Longe da prosápia da macrocefalia da capital – estendida à AML e
acrescentada à língua marítima de norte a sul do território europeu – onde está
o ’25 de abril’? Essa pretensão dos três ‘d’s’ – descolonização, democratização
e desenvolvimento – já chegou aos que continuam a estar ‘sem-voz’, hoje como no
passado do regime anterior?
Por muito que certas figuras do poder, nestes 45 anos de revolução
abrilina, digam que já foram cumpridos os tais três ‘d’s’, ainda estamos muito
longe de criar condições mínimas para que isso seja verdade para todos os
portugueses, tanto do litoral como do interior.
Por constituir algo de simbolicamente bizarro vou reportar-me ao ritual da
comemoração do 25 de abril na Moita – espaço onde vivo há oito anos, sete meses
e vinte e oito dias – num misto de aprendizagem, de reconhecimento e mesmo de aferição…
Durante cerca de uma hora, na manhã de 25A, pode-se ver um certo desfile de
forças em conglomeração, como se de pagamento de favores se possa tratar: um
misto entre desfile carnavalesco e de procissão mal-amanhada percorre os
espaços centrais da povoação. O ritual vai perdendo fogo e os sinais dos
intervenientes podem considerar-se desconexos, pois se uns levam os estandartes
alçados, outros levam-nos ao ombro – sabe-se lá se conhecem o significado de
cada qual das posições – isto já para não falar em vermos outros roçar em terra
com os símbolos das coletividades surgidas depois de quarenta anos de novo
regime…
Que as forças da dita democracia se achem no direito de ostentarem as
causas que as fazem correr, ainda se suporta, mas será, no mínimo, duvidoso que
as autarquias – ou quem as suporta ideologicamente – considerem que os espaços
públicos possam ser tratados à maneira do seu quintal individualista, onde cada
um possa impor-se a quem não pensa nem vota como quem governa…isso, sim, há
quase tanto tempo como reinou a terceira república… Terá a ditadura outro nome,
se for votada sob manipulação democrática?
Os pagadores do recebimento de subsídios vão-se arrastando numa leitura mais ou menos vangloriosa, desde que passeando-se no veludo da boa harmonia e enquanto vai havendo proventos para flutuarem por mais algum tempo.
Os pagadores do recebimento de subsídios vão-se arrastando numa leitura mais ou menos vangloriosa, desde que passeando-se no veludo da boa harmonia e enquanto vai havendo proventos para flutuarem por mais algum tempo.
E, se, de repente, tudo mudasse de coloração: qual seria a reação – sim,
essa que julgam terem exorcizado, mas que continua a reclamar – dos atuais
ocupantes dos postos de mando? Talvez seja preciso algum entendimento para se
colocar no lugar dos ‘sem-voz’, pois são ostracizados só porque não fazem parte
da mentalidade reinante e reinadora…
Até onde irá a arrogância de quem se acha dono-e-senhor de algo que não lhe
pertence, mas faz parte indistinta de todo o povo e não de fações, ideologias
ou partidos?
Quem ensinará certos mentores ‘urbanos’ a respeitarem os ‘rurais’,
silenciados à força ou condicionados por míngua de meios para se fazerem ouvir?
= Se quiséssemos inventar outros três ‘d’s’, quarenta e cinco anos depois
da revolução abrilina, teríamos de conjugar dinheiro-desvergonha-diversão para
classificarmos algumas das atitudes atuais de menor denominador comum. Outra
hipótese para os três ‘d’s’ poderia ser a de desilusão-disparate-dissonância,
numa tentativa de encontrar quem se aproveitou das possibilidades propostas e
as fez reverter para si e para os do seu grupo de interesses.
Se atendermos às mais recentes revelações dos episódios que fizeram a
revolução abrilina vemos que muitos dos descendentes do seu incremento não
conseguiram libertar-se dos assomos de vingança – em certos momentos reclamando
fuzilamento dos opositores – e, para já em forma de verborreia, vão continuando
o que antes foi tomado por reivindicação, felizmente, não-concretizada
Hoje continua a haver uma imensa multidão silenciosa e/ou silenciada que
vai vivendo fora das categorias de vitoriosos, adiando a possibilidade em serem
pessoas com iguais direitos, almejando passar da fase das obrigações. Basta de
submissão aos protegidos das classes que têm acesso ao prato, onde a comida é
servida com discrepâncias intoleráveis. Não serão denúncias das ‘políticas de
casos’ e atoardas anti-cobardia que farão deste país um espaço democrático,
tolerante e com futuro… Palavras leva-as o vento!
António Sílvio Couto
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