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quinta-feira, 19 de outubro de 2023

270 medidas de combate à pobreza – ilusão ou propaganda?

O ‘nosso’ governo acabou de aprovar e de divulgar uma estratégia nacional de combate à pobreza. São 270 ‘medidas’a concretizar em dois horizontes temporais: 2022-2025 e 2026-2030. Se o primeiro já vai atrasado na calendarização, o segundo estará para fora da legislatura desta governança. Apesar de audacioso tentemos esmiúçar o conteúdo, ao menos, do mais próximo no tempo.

1. O Plano de Ação está organizado por seis eixos estratégicos: reduzir a pobreza nas crianças e jovens e nas suas famílias; promover a integração plena dos jovens adultos na sociedade e a redução sistémica do seu risco de pobreza; potenciar o emprego e a qualificação como fatores de eliminação da pobreza; reforçar as políticas públicas de inclusão social e promover e melhorar a integração societal e a proteção social de pessoas e grupos mais desfavorecidos; assegurar a coesão territorial e o desenvolvimento local e, por último, fazer do combate à pobreza um desígnio nacional.

Note-se os verbos empregados para apresentar estas medidas: reduzir, potenciar, reforçar, promover e melhorar, assegurar, combater... Apesar de serem verbos fortes não sabemos – desde visto em iniciativas anteriores – se serão empenhativos e capazes de passarem de propostas de papel, portanto, de mera propaganda de entreter...

2. Segundo dados mais ou menos fiáveis, à data deste ano, haverá, em Portugal, 1,7 milhões em risco de pobreza ou de exclusão, correspondendo a 20% da população, isto é, um em cada cinco corre este perigo. Mais dados: cerca de dois em cada dez portugueses estão ou em situação de risco de pobreza (com um rendimento inferior a 551€ mensais) ou em privação material e social severa ou vivem em agregados onde se trabalhou em média menos de 20% do tempo de trabalho potencial (intensidade laboral muito reduzida). De salientar ainda que, desde 2015, o perfil dos grupos mais vulneráveis ao risco de pobreza ou exclusão social pouco ou nada se alterou. Em 2022, permaneciam como grupos mais vulneráveis os desempregados (60.1%), seguidos de outras pessoas fora do mercado de trabalho. As mulheres e as famílias com filhos, sobretudo as famílias monoparentais e as numerosas, são as que acumulam um maior risco de pobreza ou exclusão social e maior risco de pobreza monetária.
Olhando para trás – os dados são do início (2015) da governança atual – podemos recolher estes dados, por isso, que garantias nos serão dadas de que as boas intenções, por estes dias anunciadas, não continuarão o flop político-social dejá vu? Como bons vendedores de ilusões vamo-nos entretendo com dados para encher a propaganda...mas outros não fariam (ou farão) melhor!

3. É algo de extremamente complexo querer resolver o problema da pobreza e da exclusão social com medidas de gabinete... e muitas das que foram, por estes dias, apresentadas não passam disso mesmo: medidas de quem não conhece a realidade e que tenta produzir soluções inexequíveis. Neste como noutros campos de atividade social não basta elencar soluções sem conhecer a fundo os problemas e, sobretudo, as pessoas que os vivem, nalguns casos de forma atroz.
Quando se propõe que haja gratuidade de creches e que sejam aumentadas as vagas no pré-escolar à mistura a realização de locais de atendimento e de intervenção social estar-se-á a respeitar a proteção de dados? O plano – ultra determinista – para as várias etapas de idade – crianças, jovens, idosos e trabalhadores – não será um cardápio de meras intenções, que nunca terão qualquer aplicação a curto e médio prazo?

Aqui, como noutros campos de atividade, cabe bem a sugestão de intenções: pouco, prático e possível!

4. Que dizer à pretensão governamental de onerar o imposto único de circulação aos veículos automóveis com matrícula anterior a 2007? Não será isso castigar uma fatia da população mais empobrecida, mesmo que tal compense os cofres estatais? Não será mais uma incongruência de quem diz defender os mais pobres com medidas trovão (muito estrondo e pouco resultado), mas os pisa com impostos diretos e indiretos cegos e anónimos?



António Sílvio Couto

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