A
tempestade – sabe-se lá com que designação de tão furiosa que se apresenta –
que se tem abatido sobre a Igreja católica é demasiado complexa para ser reduzida
a uns epítetos, as umas considerações (mais ou menos acintosas ou menos
piedosas), a uns prognósticos de má-formação ou mesmo a uma crise só comparável
com a rutura da Reforma no século XVI. Com efeito, os designados ‘abusos
sexuais’ de membros do clero – trazidos mais a público depois da viragem do
milénio – estão a ensombrar a Igreja católica e o toque a reunir – isto é, a
analisar, refletir e mudar – do Papa Francisco é disso mais do que sintomático
da humildade que a todos deve envolver e da coragem que deve ser correspondente
a este fenómeno social, religioso, espiritual e (quase) cultural.
De pouco
adianta trazer para a liça questões laterais – celibato dos padres, lugar das
mulheres na Igreja, organização clerical da mesma, riquezas do Vaticano ou
outras – para disfarçar o solene incómodo deste problema dentro e fora dos
espaços eclesiais, que são muito mais do que meramente eclesiásticos. A
resignação de Bento XVI, em 2013, foi disso uma consequência, mais pela
dificuldade etária em tratar o problema do que em percebê-lo em muitas das suas
implicações – talvez não se tenham detetado ainda todas – na configuração da
Igreja católica neste mundo.
De
facto, o pontificado do Papa Francisco parece que ficará ligado a esta questão
dos ‘abusos sexuais’ na Igreja. Nem outras abordagens o têm feito distrair para
a expurga deste problema, talvez se possa dizer da tarefa de exorcizar este
demónio entranhado na textura da Igreja católica. À semelhança do que Jesus
dizia aos discípulos: este tipo de demónios não se consegue vencer senão à
força de muita oração e penitência.
= Em todo
este processo podemos encontrar um antes, um durante e um depois. Nós estamos
na etapa do depois, na medida em que o ‘antes’ foi a educação (humana,
religiosa ou espiritual) recebida pelos abusadores e que deu as consequências
que se podem verificar no ‘durante’, pois esta etapa terá tido, possivelmente,
momentos diversos ou nem que tenha sido só um, algo desencadeou o abuso…
* Mutatis mutandis: vejamos o que aconteceu com o
aberrante da ‘casa Pia’: nele houve políticos, médicos, diplomatas, pessoas do
mundo de televisão, etc e nem todos os médicos, os diplomatas ou os atores
foram considerados abusadores só porque um deles possa ter sido apanhado,
julgado e condenado… Sobre os do mundo da política, escaparam-se por entre as
teias da lei e dalgumas cumplicidades mal explicadas… Isso mesmo queremos
aduzir sobre os outros padres ou religiosos que não cometeram os crimes de que
alguns dos seus são acusados… Por isso, talvez fosse mais sensato e correto não
lançarem – duma forma particular alguma comunicação social ávida de notícias de
escândalos – a teia da suspeita sobre todos indiscriminadamente. Não está em
causa qualquer reação corporativista, mas a prevenção de acusações futuras!
+ Antes – esta fase envolve a educação
recebida pelos abusadores, num aspeto mais repressivo do que enquadrando as
várias dimensões da pessoa humana, de entre elas a sexual. Talvez muitos dos
abusadores (dizemo-lo no masculino, embora haja pessoas também do sexo
feminino) tenham sido resultado duma sexualidade assaz negativa, à mistura com
alguma religiosidade rígida, maquinal e inconsequente. A moral casuística
deixou marcas, criou réus e prolongou-se por tempo em excesso… ontem como hoje.
+ Durante – ao longo das décadas em
análise fomos conhecendo centenas ou milhares de casos onde se verificou um
misto de ofensa, de exploração e de criminalidade, que terão de ser conjugados
em conformidade com os critérios jurídicos de cada país…sem promoção de lóbis
ou de grupos anticristãos.
+ Depois – agora que tomamos conhecimento
dos factos – dos réus e das vítimas – temos de viver os valores do Evangelho,
atendendo aos mais frágeis e um tanto fragilizados, sem esquecer a reclamação
da justiça aliada à misericórdia que carateriza, por excelência, os princípios
cristãos.
Nesta
fase conturbada da nossa história será preciso que apareçam profetas da boa
vontade, acrisolados pela consciência de quanto a Igreja católica fez de bem,
conjugando a acusação dos que prevaricam, mas não deixando que a mesma Igreja
se torne, agora, servidora dum nova inquisição moralizante…à antiga!
António Sílvio Couto
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