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terça-feira, 22 de maio de 2018

Tentáculos das apostas enredam o desporto


Segundo dados obtidos recentemente, em fontes fidedignas, o que se está a passar no ‘mundo do futebol’ tem tanto de preocupante, quanto de revelador de imensas teias de poderes entrecruzados e complexos. Com efeito, há casos em que, tentáculos de forças transnacionais, vão deambulando, de país em país e de continente em continente, à procura de clubes em frágeis condições económicas em ordem a tentarem impor as suas regras subterrâneas, onde se inclui a lavagem de dinheiro e outras subtilezas, por vezes não-vistas pelas autoridades…

- Se há, por hipótese (ou na realidade), um jogador com salários em atraso há mais de seis meses, como poderá ele reagir ao montante apontado para, com pequenos erros/faltas/transgressões, angariar meios para resolver problemas vários?

- Se, por entre tantas vicissitudes da vida e da curta carreira de atleta, surgem oportunidades de vencer barreiras de meses e de anos, não será suscetível de cair quem com tais aliciantes possa ser tentado?

- Se está a carreira ou a vida em jogo, não poderá fazer cair quem, subtilmente, possa ser ameaçado? 

= É impressionante o supermundo onde se pavoneiam tantos dos nossos jogadores. Dizia-se, por estes dias, a propósito dos conflitos numa das agremiações mais populares do nosso país: é percetível ver a presença dos jogadores, tal é a quantia de carros de alta cilindrada e topo de gama… Isso mesmo era confirmado no desfile de carrões em vários dos momentos noticiados. Não andarão aqueles cidadãos a viver acima das suas possibilidades? O controlo das finanças não vai investigar os tais sinais exteriores de riqueza? Com tais tratamentos de vedetas não estaremos – cada qual ao seu nível – a contribuir para que os jogadores se sintam seres superiores, senão nos dotes ao menos nos proveitos? O simpatizante, o adepto, o associado e toda a outra cadeia de investidores no negócio do desporto – e do futebol em particular – não terão culpa por terem contribuído para essa ‘bolha social’ em que foram colocados estes dotados e bem pagos?

Muita coisa está mal no reino da bola – tenha ela o formato que possa apresentar – na medida em que se vive num submundo com outras regras e outros tantos critérios que não são captados por todos. Quanta comunicação social gravita em volta do desporto. Quantos negócios se fazem e/ou desfazem sem se entenderem os quês nem os porquês. Quantos vivem como se a vida fosse só isso ou se os problemas do mundo se reduzissem à configuração do tratamento dado ao desporto e, sobretudo, às questões verificadas na área do futebol.  

= Talvez nunca como agora a nossa sociedade ocidental – e a portuguesa em especial – se tem deixado guiar e viver pelo lema ‘pão e jogos’ da época decadente do império romano do ocidente, em meados dos séculos quarto e quinto depois de Cristo. Ao tempo o imperador entretinha os seus súbditos dando-lhes pão e fornecendo-lhes divertimento. Isso mesmo temos vindo, progressivamente, a experimentar nas décadas mais recentes. Resolvidos muitos dos conflitos bélicos entre os povos, agora como que chafurdamos numa espécie de amoralidade sem lei nem regras, a não ser o de usufruir do bem-estar pessoal, nem que mais não seja à custa de serem atropelados os outros… E nem as propostas éticas/morais escapam à subtileza deste amorfismo crescente.

Aquilo que poderia ser um ambiente de atenção aos outros, pois muitas das necessidades primárias estão resolvidas e asseguradas, tem vindo a degenerar num fechamento aos outros, gerando mais e mais egoísmo e até egolatria. O ‘eu’ marca pontos sobre os ‘outros’ e estes como que podem ser considerados inimigos da conquista dos direitos individuais. Na cultura de Esparta – uma cidade grega onde a esfera do eu corporal tinha precedência sobre a dimensão cultural – saber roubar, desde que não fosse descoberto era como que uma regra de conduta. Assim hoje parece reinar o ditame: rouba desde que não te descubram…

Estamos num tempo pré-cristão, com a agravante de agora ter acontecido que outra versão: a mensagem cristã foi-se degenerando e perdendo o sabor para salgar o mundo e as pessoas. Há sinais de inquietação cultural e de eminente capitulação de algo que foi a matriz de conduta de séculos, mas em breves décadas, dá a impressão que deitamos tudo a perder…     

 

António Sílvio Couto  

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