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terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

Entre marido e mulher não se deve meter a colher?


De entre os adágios portugueses este tem vindo a manifestar a necessidade urgente de correção. Outros quiseram fazer idêntica recauchutagem com os alusivos aos animais, mas este – ‘entre marido e mulher não se deve meter a colher’ – tem cada vez mais um imperativo moral, social e cultural.

De facto, a apelidada ‘violência doméstica’ tinha neste adágio uma espécie de desagradável suporte no linguajar português. Embora o que se diz não tenha tanta influência sobre aquilo que se faz, este adágio foi como que uma espécie de tolerância capciosa para muitos dos comportamentos de não-intromissão nos casos de violência doméstica, tanto clara como presumida ou mesmo desculpada.

O fenómeno de violência doméstica – entre marido e esposa e vice-versa; entre pais e filhos e o contrário; entre os mais novos e os mais velhos e o inverso – tem vindo a criar mais e mais vítimas, muitas delas inocentes, não só pela idade mais também em razão das causas que as fizeram perecer.

Entretanto, para entender, estudar e explicar este fenómeno sociocultural da violência doméstica foram surgindo imensas associações em ordem a serem elencados os temas da violência doméstica, tendo em conta as vítimas e os tipos de crimes: entre homens e mulheres (casados ou não), para com os idosos, envolvendo crianças e jovens, discriminações, crimes sexuais, homicídios…numa imensa rede de estruturas e tentáculos com outros assuntos, práticas ou situações. 

= Antes de prosseguirmos a abordagem desta questão poderemos apresentar breves questões: será a violência doméstica um fenómeno preferencial de pobres e de pessoas sem instrução? Os episódios de violência manifestam as pessoas que temos em família ou põem a nu a família que não somos? Porque vem agora a público tantas notícias de violência doméstica, antes não existiam ou eram escondidos com outros subterfúgios socioculturais mais sublimares? Que papel tem ou teve a religião na violência doméstica, de aceitação, de tolerância ou de denúncia, de tratamento ou de combate? Esta vaga noticiosa de casos de violência doméstica favorece a estabilidade familiar, atual e futura? Quais as causas mais profundas deste fenómeno, agora tão preocupante mais pelas consequências do que pelas razões, que têm vindo a levar esta caraterização da nossa sociedade?  

= Parece não ser de difícil verificação que a sociedade está cada vez mais violenta. Ora esta sociedade é constituída por pessoas/cidadãos, famílias, associações/coletividades, igrejas, partidos, clubes… onde essa mesma violência está patente não só nas palavras como nos atos, ações e comportamentos. Por isso, a violência doméstica como sendo aquela que se dá em casa, no âmbito privado e particular, recebe e influência a violência em geral. Com efeito, como se podem criar leis que combatam a violência doméstica, se os políticos nos espaços de intervenção – parlamento, autarquias, ações políticas, na comunicação social – são agressivos, intolerantes e violentos…uns para com os outros e cultivam um ambiente de crispação quase incontrolável?

Apesar da consciencialização deste problema com tantas vítimas físicas, psicológicas, emocionais, económicas… continua-se a falar do assunto como se ele fosse algo alheio ao nosso comportamento, mentalidade ou mesmo dimensão cultural. Será sempre inconsequente abordar o assunto culpando os outros e acusando-os de serem os causadores deste mal, quando a violência tem de ser gerida e digerida por cada um de nós a começar por si mesmo, sem atirar aos outros as razões que não lhes pertencem.

Certas caraterísticas dos nossos dias podem ser mais propícias e fomentadoras da violência, seja ela doméstica, profissional ou mesmo ambiental. Assim, o agravante egoísmo com que nos regemos nas relações com os outros; uma boa dose de narcisismo quase-intocável da minha personalidade; o fechamento aos outros e o empolamento do meu ‘eu’, por vezes, agressivo, intolerante e abusivo; o desrespeito para com a liberdade alheia, as intromissões na esfera do privado e a excessiva exposição da intimidade em casos que deviam ser mais reservados… Isto e muito mais podem favorecer alguma da violência com que nos tratamos diariamente, a começar por casa, que devia ser o santuário da nossa mais profunda conduta e o lugar, por excelência, da convivência com os que nos são mais próximos, a quem conhecemos e damos a conhecer…    

 

António Sílvio Couto



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