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sábado, 9 de abril de 2022

Ladrões (‘bom’ e ‘mau’) crucificados: arrependimento ou revolta?

 


Um diálogo difícil e tenso entre dois condenados à mesma crucifixão…com Jesus. Em qual dos condenados me revejo mais: no revoltado ou no que se arrependeu?

«39 Ora, um dos malfeitores que tinham sido crucificados insultava-o, dizendo: «Não és Tu o Messias? Salva-te a ti mesmo e a nós também.» 40 Mas o outro, tomando a palavra, repreendeu-o: «Nem sequer temes a Deus, tu que sofres o mesmo suplício? 41 Quanto a nós, fez-se justiça, pois recebemos o castigo que as nossas ações mereciam; mas Ele nada praticou de condenável.» 42 E acrescentou: «Jesus, lembra-te de mim, quando estiveres no teu Reino.» 43 Ele respondeu-lhe: «Em verdade te digo: hoje estarás comigo no Paraíso» (Lc 23, 39-43).

Neste diálogo aparece mais uma das ‘sete palavras de Jesus na Cruz’, sendo um texto específico do evangelho de São Lucas. Contemplando este quadro da paixão de Jesus podemos entrar mais humilde e verdadeiramente no nosso processo de conversão, que nunca estará acabado, como podemos ver pelo percurso deste ‘ladrão arrependido’, que consegue ser o primeiro santo a ser canonizado, pelo próprio Jesus, no mesmo dia em que morreu (1).
Reparemos, por momentos, para as atitudes dos ‘dois supliciados’, que enquadram Jesus na crucifixão: um revolta-se, reivindica, insulta: «Não és Tu o Messias? Salva-te a ti mesmo e a nós também» (v. 39). Como que pretende que Jesus subverta a sua missão, salvando a si mesmo e não sendo o salvador dos outros, como diz o seu nome – Jesus: ‘Deus salva’. Estamos num contexto idêntico aos da tentações no deserto, onde Jesus foi provocado a fazer algo em seu favor e não a atender ao bem dos outros…
O outro supliciado toma a atitude contrária: para além de reconhecer o mal que fez, pedindo perdão, coloca Jesus no seu patamar humano, sem pretender igualar-se a Ele, pelo contrário, reconhece que Ele é de uma instância superior, suplicando-lhe que o aceite no seu reino. A este comummente chamamos de ‘ladrão arrependido’
«A segunda palavra de Jesus na Cruz, citada por são Lucas, é de esperança, é a resposta ao pedido de um dos dois homens crucificados com Ele. Diante de Jesus, o bom ladrão toma consciência de si mesmo e arrepende-se, compreende que está diante do Filho de Deus, que torna visível a Face do próprio Deus, e pede-lhe: «Jesus, lembra-te de mim quando estiveres no teu reino» (v. 42). A resposta do Senhor a este pedido vai muito além da súplica; com efeito, Ele diz: «Em verdade te digo, hoje estarás comigo no Paraíso» (v. 43). Jesus está consciente de entrar diretamente em comunhão com o Pai e de reabrir ao homem o caminho para o Paraíso de Deus. Assim mediante esta resposta dá a esperança firme de que a bondade de Deus pode tocar-nos até no último instante da vida, e a prece sincera, mesmo após uma vida errada, encontra os braços abertos do Pai bom, que espera a vinda do filho» (2).

1. O episódio, próprio de Lc, mostra o interesse do Evangelista pelas cenas de conversão (7,36-50; 19,1-10; At 9,1-25; 10; 16,14-15.29-34). Dignidade real com que Jesus aparecerá revestido, como fruto do seu mistério pascal (24,26). Lc põe na boca do malfeitor arrependido uma oração de verdadeiro discípulo. Para os judeus, o ‘paraíso’ tratava-se do lugar onde os justos aguardavam a ressurreição (16,22-31.22). Nota a Lc 23, 40-43, na Bíblia Sagrada dos capuchinhos.
2. Cf. Bento XVI, ‘Audiência geral’, 15 de fevereiro de 2012.


António Sílvio Couto

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