De entre os binómios
possíveis de agrupar, numa leitura ‘humana/divina’, podemos conjugar e tentar
viver este da ‘liberdade – misericórdia’. De facto, é um dos mais complexos nas
possíveis leituras da nossa ténue vida, pois nem sempre este binómio se
articula com respeito pela condição pessoal e a dimensão comunitária. Com
efeito, poderá parecer que a liberdade nos concede como que viver de rédea
solta e, por seu turno, a misericórdia nos confinaria a uma visão mais
religiosa senão mesmo um tanto pietista. Não há nada de mais enganoso.
A liberdade é essa
faculdade que nos capacita para assumirmos as nossas responsabilidades mais
básicas, tanto pelo que pensamos, como pelo que decidimos e fazemos. Há gente
que vem para a rua clamar pela liberdade, mas que não passa de marioneta em
feira de ideologias e das vaidades de quem pouco faz, mas que pretende vender o
produto de engano nos saldos da comiseração mal-assumida. Cartazes de
liberdade, não, obrigado!
Por estes dias ocorre
o 45.º aniversário da (dita) conquista da liberdade, mas quantos vivem ainda
aferrados à complexidade da manipulação. Uns tantos ainda se armadilham com
artefactos alusivos à reconquista da liberdade, mas por dentro estão
aprisionados – desde a boca até à ação política – com grilhões sem
cadeias…esses que prendem a consciência até à medula mais profunda.
Embora se tenha
desenvolvido no quadro das intervenções católicas a terminologia da
‘misericórdia’, esta não poderá nunca reduzir-se a um sentimento mais ou menos
religioso e que não tenha, minimamente, a ver com a vida do dia-a-dia. É aqui
neste terreno que é posta à prova a nossa maior ou menor capacidade de nos
deixarmos guiar, consolar e comprometer com a misericórdia, desde a mais
simples até à mais complexa e sacramental.
Para usarmos uma
certa linguagem futebolística, não podemos deixar que a liberdade marque golos
na baliza da misericórdia, só porque esta se encolheu na defesa dos direitos
dos mais fragilizados e não os lançou na conquista da vitória, se bem que esta
possa não sair do terreno do empate, isto é pela complacência menos boa para
com aqueles que mereciam ser aplaudidos pelas claques bem organizadas e com
amor à camisola…
A capacidade de ser
livre mostra-se na vivência em ser compassivo e misericordioso. Efetivamente
será necessário fazer a experiência da misericórdia – a divina e mesmo a humana
– para que possamos não ter nada a ter, portanto, em sermos livres e
disponíveis para seguirmos o nada temer e tão pouco nada ter a esconder.
Recordando as
palavras da Sagrada Escritura: ‘conhecereis a verdade e a verdade vos tornará
livres’ (Jo 8,32), será, então, pela libertação operada pelo Espírito da
Verdade que seremos capazes de nos irmos libertando de tantas formas e feitios
de aprisionamento. Será quando deixarmos que a misericórdia divina venha
preencher as lacunas de tantas dimensões de nós mesmos que saberemos apreciar
melhor como Deus ama cada um de nós e nos faz ser livres n’Ele.
= Num tempo em que
marcadamente contam mais os direitos do que os deveres, tratar o tema da
liberdade será mais útil vê-lo na linha das perguntas do que no campo das
afirmações, se bem que aquelas possam ser mais contundentes na subtileza do que
estas.
* A liberdade é, para
mim, um valor, um critério ou uma reivindicação?
* Aceito as opções de
liberdade dos outros ou considero as suas opiniões menos boas só porque não são
como as minhas?
* Na linha das
escolhas partidárias/ideológicas respeito as escolhas alheias com toda a
legitimidade como desejo que aceitem as minhas?
* Procuro
esclarecer-me das tomadas de posição dos outros ou embarco com facilidade
naquilo que uns certos ‘fazedores de opinião’ me impingem de forma acrítica e,
tantas vezes, preconceituosa?
* Terei evoluído nas
minhas opções, critérios e votações ou fixei-me em arquétipos de há décadas sem
ter estudado as possíveis incongruências dos mentores de tais correntes?
Ser livre custa muita
liberdade…interior e exterior.
António Sílvio Couto
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