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domingo, 24 de abril de 2022

‘25’…de abril ou de novembro…ou ambos?

 

O dia ‘25’ tem sido alvo de disputa nalguns meios: uns querem que seja realçado em exclusivo o ’25 de abril’ de 1974, enquanto outros preferem que seja celebrado o ’25 de novembro’ de 1975. Nesta exclusão estão subjacentes ideários politico-ideológicos nem sempre conciliáveis. No entanto, uma outra fação não-tão-pequena-assim considera que as duas datas podem e devem ser articuladas, pois se complementam…
Tinha quinze anos e três meses, quando aconteceu o ’25 de abril’ e dezasseis anos e onze meses, por ocasião do ’25 de novembro’… recordo-me, por isso, mesmo que em circunstâncias específicas, de tais momentos da nossa vida social, política e cultural.

1. Os exclusivistas do ’25 de abril’ acham-se – então como agora – donos e senhores da liberdade, enfeitada com cravos vermelhos e sob invetivas contra quem não seja dos seus. O mais grave da questão é que uns/umas lutadores/as daquela exclusividade ainda não tinham nascido à época e querem impor ao resto – qual ditadura de coloração dos cravos – das pessoas a sua forma de pensar, de ser e mesmo de estar. Para quando uma boa dose de bom senso e de democracia, que tanto apregoam, mas, de facto, não praticam? Faltam ainda dois anos para a data redonda de meio século da efeméride e os dentes afiam-se para mais uma conquista enviesada…

2. Soube-se, por estes dias, que o atual presidente da República – jovem-adulto ao tempo da revolução – pretende condecorar daqui a dois anos – na maior parte a título póstumo – todos os membros do dito ‘conselho da revolução’. Uns ortodoxos mais azedos saíram a terreno contestando alguns dos elementos daquele fatídico órgão de gestão nos primeiros tempos da incipiente democracia… pois teriam divergido para outras áreas que não a esfera revolucionária cultivada e – hoje – saudosa. Esses mesmos se esquecem do radicalismo marxista de outros do mesmo ‘conselho’, mas, porque são mais da sua afinidade, passam uma esponja colorida. Mais uma vez se nota que a revolução do ‘25A’ serve para o que serve e usa-se quando convém…

3. Por que há medo de trazer à luz do dia a importância – histórica, política, social e cultural – do ’25 de novembro’? Foi porque foi corrigido aquilo que a deriva marxista do ‘processo revolucionário em curso’ semeou de norte a sul do país e nas ‘províncias ultramarinas’, em cerca de um ano e meio? Por que há uma espécie de esconjuro sobre figuras que não fugiram nem desertaram antes, durante e depois da revolução de abril de 74? Por que há tanto pejo em ver com rigor os crimes, os atentados e as atrocidades revolucionárias anteriores ao ’25 de novembro’? Não foi um dos principais fautores do ’25 de novembro’, o primeiro presidente da república eleito – em 1976, com dois terços dos votos – em democracia?

4. Continuamos a viver, no nosso país, sob a penumbra de certos complexos, alguns deles já exorcizados no resto da Europa e do mundo ocidental, mas aqui continuam resistentes. Será isso, como agora se diz, resiliência ou teimosia na ignorância? Seremos tão obstinados e relutantes à mudança que já nem nos apercebemos do ridículo onde ainda estamos? Por que andamos quase sempre atrasados e com facilidade nos podemos tornar o símbolo superlativo da ridicularização de nunca acertarmos com relógio da história? Quem não conhece a observação algo contumaz: um relógio parado está certo, ao menos, duas vezes por dia…

5. Vindo de quem vem, merece que escutemos a observação.
As plataformas online descobriram que o ‘conteúdo inflamatório e polarizador’ atrai audiências online com dinheiro a ser ganho às custas da democracia, considerou Barack Obama. Nessa linha de prevenção salientou o antigo presidente dos EUA que ‘na competição entre verdade e falsidade, cooperação e conflito, o próprio design dessas plataformas parece estar a inclinar-se na direção errada’. Atendendo aos fenómenos de popularidade de certas redes sociais e aos heróis das mesmas, seria de perguntar se a revolução de ‘25 de abril’, em 1974, teria tido sucesso ou se a reconfiguração do ‘25 de novembro’, de 1975, teria surtido efeito?

António Sílvio Couto

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