Decorre
até final deste mês de agosto o programa ‘7 maravilhas da cultura popular’,
numa parceria entre a televisão estatal e algumas empresas particulares, com a
colaboração do público em geral.
Desde
já fique uma declaração de interpretação: se aquilo que conhecemos e em que
participamos é tratado desta forma, o que será possível conjeturar sobre aquilo
em que não participamos e que nem conhecemos minimamente.
Estas
‘7 maravilhas’ colocam-nos diante de, pelo menos, duas correntes mais ou menos
percetíveis na sua configuração. Efetivamente vou cingir-me àquilo que vi, que
senti, que observei e que questiono no contexto da candidatura das ‘7
maravilhas da cultura popular’ no distrito de Setúbal. Vi várias forças (umas
explícitas e outras tácitas) em competição; senti movimentações algo suspeitas;
observei compromissos politico-autárquicos que seriam dispensáveis; questiono
se aquilo que apareceu tem a ver com ‘cultura’ ou se manifesta mais tendências
de um certo ‘poder’ ao nível mais subtil…
Acrescento
que, neste escrito, sigo três aspetos simples: história, memória e
inquietações.
* História – as
‘7 maravilhas da cultura popular’ aparecem na sequência de outras ‘maravilhas’:
do património histórico, 2007; do património português no mundo, 2009; das
maravilhas naturais, 2010; da gastronomia, 2011; das praias, 2012; das aldeias,
2017; à mesa, 2018; dos doces, 2019.
Em
todos estes projetos se notou competição, esmero, qualidade e empenho dos
concorrentes. São milhares de horas de televisão e de tantos outros momentos de
diversão…
* Memória do
caminho das ‘7 maravilhas da cultura popular’, este ano: houve 504 inscritos ao
nível nacional, passando a 471 nomeados até se reduzir o leque a 104
apresentados a votação, sete por distrito. As modalidades envolvidas foram:
festas e feiras, música e danças, artesanato, procissões e romarias,
artefactos, lendas e mitos, rituais e costumes.
Ao
nível do distrito de Setúbal houve quinze nomeados e ficaram sete submetidos a
votação, na sua maioria na modalidade de procissões e romarias (cinco),
artefactos (dois casos) e lendas e mitos (uma situação). Três dos concorrentes
eram do concelho de Setúbal, mais outros três da Moita e um do Montijo.
O
resultado final consagrou a proposta do Montijo sobre Nossa Senhora da Atalaia,
tendo ficado, respetivamente, em segundo e em terceiro lugar, as pinturas
tradicionais em embarcações, da Moita e a festa (procissão) de Nossa Senhora da
Boa Viagem, também da Moita.
* Inquietações – de
tudo quanto me apercebi há aspetos que me deixam algumas inquietações, dúvidas
e questionamentos:
- Foi
demasiado notória a envolvência das autarquias nalgumas candidaturas e até ao serem
apresentadas no programa televisivo. Para além das verbas gastas (direta e
indiretamente), haveria necessidade de termos os autarcas – em três casos foram
os próprios presidentes da edilidade – na linha da frente? Não há nessas
associações envolvidas pessoas capazes de assumirem tais tarefas? O que faz
correr por protagonismo quem deve ser suporte e não se devia fazer agente
(quase) imprescindível?
- Os
cidadãos destas coletividades serão tão menores, que não conseguem viver sem os
subsídios autárquicos recorrentes? Por onde anda a maturidade (dita)
democrática, se é preciso entregar às chefias máximas as tarefas mínimas?
Perante estes episódios talvez não se resolva, a curto prazo, a falência
diretiva de tantas coletividades, associações e agremiações (pretensamente)
cívicas e civilizadas…
- Será
que as iniciativas levadas a concurso escondiam outros interesses, mais do que
culturais? A ver pelos resultados de alguns casos, fez-se uma espécie de
plebiscito à aceitação popular dos projetos?
= Notas
finais: porque acredito nas pessoas e não sou favorável à
subsidiodependência…tolerando alguma ajuda, mas sem cobrança. Porque acredito
que as pessoas crescem e têm de dar provas de maturidade, considero que ainda
somos uma ‘democracia’ demasiado tutelada por outros interesses que não o do
desenvolvimento integral das pessoas. Porque para mim as pessoas não são mera
mercadoria de compra-e-venda, mas antes há valores sem preço nem mais-valias.
Lamento: podemos ter princípios diferentes que dão estas visões
desencontradas…As coisas podem mudar!
António Sílvio Couto
Sem comentários:
Enviar um comentário