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sábado, 16 de abril de 2022

Nicodemos - José de Arimateia: servos assumidos

 


São dois discípulos saídos do seio dos responsáveis da religião judaica, que agora nos aparecem a cuidar do ‘corpo morto de Jesus’, dando-Lhe sepultura, mas que não será túmulo...para sempre. Nicodemos e José de Arimateia funcionam como que elementos de transição entre a religião judaica e o cristianismo…

«38 Depois disto, José de Arimateia, que era discípulo de Jesus, mas secretamente por medo das autoridades judaicas, pediu a Pilatos que lhe deixasse levar o corpo de Jesus. E Pilatos permitiu-lho. Veio, pois, e retirou o corpo. 39 Nicodemos, aquele que antes tinha ido ter com Jesus de noite, apareceu também trazendo uma mistura de perto de cem libras de mirra e aloés. 40 Tomaram então o corpo de Jesus e envolveram-no em panos de linho com os perfumes, segundo o costume dos judeus. 41 No sítio em que Ele tinha sido crucificado havia um horto e, no horto, um túmulo novo, onde ainda ninguém tinha sido sepultado. 42 Como para os judeus era o dia da Preparação da Páscoa e o túmulo estava perto, foi ali que puseram Jesus» (Jo 19, 38-42 // Mt 27, 57-61; Mc 15, 42-47; Lc 23, 50-56).  
Como podemos conferir os quatro evangelhos canónicos todos se referem a este gesto de sepultamento de Jesus, protagonizado por estes dois discípulos de Jesus, mesmo que às escondidas. Eles são figuras marcantes e, ao mesmo tempo, proféticas pelos sinais que realizam para com Jesus.

* Quem era Nicodemos?
Nicodemos - cujo nome significa: aquele que vence com o povo - foi um fariseu, membro do Sinédrio, mestre da Lei, que, segundo o Evangelho de São João, mostrou-se favorável a Jesus, diríamos, mais pela inquietação intelectual do que pela sensibilidade religiosa, pois nunca se assumiu - nos textos a que temos acesso - declaradamente discípulo de Jesus. Aparecem-lhe três referências neste mesmo evangelho: na primeira, visita Jesus uma noite para ouvir seus ensinamentos (cf. Jo 3, 1-21); na segunda, afirma a lei relativa à não-detenção de Jesus durante a Festa dos Tabernáculos (cf. Jo 7, 45-51); e na terceira, após a crucificação, em que ajuda José de Arimateia na preparação do cadáver de Jesus para o sepultamento (cf. Jo 19, 39-42).

* Quem era José de Arimateia?
José de Arimateia - assim referido por ser de ‘Arimateia’, cidade da Judeia  - foi, segundo os Evangelhos canónicos, um homem rico e membro do Sinédrio, que era discípulo de Jesus, mesmo que secretamente (cf. Mt 27, 57) e que não tinha concordado com os planos do conselho em condenarem Jesus (cf. Jo 19,38), mas que não se pronunciou por medo dos judeus. José tinha já mandado escavar um sepulcro novo na rocha, possivelmente para si e para a sua família, mas onde sepultará Jesus (cf. Mt 27,60; Mc 15, 46). Sabemos ainda que José de Arimateia tinha alguma influência sócio-política, junto de Pilatos, pois foi ele quem reclamou o corpo morto de Jesus para lhe dar sepultura condigna.

Nota-se que, por ocasião da morte de Jesus, surgem estes dois personagens de entre o povo simples - desde os intervenientes nos evangelhos da infância, passando pelos discípulos de Jesus na sua vida pública - e de um certo nível cultural e mesmo de entre o espaço religioso mais bem cotado (1). Ora, assim ase compreende que Nicodemos e José da Arimateia procurem de algum modo ultrapassar uma prática dos romanos de deixarem os corpos dos supliciados por crucifixão sem sepultura (2), cumprindo, pelo contrário, os costumes dos judeus de dar sepultura aos mortos (3). De salientar ainda que os textos bíblicos sobre o sepultamento dão-nos informações interessantes sobre o modo de o fazer e como aconteceu concretamente com Jesus.
Vejamos alguns aspetos do sepultamento de Jesus: foi sepultado num túmulo novo, no qual ainda ninguém tinha sido sepultado (cf. Mt 27, 60; Lc 23, 53; Jo 19,41), na véspera da celebração da Páscoa judaica. Tal como o jumento, que Jesus montou na entrada em Jerusalém, não tinha sido montado por ninguém (cf. Mc 11,2), assim a exclusividade do sepultamento. Jesus foi envolvido num lençol (cf. Mt 27,59; Mc 15, 46) ou em ‘panos’ (cf. Jo 19, 40)...com unguentos e perfumes. No entanto, fica-nos no ar uma expetativa deixada pela presença de algumas mulheres (cf. Mt 27, 61; Mc 15, 47), que terão na manhã do primeiro dia da semana e terão a grande surpresa…
«Pela graça de Deus, ele experimentou a morte, para proveito de todos» (Heb 2, 9). No seu plano de salvação, Deus dispôs que o seu Filho, não só «morresse pelos nossos pecados» (1 Cor 15, 3), mas também «saboreasse a morte», isto é, conhecesse o estado de morte, o estado de separação entre a sua alma e o seu corpo, durante o tempo compreendido entre o momento em que expirou na cruz e o momento em que ressuscitou. Este estado de Cristo morto é o mistério do sepulcro e da descida à mansão dos mortos. É o mistério do Sábado Santo, em que Cristo, depositado no túmulo, manifesta o repouso sabático de Deus depois da realização da salvação dos homens, que pacifica todo o universo» (4).

1. «Entre as autoridades religiosas de Jerusalém, não somente se encontravam o fariseu Nicodemos e o notável José de Arimateia, discípulos ocultos de Jesus, mas também, durante muito tempo, houve dissensões a respeito d’Ele ao ponto de, na própria véspera da paixão. João poder dizer deles que «um bom número acreditou n’ Ele», embora de modo assaz imperfeito (Jo 12, 42); o que não é nada de admirar, tendo-se presente que, no dia seguinte ao de Pentecostes, «um grande número de sacerdotes se submetia à fé» (At 6, 7) e «alguns homens do partido dos fariseus tinham abraçado a fé» (Act 15, 5), de tal modo que São Tiago podia dizer a São Paulo que «muitos milhares entre os judeus abraçaram a fé e todos têm zelo pela Lei» (At 21, 20)» - Catecismo da Igreja Católica, 595.
2. Os romanos não se preocupavam com a sepultura dos cadáveres dos supliciados; entre os judeus, era uma das obras de misericórdia. A lei ordenava que os condenados fossem enterrados antes do pôr do Sol (Dt 21,22-23). Vide nota a Mc 15,43-45. na Bíblia Sagrada dos capuchinhos.
3. Cf. Joseph Ratzinger/Bento XVI, Jesus de Nazaré – da entrada em Jerusalém até à Ressurreição, pp. 186-187.
4. Cf. Catecismo da Igreja Católica, 624.


António Sílvio Couto

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