Temos
sido matraqueados – quase a roçar a intoxicação – com notícias sobre um tal jovem
ator, entre a vida e a morte no hospital, que terá exagerado na administração
de anabolizantes… para ter, na sua perspetiva, um pretenso ‘corpo perfeito’.
Mais do
que colocar no pedestal do julgamento, sinto alguma confusão sobre o estado a
que se está a chegar, tendo em conta os possíveis conceitos subjacentes a todo
isto que se vai vendo… de uma forma complacente, recorrente e quase mórbida.
O que é
isso de ter ou pretender ter um ‘corpo perfeito’? A noção de tal ‘perfeição’
corporal segue que critérios? Na dança de impor ‘modas de beleza’ estaremos a
ser guiados por que valores? Até que ponto esta pretensão do ‘corpo perfeito’
guia ou condiciona a vida e o comportamento…pessoal e dos outros? Porque
escapou para a luz do dia este submundo da beleza encomendada, fabricada e
construída à custa de mentiras e arranjos de Photoshop… psicológico-moral?
Sejam
quais forem as respostas a estas ou a outras questões, o problema que emergiu
com a doença do tal jovem ator internado é algo mais profundo do que as
reportagens à porta do hospital querem (ou queriam) dizer. Aquele internamento
revela acima de tudo uma mentalidade que vai entretendo muitos dos jovens –
alguns já com idade de terem juízo e de assumirem o que são na decrepitude – à
mistura com outras desculpas de adolescentes em segunda vaga – isto é, adultos
na barreira dos cinquenta e dos sessenta anos – que veem caducar o tempo de
validade do físico e do psíquico menos bem assumido. De facto, é uma arte saber
envelhecer e estar de bem com o seu corpo, tem ele as limitações que manifestar
e revele as lacunas que não possa mais esconder. Tudo o resto soa a falsidade e
a tentativa de engano sobre si mesmo e para com os outros…esses que já viram o
que evitam dizer-nos, por defeito de verdade e na assunção dos erros que devem
ser enquadrados…naturalmente.
= É de
longa data, na cultura humana (dita) civilizada, a exaltação do cuidado com o
corpo humano. Quem não lembra da cultura geral a proposta da cidade-estado de
Esparta, na Grécia? Aí ter um corpo esbelto e atlético era bem mais importante
do que essa outra visão de Atenas da sabedoria, onde o tal cuidado, embora não fosse
totalmente negligenciado, não tinha o mesmo destaque. Da Roma antiga é
conhecido o princípio – ‘mens sana in corpore sano’: uma mente sã num corpo são
– tentando aliar os dois elementos – corpo e alma – como constitutivos da nossa
identidade equilibrada.
Na
idade do renascimento – em reação a um certo desprezo da época medieval –
recrudesceu a tentativa de conseguir um corpo que fosse modelar, à boa maneira
das figuras das estátuas greco-romanas, que foram redifundidas na Europa
ocidental. Se repararmos bem nesse tempo muitas das figuras masculinas da
sociedade – até de papas – foram retirando a barba como forma de não impedir
uma certa beleza do corpo. Nisto poderemos encontrar alguns indícios de que a
beleza pode passar por retirar aquilo que impeça de que, no corpo, se manifeste
alguma harmonia ao menos estética.
=
Vejamos tendências mais recentes de ostentação de certos sinais para com o
corpo e no próprio corpo: o recurso a piercings, uma espécie de grafitagem
através das tatuagens, a moda da barba com leituras mais abrangentes do que de
descuido, as corridas e caminhadas para manter a forma à mistura com múltiplos
adereços para que se possa ter – no conceito mais abrangente – ‘qualidade de
vida’ naquilo que anteriormente era suposto atender-se.
Muito
para além de um suporte de vida, o corpo é a nossa condição de vida e é nele e
por ele que estamos na vida, embora ele não seja o elemento exclusivo, pois,
nas dimensões psicológica e espiritual, nós somos muito mais do que essa
matéria que nos faz mostrar quem somos. Por isso, cuidar somente do corpo,
esquecendo essas outras dimensões do nosso ser, será reduzir-nos a muito pouco
e quase só materialista.
Será
tendo uma visão holística cristã daquilo que somos – corpo, alma e espírito –
que poderemos sentir-nos bem e nisso manifestarmos os valores que conduzem a
nossa existência em condição terrena: precisaremos de estar mais atentos para
que não sejamos um corpo são numa alma doente, por um espírito indolente…
António Sílvio Couto
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