De entre os vinte e um pontos apresentados pelo Papa
Francisco na ‘cimeira sobre proteção de menores’, realizada no Vaticano, de 21
a 24 deste mês, inclui-se o seguinte: «fazer uma revisão periódica de
protocolos e normas para salvaguardar um ambiente protegido para menores em
todas as estruturas pastorais; protocolos e normas baseados nos princípios da
justiça e da caridade, integrados para que a ação da Igreja também neste campo
esteja em conformidade com a sua missão» (n.º 6).
Efetivamente este tema dos ‘abusos sexuais’
cometidos por membros do clero católico começou a emergir das sombras no início
do terceiro milénio, abrangendo, sucessivamente, países como Estados Unidos,
Canadá, Brasil ou na Europa: Irlanda, Alemanha, Inglaterra, França, Espanha,
Bélgica e mesmo Portugal.
Desde a primeira hora surgiriam testemunhos de
abusados, tanto do sexo masculino, como do sexo feminino, envolvendo desde paróquias,
dioceses e ordens religiosas, as instâncias de educação e de catequese,
passando por movimentos de adolescentes e de jovens.
Num plano eclesial houve – ao mesmo na linha da
intenção – tentativas, por parte dos responsáveis diocesanos e religiosos, de
criar condições para que os abusadores fossem tratados ao nível psicológico,
médico e espiritual. Mas o que não foi bem avaliado – antes pelo contrário – foi
a transferência dalguns dos acusados de espaço em espaço até à confusão
generalizada… e mais difusora do malfeito.
É digno de registo que as vítimas foram trazendo à
luz do dia os seus casos específicos, assumindo os seus traumas, denunciando
muito do silêncio dos bispos e superiores de muitos dos abusadores e clamando
por justiça…nalgumas situações envolvendo indemnizações de larga conta,
sobretudo em países onde essa prática jurídica tinha suporte para ser
realizada…Ao largo dos países foram surgindo associações de molestados no
âmbito sexual por membros do clero!
Com o
Papa Bento XVI, em 2010, explodiu o assunto nas teias do Vaticano e, numa carta
sobre a pedofilia e tudo quanto envolvia a hierarquia católica anteriormente, o
mesmo Papa exigiu que se cumprisse mais rigorosamente o Código de Direito
Canónico e apresentou a Igreja a estar em colaboração com as autoridades civis
e criminais…Aliás, há quem considere que a resignação de Bento XVI, em
fevereiro de 2013, terá sido como que um grito lancinante de falta de forças do
Papa para enfrentar esta tão delicada questão…dentro e fora da Igreja!
Em muito
deste processo foi notório o papel da comunicação social, umas vezes de forma
sensata e honesta, noutras vezes mais sensacionalista e pouco independente,
noutros casos ainda parecendo mais ao serviço do combate anticatólico do que na
busca do serviço e qualidade da verdade…
=
Escrevo este texto no dia litúrgico da ‘cadeira de São Pedro’ e perpassam pela
minha mente algumas perguntas que deixo em forma de inquietação, de desafio e
numa tentativa de captar as consequências para a Igreja católica…antes, durante
e depois desta crise que tanto magoa quem se sinta em Igreja.
* Como
se pode conciliar a justiça com a caridade, se ambas não estiverem imbuídas de
verdade e de confiança de uns para com os outros e de todos em relação à
hierarquia?
* Como
se pode enfrentar a delação solicitada, se o conhecimento do caso se deu em
contexto do sacramento da penitência?
* Até
onde irá o sigilo profissional ou de confissão, se se pretende mostrar serviço
a quem nos acuse, conteste e combata, dentro ou fora da Igreja?
* Não
será que muitos dos casos conhecidos revelam menos boa atenção na seleção dos
candidatos ao sacerdócio?
* Porque
surgem (quase) sempre os mesmos papagaios a falar do assunto – muitos deles com
ar ressabiado contra a Igreja – na comunicação social e não aparecem, de facto,
os padres que não foram acusados nem têm nada esconder?
*
Perante esta nova vaga de ‘caça às bruxas’, será que alguém está a salvo
dalguma acusação mesmo que tendenciosa e a roçar a mentira, a suspeita ou a
difamação?
Quem ama
a Igreja e a serve com dedicação e esperança certamente sofre com estas
feridas, sabendo que o ‘corpo de Cristo’ é muito mais do que uma sociedade de
interesses ou um saco de conflitos. Creio na Igreja!
António Sílvio Couto
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