Quando
um alto responsável do governo se irrita, levanta a voz – mesmo que possa dizer
depois o contrário – e ameaça, isso é ‘entrar de chancas’ sobre quem se lhe
opõe, critica a sua atuação, vê de forma diferente da sua ou não precisa de
usar truques para ludibriar.
Quando
se fazem propostas para reduzir o ‘desemprego’, trocando funcionários do
turismo para trabalhadores do setor social, isso é ‘entrar de chancas’ à custa
de lavagem de números e/ou de venda de soluções insidiosas.
Quando
se tenta usar todos e mais alguns dos argumentos para fazer uma festa política,
tentando travesti-la de arranjo simbólico para angariar mais uns fundos para a
agremiação, isso é ‘entrar de chancas’ sem reconhecer que os outros já se
aperceberam da manha pelo regime de exceção.
Quando,
afinal, se vai descobrindo que as chancas já não são feitas de tosca madeira,
mas se revestem de finas películas sobre sapatinhos de fivelas –
preferencialmente de marca estrangeira – subvertendo o fabrico nacional… Isso
revela que as chancas dos aldeões têm agora sucedâneas artimanhas na nossa vida
social, política e cultural. As chancas fazem bastante barulho, quando se
caminha com dificuldade…
= Efetivamente
temos visto que o vírus maldito veio alterar o comportamento de tantos dos
intervenientes nos diversos setores da vida pública e mesmo privada. Dá a
impressão que congelou o raciocínio de alguns e fez com que não consigam lidar
com a diferença, pois gerir com menos meios é arte, a que não estavam
habituados nem sabem como se faz. Um tal habilidoso das finanças fugiu cobardemente
porque teria de apertar o cinto e isso ele não consegue nem está preparado para
o desenvolver…Do posto que agora ocupa vê de cima e, possivelmente, se rirá,
escondendo como sempre os dentes, das tentativas de não fazer pior por parte
dos seus sucessores. Os sapatinhos de fivela em que se passeia não passam de
chancas enlameadas em maré de tempestade… para os outros.
=
Diante de certos sinais que vemos já na nossa sociedade, é preciso acordar para
a verdade – coisa que nem todos cultivam – da situação económica, deixando que
nos digam o que se passa sem medo nem aldrabice. Basta de unanimismo, que só
tem favorecido os incompetentes. Basta deste clima anódino em que temos andado
enredados, pois isso essencialmente favorece os oportunistas. Basta de
tentativas de querer calar quem pensa de forma diferente, pois isso revela os
velhos tiques da ditadura. Basta de querer estar de bem com tudo e com todos,
pois essa era a arma dos manipuladores, que queriam o silêncio cúmplice dos
comprados a troco do comer e da diversão.
Dá a
impressão que paira uma nuvem de desconfiança sobre muitas das pazes na nossa
sociedade, pois, nalguns casos, isso é, sobretudo, resultado de que, quem manda
ter na mão a torneira que alimenta tantas das obras sociais no trabalho do
setor social. Com efeito, estamos a pagar a fatura dessa fatídica ilusão de
fazer das paróquias e afins espaços de trabalho na área da economia social. Os
‘elefantes’ – tenham a cor que lhes quiserem dar – foram engordando e as
respostas não conseguiram acompanhar as exigências do tempo… salários e
regalias, contribuições e acordos, subvenções e subsídios… foram crescendo ou
minguando sem que se possa considerar que estamos a salvo de crises eminentes.
= Talvez
tenhamos de fazer mais barulho, batendo com as chancas no soalho da comunicação
social. Talvez se devam denunciar os apertos a que estamos submetidos. Talvez
deva haver mais verdade no trato entre todos os parceiros, não favorecendo os
da mesma cor nem amordaçando quem possa corretamente discordar…
Aos
sapatinhos de fivela está, normalmente, associada uma indumentária e um certo
cheiro a perfume caro. Desta vez parece que a indumentária foi mantida, mas
esqueceram-se de retirar a toscas chancas…senão só no conteúdo, ao menos na
fórmula… E não diz a bota com a pretensão!
António Sílvio Couto
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