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domingo, 24 de fevereiro de 2019

Antes, durante e depois…


A tempestade – sabe-se lá com que designação de tão furiosa que se apresenta – que se tem abatido sobre a Igreja católica é demasiado complexa para ser reduzida a uns epítetos, as umas considerações (mais ou menos acintosas ou menos piedosas), a uns prognósticos de má-formação ou mesmo a uma crise só comparável com a rutura da Reforma no século XVI. Com efeito, os designados ‘abusos sexuais’ de membros do clero – trazidos mais a público depois da viragem do milénio – estão a ensombrar a Igreja católica e o toque a reunir – isto é, a analisar, refletir e mudar – do Papa Francisco é disso mais do que sintomático da humildade que a todos deve envolver e da coragem que deve ser correspondente a este fenómeno social, religioso, espiritual e (quase) cultural.

De pouco adianta trazer para a liça questões laterais – celibato dos padres, lugar das mulheres na Igreja, organização clerical da mesma, riquezas do Vaticano ou outras – para disfarçar o solene incómodo deste problema dentro e fora dos espaços eclesiais, que são muito mais do que meramente eclesiásticos. A resignação de Bento XVI, em 2013, foi disso uma consequência, mais pela dificuldade etária em tratar o problema do que em percebê-lo em muitas das suas implicações – talvez não se tenham detetado ainda todas – na configuração da Igreja católica neste mundo.

De facto, o pontificado do Papa Francisco parece que ficará ligado a esta questão dos ‘abusos sexuais’ na Igreja. Nem outras abordagens o têm feito distrair para a expurga deste problema, talvez se possa dizer da tarefa de exorcizar este demónio entranhado na textura da Igreja católica. À semelhança do que Jesus dizia aos discípulos: este tipo de demónios não se consegue vencer senão à força de muita oração e penitência. 

= Em todo este processo podemos encontrar um antes, um durante e um depois. Nós estamos na etapa do depois, na medida em que o ‘antes’ foi a educação (humana, religiosa ou espiritual) recebida pelos abusadores e que deu as consequências que se podem verificar no ‘durante’, pois esta etapa terá tido, possivelmente, momentos diversos ou nem que tenha sido só um, algo desencadeou o abuso…

* Mutatis mutandis: vejamos o que aconteceu com o aberrante da ‘casa Pia’: nele houve políticos, médicos, diplomatas, pessoas do mundo de televisão, etc e nem todos os médicos, os diplomatas ou os atores foram considerados abusadores só porque um deles possa ter sido apanhado, julgado e condenado… Sobre os do mundo da política, escaparam-se por entre as teias da lei e dalgumas cumplicidades mal explicadas… Isso mesmo queremos aduzir sobre os outros padres ou religiosos que não cometeram os crimes de que alguns dos seus são acusados… Por isso, talvez fosse mais sensato e correto não lançarem – duma forma particular alguma comunicação social ávida de notícias de escândalos – a teia da suspeita sobre todos indiscriminadamente. Não está em causa qualquer reação corporativista, mas a prevenção de acusações futuras!   

+ Antes – esta fase envolve a educação recebida pelos abusadores, num aspeto mais repressivo do que enquadrando as várias dimensões da pessoa humana, de entre elas a sexual. Talvez muitos dos abusadores (dizemo-lo no masculino, embora haja pessoas também do sexo feminino) tenham sido resultado duma sexualidade assaz negativa, à mistura com alguma religiosidade rígida, maquinal e inconsequente. A moral casuística deixou marcas, criou réus e prolongou-se por tempo em excesso… ontem como hoje. 

+ Durante – ao longo das décadas em análise fomos conhecendo centenas ou milhares de casos onde se verificou um misto de ofensa, de exploração e de criminalidade, que terão de ser conjugados em conformidade com os critérios jurídicos de cada país…sem promoção de lóbis ou de grupos anticristãos.  

+ Depois – agora que tomamos conhecimento dos factos – dos réus e das vítimas – temos de viver os valores do Evangelho, atendendo aos mais frágeis e um tanto fragilizados, sem esquecer a reclamação da justiça aliada à misericórdia que carateriza, por excelência, os princípios cristãos.

Nesta fase conturbada da nossa história será preciso que apareçam profetas da boa vontade, acrisolados pela consciência de quanto a Igreja católica fez de bem, conjugando a acusação dos que prevaricam, mas não deixando que a mesma Igreja se torne, agora, servidora dum nova inquisição moralizante…à antiga!  

 

António Sílvio Couto

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