Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



segunda-feira, 19 de setembro de 2022

Mais manhoso do que esperto?


 «De facto, os filhos deste mundo são mais espertos do que os filhos da luz no trato com os seus semelhantes» – lê-se em Lc 16, 8. Esta oposição – filhos deste mundo e filhos da luz – como que nos deixa perante algo mais profundo do que um mero juízo ético/moral – bem sei que estes termos são idênticos, mas convém associá-los, não vá alguém fazer deles uma disfunção incorreta – é um traçar de critérios de conduta ou uma orientação quanto aos valores essenciais.

 1. Que tem a ver esperteza com inteligência ou manha com habilidade? Como podemos considerar a esperteza: enquanto habilidade em safar-se ou em sagacidade em desenrascar-se? Não andará este mundo mais guiado por espertos do que conduzido por inteligentes? Até que ponto não são preferidos – em tantas das escolhas em votação ou mesmo na promoção para cargos de responsabilidade – os espertos aos inteligentes? Não andará espalhada uma preferência pela artimanha, desde a mais simples até à mais subtil?

 2. Expliquemos os termos. ‘Esperto’: perspicaz, arguto, astuto, astucioso, sagaz, ardiloso, hábil... ‘Manhoso’: que tem manhas, malicioso, feito com manha, matreiro... ‘Inteligente’: capaz, competente, talentoso, eficiente... Por vezes, estas palavras são usadas como se fossem sinónimas umas das outras, podendo confundir-se esperto com manhoso ou inteligente; manhoso com esperto ou inteligente; inteligente com esperto senão mesmo manhoso...

 3. Vejamos, agora, situações em que será preciso não confundir as coisas nem atribuir qualidades positivas onde o que se verifica são aspetos negativos, necessitados de correção, associando a denúncia de casos, de momentos e de ‘figuras’ que podem tentar armar-se em espertos para, na sua manha, disfarçarem a parca inteligência. Com relativa frequência vemos uns tantos espertos usarem de manha para ascenderem na promoção entre os seus pares e/ou concorrentes. Com alguma regularidade podemos questionar certas figuras que aparecem do nada e se põem a mandar ‘bitaites’ – termo popular para referir opiniões, palpites ou comentários – como se fossem peritos (expertos) na matéria. Quais minhocas em terreno húmido vemos outros tantos a serem promovidos nos partidos políticos, nas autarquias, nos espaços da Igreja, na vida social, etc. Onde não foi o mérito que tal permitiu, mas antes a habilidade feita manha ou a esperteza elevada à categoria de mando...

 4. Seria bom avisar os mais distraídos de que o ‘sucesso’ só se encontra antes de ‘trabalho’ no dicionário, na medida em que o ‘t’ está depois do ‘s’, isto é, precisamos de trabalhar muito, bem e organizadamente para obtermos aquilo que poderemos considerar razão ou consequência do sucesso. Com efeito, para sermos exorcizados de tantos incompetentes elevados à categoiria de manda-chuva, é urgente sermos conduzidos pelo mérito e não pela manha ou a esperteza mais ou menos reinante em tantos dos campos de atividade do nosso tempo e – porque não – da nossa terra!

 5. Algo de preocupante vemos crescer nos nossos dias: quem tem qualidades, quem tem mesmo perfil para certos lugares e funções excusam-se de os ocuparem, pois seria equivalente a colocarem a sua vida a ser esquartejada pelas mais diversas razões e, nalguns casos, em tempos bastante recuados. Não será esta uma artimanha dos manhosos e/ou expertos incompetentes para assim não terem concorrência e, deste modo, se eternizarem nos lugares...mesmo que indevidamente?

É um facto: temos o que merecemos. E não será que merecemos o que temos?      

 

António Silvio Couto

Sem comentários:

Enviar um comentário