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segunda-feira, 3 de agosto de 2020

Para uma paróquia inclusiva, evangelizada e evangelizadora


«Os diversos componentes que na paróquia se articulam são chamados à comunhão e à unidade. Na medida em que cada um implementa a própria complementariedade, pondo-a a serviço da comunidade, então, de um lado se pode ver plenamente realizado o ministério do pároco e dos presbíteros que colaboram como pastores, de outro lado emerge a peculiaridade dos vários carismas dos diáconos, dos consagrados e dos leigos, para que cada um faça o seu melhor para a construção do único corpo».
Isto é escrito na Instrução da Congregação do Clero: ‘A conversão pastoral da comunidade paroquial a serviço da missão evangelizadora da Igreja’ (n.º 28), servindo-nos de referência ao comentário deste tema da paróquia que desejamos aprofundar.
Tornada pública no final do passado mês de junho, esta Instrução procura ajudar-nos a consciencializar alguns aspetos sobre a paróquia e as suas implicações na vida atual e futura da Igreja católica.  Respigamos algumas ideias do capítulo quinto da Instrução (n. os 27 a 33), fazendo os ‘nossos’ questionamentos, observações e propostas.
- ‘O sujeito da ação missionária e evangelizadora da Igreja é sempre todo o Povo de Deus... a paróquia não se identifica com um edifício ou um conjunto de estruturas, mas sim com uma precisa comunidade de fiéis, na qual o pároco é o seu pastor próprio’ (n.º 27). Nota-se neste documento da Igreja uma certa tensão entre o que se diz de forma estratificada no Código de Direito Canónico e aquilo que as mudanças da vida quase contradizem tal visão mais hermética. Como que colidem a ‘paróquia territorial’ e aquela outra alicerçada mais no âmbito da mobilidade e da era digital - vide diferenciação no n.º 8 da Instrução.
- ‘A paróquia é uma comunidade convocada pelo Espírito Santo’ (n.º 29), tendo como atributos: anunciar a Palavra de Deus, fazer renascer novos filhos na fonte batismal; reunida por seu pastor, celebra o memorial da paixão, morte e ressurreição do Senhor e testemunha a fé na caridade, vivendo em permanente estado de missão. Estes aspetos progressivos e interdependentes fazem da paróquia - citando o Papa Francisco, na ‘Alegria do Evangelho’ (n.º 28) - um espaço aberto à diversidade das situações e capaz de se reformar e de adaptar constantemente...
- Partindo da comparação com o ‘“estilo espiritual e eclesial dos santuários”, a Instrução incentiva a que as paróquias vivam segundo essa proposta (n.º 30), tendo em conta o acolhimento, a vida de oração e o silêncio que restaura o espírito e a celebração do sacramento da reconciliação e a atenção para com os pobres. Esta visão um tanto utópica dos santuários e a sua exemplaridade para as paróquias poderá ser útil, mas não em todos os lugares. Nalguns casos os santuários quase funcionam como refúgios de não-praticantes em maré de devoção...ou aflição.
- Nesse sentido parece abusivo que seja sugerido, na Instrução, considerar que as paróquias devem imitar os serviços dos santuários (n.º 31). Esta proposta um tanto de gabinete deveria ser confrontada com a burocracia das paróquias e a ‘leveza’ de tantos santuários...Que dizer de certas liturgias e das indumentárias seguidas em certos santuários? Veja-se a imitação quase ridícula da ‘estolinha’ atribuída aos ministros extrarodinários da comunhão, difundida a partir de Fátima... aquilo é tudo menos algo digno e sensato, mais parecendo um artefacto de grupos exotéricos!
- ‘“Santuário” aberto a todos, a paróquia, [é] chamada também a alcançar cada um, sem exceção, recorda que os pobres e os excluídos devem ter sempre um lugar privilegiado no coração da Igreja’ (n.º 32). Efetivamente as paróquias recebem, assistem e quase suportam muitos pobres, tanto do setor económico como no vetor humano. Mas será que aos pobres ajudados se faz um verdadeiro anúncio de Jesus? Não andaremos a alimentar na dimensão material e a descurar na perspetiva espiritual?
- ‘Com o olhar dirigido aos últimos, a comunidade paroquial evangeliza e se deixa evangelizar pelos pobres, reencontrando neste modo o compromisso social do anúncio em todos os seus diferentes âmbitos, sem se esquecer da “suprema regra” da caridade em base a qual seremos julgados’ (n.º 33). A dimensão real da caridade precisa de ser exercitada nas paróquias, mas sem esquecermos que da caridade deve emergir o acolhimento da Palavra e a celebração da liturgia. É assim que vivemos? As paróquias não são (nem podem ser) agências de problemas sociais com etiqueta de religioso...

 

António Sílvio Couto

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