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quarta-feira, 24 de abril de 2019

Liberdade com misericórdia


De entre os binómios possíveis de agrupar, numa leitura ‘humana/divina’, podemos conjugar e tentar viver este da ‘liberdade – misericórdia’. De facto, é um dos mais complexos nas possíveis leituras da nossa ténue vida, pois nem sempre este binómio se articula com respeito pela condição pessoal e a dimensão comunitária. Com efeito, poderá parecer que a liberdade nos concede como que viver de rédea solta e, por seu turno, a misericórdia nos confinaria a uma visão mais religiosa senão mesmo um tanto pietista. Não há nada de mais enganoso.

A liberdade é essa faculdade que nos capacita para assumirmos as nossas responsabilidades mais básicas, tanto pelo que pensamos, como pelo que decidimos e fazemos. Há gente que vem para a rua clamar pela liberdade, mas que não passa de marioneta em feira de ideologias e das vaidades de quem pouco faz, mas que pretende vender o produto de engano nos saldos da comiseração mal-assumida. Cartazes de liberdade, não, obrigado!

Por estes dias ocorre o 45.º aniversário da (dita) conquista da liberdade, mas quantos vivem ainda aferrados à complexidade da manipulação. Uns tantos ainda se armadilham com artefactos alusivos à reconquista da liberdade, mas por dentro estão aprisionados – desde a boca até à ação política – com grilhões sem cadeias…esses que prendem a consciência até à medula mais profunda.

Embora se tenha desenvolvido no quadro das intervenções católicas a terminologia da ‘misericórdia’, esta não poderá nunca reduzir-se a um sentimento mais ou menos religioso e que não tenha, minimamente, a ver com a vida do dia-a-dia. É aqui neste terreno que é posta à prova a nossa maior ou menor capacidade de nos deixarmos guiar, consolar e comprometer com a misericórdia, desde a mais simples até à mais complexa e sacramental.

Para usarmos uma certa linguagem futebolística, não podemos deixar que a liberdade marque golos na baliza da misericórdia, só porque esta se encolheu na defesa dos direitos dos mais fragilizados e não os lançou na conquista da vitória, se bem que esta possa não sair do terreno do empate, isto é pela complacência menos boa para com aqueles que mereciam ser aplaudidos pelas claques bem organizadas e com amor à camisola…

A capacidade de ser livre mostra-se na vivência em ser compassivo e misericordioso. Efetivamente será necessário fazer a experiência da misericórdia – a divina e mesmo a humana – para que possamos não ter nada a ter, portanto, em sermos livres e disponíveis para seguirmos o nada temer e tão pouco nada ter a esconder. 

Recordando as palavras da Sagrada Escritura: ‘conhecereis a verdade e a verdade vos tornará livres’ (Jo 8,32), será, então, pela libertação operada pelo Espírito da Verdade que seremos capazes de nos irmos libertando de tantas formas e feitios de aprisionamento. Será quando deixarmos que a misericórdia divina venha preencher as lacunas de tantas dimensões de nós mesmos que saberemos apreciar melhor como Deus ama cada um de nós e nos faz ser livres n’Ele. 

= Num tempo em que marcadamente contam mais os direitos do que os deveres, tratar o tema da liberdade será mais útil vê-lo na linha das perguntas do que no campo das afirmações, se bem que aquelas possam ser mais contundentes na subtileza do que estas.

* A liberdade é, para mim, um valor, um critério ou uma reivindicação?

* Aceito as opções de liberdade dos outros ou considero as suas opiniões menos boas só porque não são como as minhas?

* Na linha das escolhas partidárias/ideológicas respeito as escolhas alheias com toda a legitimidade como desejo que aceitem as minhas?

* Procuro esclarecer-me das tomadas de posição dos outros ou embarco com facilidade naquilo que uns certos ‘fazedores de opinião’ me impingem de forma acrítica e, tantas vezes, preconceituosa?

* Terei evoluído nas minhas opções, critérios e votações ou fixei-me em arquétipos de há décadas sem ter estudado as possíveis incongruências dos mentores de tais correntes?

Ser livre custa muita liberdade…interior e exterior.

 

António Sílvio Couto

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