Nos
últimos dias, semanas e meses temos vindo a assistir a um crescendo progressivo
de múltiplos sinais de violência – verbal, psicológica, emocional, física e até
cultural – na sociedade ocidental no genérico e em particular em Portugal. As
pessoas parecem mais irritadiças, por pouco ou quase nada entram de discussão.
Já quase não se conversa, mas antes se grita e agride. Uma mera troca de
opiniões gera uma convulsão tal, que se percebe mais ou menos como começa, mas
não se prevê como poderá acabar.
Dá a
impressão que um certo apaziguamento de conflitos bélicos – há mais de setenta
anos que não uma guerra que envolva toda a Europa…à exceção de certas
escaramuças nos Balcãs e países satélites saídos no bloco de leste – tem vindo
a arrolhar nas pessoas sentimentos de violência capazes de serem despoletados –
no sentido verdadeiro do termo de tirar a espoleta ou o detonador – em pequenas
doses e sorvidas em tragos de intolerância…quanto baste.
Por
muito que se pretenda disfarçar, há sinais preocupantes para o nosso futuro
próximo, pois certos espaços de atividade humana e com alguma dose de
pacificação, como era o desporto (nas várias modalidades), são, hoje, âmbitos
de potencial conflitualidade e campos (ringues, pistas ou academias) de
batalha, quase como rastilhos para uma sociedade em crise de identidade e sem
objetivos comuns. Nalguns casos adeptos, simpatizantes ou associados da mesma
agremiação agridem-se como se fossem inimigos figadais e alvos a abater na
prossecução de planos mais elaborados…sabe-se lá de quem!
Houve
tempos em que o espaço do desporto tentou viver à parte do resto da sociedade.
Muitas das leis de âmbito civil nesta esfera não tinham intervenção. Contratos
e negócios estavam fora do alcance até das leis de mercado… Como é que se falavam
de milhões investidos e se pagavam tostões ao fisco? Como é que havia os
contratos registados e fora de mão se ouvia enormidades sem controlo? Como é
que certos autarcas eram, em simultâneo, ocupantes do poder e dirigentes do
clube mais popular da região? Como é que responsáveis político/partidários se
pavoneavam nas tribunas em dias de jogos e se tornavam mãos largas a partir das
instâncias de governação? Por que razão tínhamos todos de saber qual a simpatia
clubística do chefe do partido – ao nível nacional ou local – como se isso
fosse campo de conquista de votos na hora de os angariar e contar?
Mais
tarde ou mais cedo – talvez a hecatombe venha daqui a breves anos – o conluio
entre política e desporto tinha de ser desmascarado. Não nos venham tentar
ludibriar com a colaboração entre as várias forças, pois, quando está dinheiro
e poder em jogo, logo se corre o perigo de algum deles vir a perder e, pelo
desinteresse já verificado pela política, não faltará muito para que estádios,
pavilhões e ruas fiquem vazios pelo desinteresse, a revolta e mesmo a
desilusão…
Há
urgência em fazer com que o desporto esteja inserido na normalidade da
sociedade…dita democrática. Algum crime praticado no âmbito desportivo tem de
ser regido pelas leis gerais do país, da União Europeia e da normalidade
internacional. Corrupção, violência, fuga aos impostos, contratos de trabalho,
fundos de publicidade, transmissões televisivas, ordenados e vencimentos,
subsídios e comparticipações (estatais, autárquicas, pessoais e/ou coletivas)…e
tantos outros temas… têm de estar sob a alçada da lei e não num mundo aparte e
segundo regras sombrias, nebulosas ou quase criminosas.
Diz a
sabedoria popular – não basta chorar sobre leite derramado. Ora, é precisamente
sobre esse ‘leite derramado’ da incompetência em tratar estes assuntos, que
temos todos, como cidadãos conscientes, de fazer cumprir as leis da república,
exorcizando quem não queira, não saiba ou lhe interesse cumprir as regras da
vida pública.
Enquanto
é tempo tentemos atalhar e combater indícios preocupantes de fações
subterrâneas que vão sobrevivendo sem serem apanhadas. Os tentáculos mostrados
por estes dias não podem ser motivo de continuar neste ‘faz-de-conta’ que nos
carateriza, como lhe chamou o presidente da república.
Muitas
destas coisas podem ser revelação de que há muita gente – alguns bem novos –
que vive sem trabalhar e com proventos capazes de os manter no mundo da
marginalidade, senão mesmo da criminalidade. Iremos pagar, com valor
acrescentado, estes sinais de violência social e cultural…manifestada no
desporto!
António
Sílvio Couto
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