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segunda-feira, 4 de abril de 2022

Soldados romanos: rudeza desculpável?


Os soldados um tanto insensíveis a Jesus como que se divertem com as provocações que lhe fazem... Quantas vezes Jesus é menosprezado por ignorantes sobre a sua identidade e a sua divindade.

«36 Os soldados também troçavam dele. Aproximando-se para lhe oferecerem vinagre, 37 diziam: «Se és o rei dos judeus, salva-te a ti mesmo!» 38 E por cima dele havia uma inscrição: «Este é o rei dos judeus» (Lc 23, 36-38).

Depois da sensibilidade humana, espiritual e cultural das mulheres como que somos confrontados com outras atitudes bem mais agrestes e quase-insensíveis, por parte dos soldados e não só.
Aqui entra um aspeto nem sempre incluído de forma clara no processo da paixão de Jesus: os momentos de troça, em que Jesus é escarnecido ou mesmo agredido (física, psicológica e espiritualmente)…em diversas circunstâncias, por vários intervenientes e com diferentes significados. Jesus é troçado ou escarnecido pelos trocistas que passavam, quando foi crucificado e O provocavam a descer da cruz – cf. Mc 15, 29-30; pelos membros do sinédrio, ‘salvou os outros e não pode salvar-se a si mesmo’ – cf. Mt 27, 42-43; por um dos salteadores, crucificado com Ele – cf. Lc 23, 39 (1).
Fixemos a nossa atenção nos soldados romanos e, para além da troça com que maltrataram Jesus, os textos dos evangelhos incluem um elemento que pode acrescentar ainda mais à rudeza para com Jesus. Como recordo neste ponto uma observação de um professor de cristologia, há mais de quatro décadas, quando falávamos da sensibilidade ultra-fina de Jesus, dada a sua divindade, que nos referia que qualquer pequena ofensa ou indelicadeza teria em Jesus um agravo ainda maior, tal era a sua delicadeza humana, tanto psicológica como espiritual!
Dizem os textos que, para atenuar as agruras do sofrimento, lhe ofereceram: ‘vinagre’ (Lc 23, 36b); ‘vinho misturado com fel’ (Mt 27, 34); ‘vinho misturado com mirra’ (Mc 15, 23); ‘ensopando o vinagre na esponja fixada num ramo de hissopo, levaram-lha à boca’ (Jo 19, 29) (2). Ora, a complementar este gesto de alguma ‘compaixão’ para com aquele condenado, aparece esse outro de razoável rudeza que é o despojamento e as sortes deitadas sobre as suas vestes. A divisão das roupas por parte dos soldados parecia ser algo corrente quase como um direito dos carrascos (cf. Jo 19, 23-24), mas a túnica foi sorteada e não dividida…
Neste contexto onde estão inseridos os soldados romanos encontramos várias das palavras de Jesus na Cruz: ‘Pai, perdoai-lhes porque não sabem o que fazem’ (Lc 23,34);
‘Meu Deus, meu Deus porque me abandonaste?’ (Mt 27, 46; Mc 15, 34);
‘Tenho sede’ (Jo 19, 28);
‘Tudo está consumado’ (Jo 19, 30)…
«Quando chegou a Hora em que cumpriu o desígnio de amor do Pai, Jesus deixa entrever a profundidade insondável da sua oração filial, não só antes de livremente Se entregar («Abbá... não se faça a minha vontade, mas a tua»: Lc 23, 42), mas até nas suas últimas palavras já na cruz, onde orar e dar-Se coincidem: «Perdoa-lhes, ó Pai, pois não sabem o que fazem» (Lc 23, 34); «em verdade te digo: hoje estarás comigo no paraíso» (Lc 23, 43); «Mulher, eis aí o teu filho» [...] «eis aí a tua mãe» (Jo 19, 26-27); «tenho sede!» (Jo 19, 28); «meu Deus, por que Me abandonaste?» (Mc 15, 34) (56); «tudo está consumado» (Jo 19, 30); «Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito» (Lc 23, 46), até ao «grande brado» com que expira, entregando o espírito» (3).

1. Cf. Joseph Ratzinger/Bento XVI, Jesus de Nazaré – da entrada em Jerusalém até à Ressurreição, pp. 172-174.
2. Ao ser apresentada aos condenados uma bebida inebriante, a junção de fel tornava-a intragável. Mt põe em evidência a consciência e liberdade de Jesus (Sl 69,22) - Nota a Mt 27,34 na Bíblia Sagrada (dos capuchinhos). Vide Joseph Ratzinger/Bento XVI, Jesus de Nazaré – da entrada em Jerusalém até à Ressurreição, pp. 178-179.
3. Cf. Catecismo da Igreja Católica, 2605.


António Sílvio Couto

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