será preciso que os projetos de pessoas e de associações contribuam para a informação-formação-maturidade de todos e de cada um. Não sei se foi totalmente o caso em apreço...

6. «’Tudo é permitido’ mas nem tudo é conveniente. ‘Tudo é permitido’, mas nem tudo edifica. Ninguém procure o seu próprio interesse mas o dos outros» ( 1 Cor 10,23-24).



António Sílvio Couto

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