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sexta-feira, 13 de setembro de 2019

Viver para comer ou comer para viver?


Foi estribilho publicitário recente: tudo o que se leva desta vida está no…

Embora se possa considerar uma frase algo oca, ela como que resume a vida – existência, trabalho, consumições, energias e sofrimentos – de tantas pessoas, que, desse modo, se vão catapultando para o resto do tempo…neste mundo.

Olhando objetivamente o ‘viver para comer’ é elevado ao extremo na dita ‘tarde do fogareiro’, que ocorre neste dia 13 de setembro (6.ª feira), na Moita. São milhares de pessoas, muitas delas vindas de fora do concelho, que passam quase doze horas a comer e a beber, até que mais não consigam suportar. Por vezes há cenas a roçar o degradante, tal o descontrolo, um certo exagero e até a desproporção entre o razoável e o irracional. Não há a mínima distinção entre homens ou mulheres, seja qual for a idade… tudo parece excessivo, até mesmo o barulho (musical, de convívio ou de confusão), senão mesmo a provocação!

Com mais de uma década de ‘tradição’, este evento da ‘tarde do fogareiro’ foi crescendo em aspetos quase incontroláveis pelas autoridades, gerando-se, assim, um foco de possível conflitualidade, senão em ato, ao menos, em potência. Com efeito, o consumo algo exacerbado de bebidas poderá potenciar conflitos irrazoáveis, notando-se um excesso de pequenos egos, que se vão justapondo uns aos outros, podendo chispar em maré mais acesa ou, sei lá, menos mortiça.

Será que o convívio, a confraternização, a animação têm de revestir esta faceta de exagero? Com tantos sinais de prosperidade, não haverá condicionamentos financeiros – familiares e pessoais – para o resto do mês? Não se terá acendido uma mecha que, crescendo a chama, será muito difícil de controlar? O aumento em número de participantes não terá feito diminuir a qualidade desse tempo de convivialidade? Terá sido acompanhada este acontecimento com ações de civismo perante a difusão deste fenómeno, que precisa de ser estudado com mais seriedade?

Estas e outras perguntas podem surgir quando já está a decorrer mais uma edição da ‘tarde do fogareiro’. No entanto, outros aspetos precisam de ser cuidados para que não estejamos a embarcar em mais uma alienação bem urdida por quem governa e, assim, distrair – ‘com pão e jogos’ – os potenciais descontentes de outros assuntos (mais sérios) da vida. Quem se lembra dos milhões que morrem, hoje, de fome, e nós, aqui, a esbanjar? Quem se lembrará de levantar os olhos para o Alto, tentando discernir o que há (ou pode haver) de civilizado em tudo isto?

De facto, consta que, na fase de decadência do império romano do ocidente, o povo se entretinha em orgias e bacanais. Ora, estas eram celebrações em honra do deus Baco – o deus do vinho – por ocasiões das vindimas. Não estamos nós também na época das vindimas? Tais festas romanas cresceram de forma muito rápida e foram aproveitadas para ajustes de contas…até políticas? Para quando esta vertente socio-ética nos eventos promovidos e realizados?

Há coincidências que podem incomodar. Temos de ser mais racionais e de tentarmos descortinar se este ‘viver para comer’ não será mais uma artimanha de neopaganismo com que temos vindo a conviver de foram crescente?

Numa palavra: não deixemos que os acontecimentos nos ultrapassem pela negligência e a falta de senso…

  

António Sílvio Couto

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