Este
fenómeno dos incêndios – sobretudo de verão – para além de uma praga cíclica
comporta algo um tanto verrinoso, pois, em muitos casos, parece estar camuflado
um outro interesse: aparecer a localidade (lugar, freguesia, concelho, povoação,
etc.) nas notícias e pelas piores razões…
Nesta
linha de entendimento pode ir a tendência de uns tantos ‘incendiários’ (já
conhecidos de outras façanhas ou a entrarem no processo) não terem cativado a
atenção das autoridades de forma preventiva, mas que se descobre quase fazerem
parte deste espetáculo em fase de ‘silly season’ …da política
Não
seria mais útil e conveniente para o país censurar (total ou parcialmente) tais
acontecimentos? Não teríamos muito a ganhar se os incêndios não surgissem (tanto
ou nunca) nas notícias? Não arderia muito menos floresta, se houvesse menor
exposição noticiosa, sobretudo em vaga de dramatismo e confusão?
= Apesar
de não haver correlação causa-efeito, não deixa de ser notório que, na maior parte
dos concelhos com área florestal, o responsável da proteção civil costuma ser o
presidente da autarquia. Isso dá-lhe visibilidade em maré de infortúnio, logo
publicidade barata quando for preciso ir mais tarde a votos. Outro tanto se
poderá considerar quanto aos bombeiros: a frota em combate, a mobilização de
meios e de pessoal, a intervenção em ‘teatros’ de operações…tudo isso dá-nos
nota do manancial de investimento… Ainda recentemente um veículo de uma
corporação da cidade-capital do país estava perfilado – como pano de fundo das
intervenções televisivas – a mais de quinhentos quilómetros de distância… Não
haveria outro carro dos bombeiros lá da zona para servir de pano de fundo ao
cenário?
=
Nitidamente as agendas mediáticas – especialmente televisionadas – estão sem
assunto, pois a ver pelo tempo e energias gastos em tantos diretos só pode ser
por falta de matéria para entreter os consumidores noticiosos. Por isso, seguir
a sugestão de censurar a cobertura aos incêndios poderia soar a controlo
consciente e criterioso dos temas a vender através das notícias. Agora que os
‘agentes de informação’ deixaram de ser só os (ditos) jornalistas, poderá
parecer que a sugestão pretende coartar a liberdade de informação…dos pretensos
profissionais. Ora não há maior engano, pois, à semelhança de outros temas –
como o futebol ou as intrigas socioétnicas – não se queira esgotar o limão
todo, espremendo-o sobre a ferida ou o mal-estar social em efervescência…talvez
seja ainda proveitoso guardar uma pequena porção para aliviar as azias de não
conseguirem suplantar os concorrentes.
= Mais
uma vez não temos sabido aprender com os erros do passado, seja das tragédias
de 2017/2018 de dezenas de mortos em incêndios, seja dos acidentes que vem
vitimando, este ano, as forças de socorro, bombeiros e outros intervenientes.
Esperava-se nesta época de ‘covid-19’ que as notícias fossem menos
espetaculares – sobretudo na forma de serem apresentadas – e com maior
contenção. Por momentos parece que nos esquecemos que ainda estamos na primeira
fase desta pandemia…e que ninguém está imune a ser contaminado, infetado ou
vítima. Continuamos a viver com alguma superficialidade, talvez na impressão de
que isso é para os outros.
A
ligeireza com que vemos serem conduzidas as coisas é aflitiva e talvez denote
uma nítida falta de seriedade de tantos que deveriam comportarem-se com mais
responsabilidade, desde os governantes, adiando para mais tarde o que deveria
ser enfrentado agora; os autarcas mais interessados em criarem distrações e
‘festinhas’ do que em explicarem as razões; dos meios de comunicação social
que, enganosa e acintosamente, pretendem mais impingir os seus produtos de
baixa qualidade – big brother, concursos e entretenimentos, discussões e fait
divers do futebolês – a fazerem a sua função de educação e de serviço ao
público…
Levou
anos, mas a quebra das audiência e a queda das vendas publicitárias, fez com
que certos programas (ditos) desportivos saíssem do ar. Não será que, a ver
pelos indícios, as próximas vítimas serão os noticiários, tal a baixeza de
conteúdos e a falta de qualidade para onde caminham?
António Sílvio Couto
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